De onde partiu seu interesse de trabalhar como militante do meio ambiente e quando você iniciou os trabalhos?
Meu interesse pelas questões ambientais vem de longa data; meu pai, desde minha infância, me ensinou a respeitar e cuidar do meio ambiente; vivíamos em uma pequena cidade do interior de São Paulo, próximo ao rio Paraná que, naquela época, ainda não sofria os impactos das intervenções humanas. Porém, efetivamente comecei a atuar como ativista ambiental quando passei a me dedicar a esportes da Natureza, há mais de uma década. Primeiro, visitações a Parques Nacionais e Estaduais, com minhas filhas; depois, fizemos treinamentos de mergulho equipado (SCUBA) e hoje sou dive master e instrutor assistente de mergulho, com mais de 100 mergulhos logados na costa sul e sudeste do Brasil; em seguida, fiz treinamentos em montanhismo pelo Clube Alpino Paulista, tendo realizado diversas expedições pelas montanhas da Serra do Mar e da Mantiqueira; isso também me levou à escalada em rocha, sendo qualificado por um dos mais experientes escaladores do país, Eliseu Frechou; finalmente, surgiu a oportunidade de fazer uma expedição de treinamento pela ONG Outward Bound Brasil, na Chapada Diamantina, que me capacitou a realizar expedições autônomas. Hoje sou indigenista, moro na Amazônia, e me dedico à proteção das populações indígenas do Rio Negro, onde vivem cerca de 40.000 índios.
Como nasceu seu fascínio pelo rio São Francisco e de onde surgiu a ideia de viajar pelo rio?
O rio São Francisco sempre povoou os sonhos de meu imaginário, seja pelas suas lendas, seja pelas canções nordestinas que enaltecem suas belezas, seja pelos documentários que assisti a respeito de seus povos ribeirinhos e sua cultura regional. No final de 2008 decidi realizar uma expedição solo, autônoma e independente e escolhi a canoagem e o Rio São Francisco. Queria conhecer de perto essas histórias e descobrir, por minha conta, as belezas naturais e o encanto dessas águas que abrigam uma população de mais de 15 milhões de seres humanos, das mais diversas origens e etnias. Só no rio encontraria as respostas.
Porque a preferência por fazer a aventura de forma solitária em uma canoa a remo?
A canoagem a remo é um esporte que nasceu em minha juventude, por estímulo de meu pai, que era remador em sua juventude, e me levou a remar pequenos barcos (“catraias”) no rio Pardo, SP, onde conversávamos horas a fio a respeito de nossas vidas. Lá aprendi com ele as noções de ética, dignidade, respeito e humildade. Percebi, então, que a canoagem, além de ser um excelente esporte, também nos levava à reflexão. Sempre fui muito solitário, desde minha infância, e credito a isso minha paixão pelos livros e minha busca pelo autoconhecimento. Daí, a decisão pela canoa a remo foi uma consequência imediata.
O que você esperava conquistar com a aventura?
Na verdade, quando concebi a expedição, pensava na aventura de viajar sozinho durante meses, dependendo apenas de meus recursos e de minhas decisões, para percorrer os 2700 km desse rio. Queria conhecer, fotografar, conversar com as pessoas, ouvir suas estórias, falar sobre preservação ambiental e defender o Rio São Francisco que estava moribundo. Depois, ao longo do rio, minha percepção foi se modificando e percebi o imenso universo que se escondia nas margens desse rio e de seus afluentes. A primeira etapa foi de muito esforço físico, muitas exigências com relação às adversidades de um rio que desce a montanha através de inúmeras corredeiras, agravadas pelo frio do inverno. Em Três Marias decidi parar, reavaliar meus objetivos e buscar patrocínios, que meus recursos rapidamente se acabavam. Fiquei três meses tentando, sem êxito, obter apoio. Decidi, então, voltar ao Rio e completar minha viagem. Percebi que as motivações eram muito maiores e as questões muito mais complexas do que simplesmente vencer os desafios da Natureza e registrar essas realidades. Precisava me confundir com elas, vivê-las integralmente, oferecendo-me aos ribeirinhos para compreender seus dramas e tentar, de alguma forma, ajudá-los a superar suas imensas dificuldades. O restante da viagem foi uma verdadeira aventura de lutas contra a opressão que sofrem os quilombolas e indígenas, sem deixar de observar o lado belo e onírico desse rio fantástico e completamente brasileiro.
Porque você decidiu registrá-la em um blog?
Por que precisava me comunicar com as pessoas e percebi que o blog era o meio mais eficiente e cronológico de fazê-lo. Desde os primeiros momentos de planejamento da expedição registrei minhas impressões no blog. Meu compromisso era de não seguir uma linha editorial, mas deixar que os pensamentos, as reflexões e as manifestações de meu ser fossem registradas sem censura, apenas comprometidas com a realidade que passou a ser minha vida, durante um ano. O blog foi fundamental para o sucesso da expedição.
Como foi a receptividade do blog?
O blog foi um sucesso absoluto! Já tive mais de 30.000 visitantes. Mesmo hoje, tendo deixado de escrever, ainda tenho centenas de visitas por mês. Em 2009 ganhei o primeiro prêmio Top Blog na categoria SUSTENTABILIDADE pelo Juri Popular. Recebi centenas de manifestações escritas, seja por e-mail, seja em comentários nas publicações que fazia.
Quais foram as principais impressões que você extraiu dessa jornada e as cidades que mais chamaram sua atenção?
As impressões são muitas, desde a perplexidade diante da devastação da Natureza ao longo de seu curso, o descaso das autoridades, a paixão pelos ribeirinhos, minha identificação com a causa dos quilombolas, indígenas e assentados, o êxtase pela beleza incomparável das cenas que o rio proporciona em toda sua extensão, a tristeza de não poder fazer mais por ele. Conheci pessoas fantásticas, que me mostraram que o rio ainda é desconhecido dos brasileiros; percebi de perto sua arte única, passei por situações extremas e fui feliz. As cidades que mais marcaram minha expedição foram Iguatama, minha primeira parada, Três Marias, ponto de inflexão na jornada, Pirapora, São Romão, Itacarambi, Malhada, Bom Jesus da Lapa, Paratinga, Barra, Xique-Xique, Petrolina, Santa Maria da Boa Vista, Cabrobó, Paulo Afonso, Piranhas e Piaçabuçu, todas com muito envolvimento meu.
Você manteve contato com os moradores das regiões visitadas? Você acredita que eles já possuem uma conscientização política sobre a importância da preservação do meio ambiente?
Sim, mantive contatos com o povo e, a partir de Três Marias eu passei a entrar em mais cidades, falar com as pessoas, visitar quilombos, acampamentos de sem-terra, assentamentos, discuti com os movimentos populares e abracei suas causas, conheci lideranças e vivi seus dramas. No entanto, não creio que as populações do Rio São Francisco tenham plena consciência da situação do Meio Ambiente, pois cada região sabe de si mesma, não conhece o que está antes de si e não sabe do que vem depois; não tem a percepção de que até pequenas ações predadoras podem levar à extinção da fauna, da flora e do próprio sistema hídrico. Muitos pequenos afluentes já desapareceram e mesmo os grandes rios perdem água ano após ano. As administrações públicas pouco fazem para conscientizar suas populações de seu compromisso com o meio ambiente, o esgoto é jogado displicentemente no rio e em seus afluentes, as matas ciliares estão muito destruídas, e em alguns locais já desapareceram completamente, causando a queda de barrancos, o alargamento do rio e seu assoreamento. Já não podemos dizer que seja um rio navegável, pois as represas impedem sua travessia; apenas Sobradinho possui uma eclusa, mas poucos barcos se aventuram a cruzar suas águas. Ninguém se dá conta de que o rio foi fragmentado pelas barragens e isso afetou definitivamente o ciclo da vida em suas águas. Para que o rio sobreviva, seria necessário engajar sua população em campanhas de conscientização; fortes investimentos deveriam resgatar os afluentes e proteger as matas ciliares. Temo pela morte do rio, até porque, a nova versão do Código Florestal já não mais protege as áreas de preservação permanente, como são as margens do rio. O São Francisco chega a ter mais de um quilômetro de largura em seu leito natural e cerca de 3 km na sua foz; dentro de Sobradinho chega a 35 km de largura; no entanto, as matas ciliares, na maior parte de seu percurso, não passam de uns poucos metros, violentando a legislação, impunemente. Eu creio que uma nova geração de pessoas comprometidas com o Meio Ambiente poderia reverter esse quadro de desolação; mas seria preciso investir fortemente na educação ambiental, desde a pré-escola, em todas as escolas do país para, quem sabe um dia, se possa entender a imensidão de nossos paraísos ambientais, seja no rio São Francisco, seja na Amazônia, na Mata Atlântica, nos Cerrados e Caatingas. Infelizmente, ainda existem milhões de brasileiros que acreditam que os Cerrados devam ser destruídos para dar lugar às plantações de soja, cana-de-açúcar, e à criação de gado. Eles se esquecem que todo mundo precisa de ar e de água, e que, sem as riquezas naturais, esses recursos naturais chegarão, inexoravelmente, à extinção, que será, certamente, o desparecimento do próprio Homem na Terra. O Ser Humano é egoísta e mesquinho, e só pensa em seu bem-estar. Nem concebe que seus filhos, seus netos, seus descendentes serão privados de conviver com a imensidão de belezas que se escondem por detrás das matas, das montanhas, sob o mar...
Entrevista publicada no número 32 da Revista "CONTERRÂNEOS" do Banco do Nordeste do Brasil (BNB)