Depois de 15 dias a caminho, cheguei a
Iguatama!
Muitas coisas para contar, mas serei breve, pois a jornada continua...
Dia 28 de maio saímos de Ribeirão Preto com destino à Serra da Canastra. Paulo Eduardo e Heitor haviam me reservado uma
estraordinária surpresa: não só me acompanhariam na primeira parte da expedição, fazendo a trilha da nascente até a base da Casca
Danta, mas chegaram com o
Toyota todo
grafitado com o emblema da expedição (criado e produzido pelo Heitor), slogan "Meu Velho Chico" estampado na
carroceria, de todos os lados! Meus grandes amigos, meus irmãos, muito obrigado!
A segunda surpresa foi o encontro com minha querida filha Mônica na entrada de São Roque de Minas! Minha filhota querida foi especialmente se despedir de mim no início da jornada, um enorme incentivo para meus longos dias de solidão que ali se iniciavam...
A trilha da nascente (que não existe), durou um dia e meio; pernoitamos no meio do mato, sem barraca, à luz das estrelas e o respingo da garoa! Trajeto fantástico, com muitas cenas dignas de uma viagem dessa mgnitude!
Pernoitamos na Pousada Barcelos na noite seguinte e fomos para Vargem Bonita onde, depois dos preparativos, colocamos a canoa no rio São Francisco e dei início à viagem. Eram os primeiros passos da longa extensão do Velho Chico.
Logo à saída, a surpresa! Nem bem havia me adaptado à nova situação e percebi que as corredeiras já tinham começado! Primeiro suaves e brandas, depois foram se tornando cada vez mais agitadas, difíceis e cansativas para quem nunca havia passado por uma corredeira! Lembrei-me dos amigos do Tonhão: "corredeiras no rio São Francisco? Isso não existe!".
Existe sim, com águas brancas e tudo! E logo tive de me adaptar a elas, administrando as curvas do rio, ora à direita, ora à esquerda, uma atrás da outra, em uma sucessão de ziguezagues que se tornariam minha nova rotina de navegação pelos próximos 12 dias!
Cada curva, uma corredeira! Essa era a lei do rio! A princípio, achei divertido, curtia cada manobra e já me achava expert em corredeiras. Remei assim por algum tempo até que chegou o horário combinado de procurar abrigo: 16 horas.
Pernoitei em um pasto, próximo a duas cachoeiras muito bonitas, com águas limpas e cristalinas. À minha frente, o primeiro obstáculo intransponível: uma corredeira que mais se parecia com uma cachoeira, tamanho era o volume de águas e a queda por onde eu deveria passar com a canoa. Olhei para os dois lados, procurando uma saída: não havia! Morros altos e íngremes, de ambos os lados, dificultavam a subida.
Improvisei uma escalada e andei alguns minutos, tentando ver a possibilidade de superar a cachoeira. Nada! O rio que gerou as cachoeiras, na verdade, fizera um profundo canyon na montanha, com mata densa e intransponível, além da dificuldade óbvia de ter que levar a canoa e todas as mochilas lá para cima.
Como estava muito perto da queda dágua, fiquei com receio de manobrar a canoa e cair, involuntariamente, na cachoeira. Coloquei as nadadeiras e atravessei o rio para averiguar a outra margem. Péssima idéia! Foi ainda mais difícil atravessar a nado!
E o pior: não havia passagem pelo outro lado também! Como já entardecia, resolvi montar a barraca, dormir e deixar que o sono me trouxesse alguma resposta.
Ao acordar, decidi levar a canoa pela margem direita, assim como a bagagem, fazendo uma travessia pelo paredão de pedras. Demorei quase o dia todo para levar tudo até a ponta das pedras, quase sobre a corredeira. Foi aí que encontrei um meio de baixar tudo para o outro lado. Fiz isso, com muito esforço, e segui minha viagem, satisfeito com a transposição de meu primeiro sério obstáculo.
Daí em diante, uma sucessão de dezenas de corredeiras me deixaria exausto! A cada dia eu evoluia apenas uns 2 km, no máximo! Dia a pós dia esse se tornou meu processo de avançar... ganhando cada metro de água com um enorme esforço!
E as corredeiras se tornavam mais difíceis e complicadas. De uma feita, a canoa se encheu de água e tive que me jogar para fora, evitando que ela emborcasse. Com enorme esforço eu a puxei para a margem e, com uma canequinha, retirei toda a água ( mais de 100 litros, com certeza!) e prossegui.
Aí a viagem já parecia uma competição de rafting: a velocidade que o barco atingia nas corredeiras era cada vez maior, mas eu estava me saindo bem e comecei a gostar da "brincadeira", até que em uma queda repentina bati com força em uma pedra submersa! Ouvi um estalido, como se o fundo do barco tivesse rachado. Caí novamente na água.
Parei e examinei precariamente os estragos, mas me pareceu que tudo estava bem. Assim se sucederam as corredeiras, às vezes ela me aceitando, outras me derrubando... até que, ao chegar no início de uma delas, percebi que já não havia tempo para voltar ou parar a canoa. Estava diante de uma rampa descendente, longa e muito inclinada, pronto a ser levado, em desabalada carreira, para fazer manobras impossíveis de escape das inúmeras pedras que se espalhavam por todo o caminho. Era um "tobogã cheio de gilletes afiadas", prestes a me "cortar em pedaços"!
Não havia o que fazer, e fui controlando, como pude, o traçado da canoa, às vezes batendo forte em uma pedra, outras levando um banho de água, segurando-me como podia no trajeto, até que, à minha frente, apareceu uma árvore caída sobre a água, sem lugar para me desviar.
Bati em cheio na árvore! Meu capacete foi arrancado, assim como o boné que estava sob ele! O barco se encheu de água e fui lançado para fora. Agarrei-me ao barco e ao remo, conforme a regra, e fui levado, aos "trancos e barrancos" até o final da corredeira, o que, para mim, demorou muitos minutos (eram segundos eternos, na realidade)!
Novamente, com o barco quase afundado, arrastei-me até margem. Dessa vez não havia jeito de tirar a água, senão esvaziando o barco. Desamarrei toda a carga e retirei os sacos. Virei a canoa e tirei a água. De ambos os lados, de fora e de dentro, o estrago era evidente: rachaduras severas tinham sido feitas no casco. Deixei o barco secar e fui montar meu acampamento improvisado, devido ao adiantado da hora.
No dia seguinte coloquei "silver tape" (uma espécie de adesivo muito resistente) em todas as rachaduras. Experimentei o resultado e constatei que não havia vazamentos. Recoloquei a carga e prossegui viagem. Esta não seria a pior corredeira, e decidi que daí em diante só faria as corredeiras mais fáceis, para evitar novos riscos.
Mas as portagens são muito cansativas, pois exigem o transporte da canoa e das cargas por caminhos não convencionais, às vezes tendo de abrir uma picada a facão no mato, e a evolução se tornou ainda mais lenta.
Alguns lugares não permitiam portagem, ou por falta de caminhos para passar, ou pela dificuldade e risco ainda maiores do que enfrentar as corredeiras. E assim, continuei a alternar corredeiras e portagens, me esforçando para não agravar os danos à embarcação.
Em uma dessas "corridas malucas", perdi todas as minhas cartas topográficas do IBGE, que me custaram tão caro, e que foram arrancadas de um saco, que se abriu, projetadas na água e dissolvidas pela correnteza.
Diante dos problemas e da falta de perspectivas de que essas corredeiras terminassem um dia, eu já estava quase decidido a abortar a expedição, assim que chegasse em um lugar onde pudesse ser socorrido. Isso porque, se eu chamasse por socorro àquela hora, não imaginava como alguém chegaria até lá, a não ser por helicóptero! E eu não queria passar por esse vexame: não estava em perigo, apenas exausto!
Quando já estava prestes a desistir, finalmente, em uma curva de rio, encontrei um barco a motor, com pescadores a bordo. Pensei: "se eles estão com esse tipo de embarcação é porque as corredeiras terminaram!". Pois, até então, nenhum barco a motor poderia passar por aquelas corredeiras.
De fato, perguntando aos pescadores, eles me confirmaram a notícia que esperava tão ansiosamente: era o fim das corredeiras! Remei com a maior disposição de minha vida e, depois de algumas horas, cheguei a uma ponte que liga Piunhi a São Roque de Minas, e sobre a qual eu sabia existir um restaurante, o do Beto, minha salvação!
Antes disso eu passei pela confluência do São Francisco com o Samburá. Há uma controvérsia a respeito da nascente do São Framcisco: alguns chamam a parte que passei de "Francisquinho" e ao rio que nasce da junção desses dois de "verdadeiro São Francisco". Isso porque o Samburá tem maior volume de águas do que o "Francisquinho" (com todo o meu respeito!).
Dizem até que existem duas nascentes: uma, histórica, que é a da Serra da Canastra, de onde vim; outra, geográfica, que é a do Samburá. Polêmicas à parte, cheguei, como disse, ao restaurante do Beto, onde jantei com um grupo de pescadores e passei ótimos momentos, conversando e cantando ao som de um violão e, pela primeira vez, consegui falar com a Luciana e com a Mory, que já estavam desesperadas por notícias! Mas não consegui falar com a Mônica...
Daí em diante foram dois dias de remada forte, e cheguei aqui, em Iguatama, onde me encontro agora. Mais uma surpresa: a cidade não chega à margem do rio, ou melhor, não há acesso pelo rio, a não ser subindo pelo barranco íngreme e barrento, uns 12 metros de altura!
A explicação é óbvia: na temporada de chuvas o rio chega a subir mais de 10 metros e cobre tudo, campos e plantações, atingindo a ponte. Tive que deixar a canoa no rio e subir com um mínimo de bagagens: equipamentos eletrônicos, o remo curvo, a sacola de emergência, uma sacola com algumas roupas... o resto ficou no barco, amarrado à beira do rio... disseram-me que ninguém roubaria nada e tive que acreditar...
O dono de um rancho a beira-rio me ajudou e guardou uma parte dos sacolões, além de me indicar um hotel bem próximo, onde me hospedei. Daí começaram as surpresas e alegrias dessa magnífica cidade.
O Bruno Barcelos, de São Roque de Minas, falou com um jornalista amigo seu, sobre minha expedição. Ele, que publica uma revista, "Circuito das Gerais", se interessou pelo assunto e resolveu vir de Belo Horizonte para me entrevistar. Seu nome: Clóvis Fonseca Closé Limongi, grande figura, que já considero meu amigo!
À noite, mais uma surpresa: Marcos, diretor da Faculdade de Ecologia e Estudos do Meio Ambiente, da Fundação Educacional Vale do São Francisco, de Iguatama, veio ao hotel com sua esposa, para me recepcionar, em nome do prefeito em exercício, Leonardo Carvalho Muniz.
Quanta gentileza desse povo hospitaleiro! Hoje passei o dia em visita a duas obras fantásticas da administração local: um centro de excelência em oftalmologia, que atende centenas de pacientes vindos de toda a região, e a Faculdade.
As duas iniciativas são fruto do idealismo político do prefeito Manoel Garcia Bibiano e do esforço, dedicação e abnegação de sua equipe de governo e voluntários que, com muito esforço, conseguiram tornar realidade. Falarei mais dessas pessoas oportunamente.
Amanhã partirei de Iguatama, levando a certeza de que existem pessoas corretas e idealistas, que batalham por seus objetivos e os tornam realidade por competência e zêlo. Ficará aqui meu coração e minha alegria de ter sido recepcionado com tanto carinho! Meu muito obrigado a toda essa gente mineira, generosa e sábia!
Até o próximo encontro, em Três Marias que, se não surgirem contratempos, será daqui a uns 15 a 20 dias!