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quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Morte Anunciada: a tragédia do Velho Chico

A nascente do Velho Chico secou completamente, e sua vegetação desapareceu
Há mais de 10 anos fala-se sobre a morte do rio São Francisco. O bispo de Barra, na Bahia, Dom Frei Luiz Cappio, chegou a percorrer toda extensão do Velho Chico, alertando a população e as autoridades a respeito dos fatores que vinham destruindo, lentamente, as condições de sobrevivência do nosso grande "rio da integração nacional". Em duas ocasiões, Frei Cappio fez greve de fome contra a Transposição do rio, pretendida pelo Lula, ressuscitando um antigo projeto, ainda do tempo do Império, para levar as águas do Velho Chico para a Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, com promessas infundadas de que isso resolveria a seca do semiárido nordestino. 

Triste visão do rio São Francisco em Pirapora, Minas Gerais
Em 2004, Frei Cappio permaneceu em greve em uma capela próxima a Cabrobó, em Pernambuco, até que Lula prometesse rever o projeto e ouvir outras opiniões mais abalizadas de especialistas em Hidrologia, como Aldo da Cunha Rebouças, Aziz Ab'Saber e Milton Almeida dos Santos. A promessa foi quebrada e, com o início das obras em 2006, Frei Luiz Cappio entrou em nova greve de fome, desta vez na cidade de Sobradinho, na Bahia, às margens da represa, ficando 22 dias sem comer, e saindo de lá para um hospital, por determinação de seus amigos e seguidores.

Em 2009 percorri toda extensão do rio São Francisco, 2.700 km, remando sozinho desde sua nascente, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, até a sua foz, em Piaçabuçu, Alagoas, conhecendo a realidade do rio através de suas cidades e comunidades ribeirinhas. Passei 99 dias dentro das águas do Velho Chico, fiz palestras em todos os lugarejos e comunidades que visitei, alertando a população para os gravíssimos problemas que destruíam esse grande rio, como a poluição por agrotóxicos, resíduos industriais e esgotos domésticos sem tratamento, o desmatamento de suas margens e a destruição das nascentes de seus tributários, seja pelo desmatamento, ou pelo pisoteamento do gado, entre tantas outras causas de degradação.

Imagem da seca do rio São Francisco em Xique-Xique, na Bahia
Assim como Frei Luiz Cappio, minha voz também não foi ouvida. Nem sequer consegui publicar meu livro, que se encontra em meu site: "Expedição Velho Chico", que já teve quase 100.000 visitantes, mas nenhum editor. Vejo, às vezes, pessoas que passaram por algumas cidades do Velho Chico, e falam como se fossem especialistas em seu conhecimento, ganhando notoriedade gratuita nos meios de comunicação, e fico triste por não ter sido valorizado e reconhecido pela mídia, nem ter conseguido divulgar meu depoimento.

Agora, depois de tantas manifestações, o Velho Chico está, de fato, morrendo. Pela primeira vez em sua história, o rio São Francisco secou em sua nascente, e mostra sua terrível desolação em quase toda extensão de 2.700 quilômetros, a maior bacia hidrográfica brasileira, situada por inteiro em território nacional. É o rio mais importante do semiárido nordestino, única fonte de água doce perene em toda sua região de 640.000 quilômetros quadrados, do tamanho do estado da Bahia ou de Minas Gerais, maior do que a maioria dos países da Europa.

A maior seca da história do nordeste, prova definitiva das mudanças climáticas
Porém, não é apenas o rio São Francisco que está morrendo! Metade da Caatinga e do Cerrado brasileiros já foram transformados em latifúndios do agronegócio. Nesses dois biomas se encontra grande parte da flora medicinal do Brasil, que poderia ser uma importante fonte de recursos para o país, seja na possibilidade de geração de "royalties" para a indústria farmacêutica, seja pela utilização de medicamentos naturais, frutos da cultura popular regional.

A devastação de nossos biomas mais importantes está se acelerando, apesar das mentiras pregadas pelos políticos, que afirmam que o desmatamento estaria controlado. A Mata Atlântica já perdeu mais de 90% de toda sua riqueza natural, e a Amazônia, maior floresta tropical do mundo, segue no mesmo caminho, tendo perdido cerca de 25% de sua riquíssima flora e de sua fauna. E essa perda ocorre por várias causas: desmatamento para se transformar em pasto para o gado e em gigantescas plantações de soja, construção de hidrelétricas e estradas em plena selva, e assentamentos do INCRA.

A morte anunciada do rio São Francisco demonstra o descaso e o crime ambiental praticado pelo agronegócio e pelo governo federal, em sua infinita ambição de enriquecimento às custas de nossos incomparáveis recursos naturais. Essa tragédia anunciada será seguida de sucessivas novas tragédias nacionais, afetando o clima e as condições de sobrevivência de toda população brasileira, tanto pelo aquecimento dramático de nosso clima, como pela perda irreversível de nossos recursos hídricos, que ainda representam cerca de 12% de todas as fontes de água potável do mundo! É o maior crime ambiental, praticado por um único país, contra sua própria população. Uma estupidez!

Enquanto isso, o povo, iludido, ainda vota em massa em seus piores candidatos, perpetuando uma política colonialista que nos relegou um destino trágico e estúpido: de sermos os provedores de matérias primas e de produtos primários para um mundo em transformação e em processos de industrialização. Fornecemos carne de boi, soja, cana de açúcar, ferro, alumínio, em troca de produtos de alta tecnologia, como equipamentos eletrônicos.

Estamos chegando, rapidamente, no limite de resiliência (capacidade de recuperação) de nosso Meio Ambiente. Passado esse limite, o Brasil, gradualmente, se transformará em uma gigantesca savana seca e estéril. Regiões desérticas substituirão as florestas e as nossas gigantescas bacias hidrográficas. E até mesmo os ignorantes donos do agronegócio verão seus latifúndios se transformarem em terra seca e inútil para a lavoura.

Será esse o nosso destino final?

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O destino do planeta na Rio + 20


O que nos parece óbvio pode ser incompreensível para a maioria dos brasileiros, que não estão comprometidos com as questões ambientais: o planeta está em crise e o tempo para tomada de decisões poderá estar se esgotando. No entanto, os líderes mundiais também não se importam com o futuro, nem se sentem ameaçados por essa enorme transformação em curso, e o resultado final desse encontro que acontece no Rio de Janeiro poderá ser irrelevante para os destinos do planeta.

Muito se discute sobre os temas a serem abordados no documento final da Conferência; criou-se até um modelo de discussões baseado em três pilares: Economia, Sociedade e Meio Ambiente. Mas a questão fundamental não é acadêmica e muito menos se enquadra nos padrões de palestras empresariais, arenas em que as aparências têm mais importância do que os resultados almejados. Por isso, as conclusões da Rio + 20 poderão ser frustrantes! Já não se debate, como acontecia há 20 anos, se existe ou não um "aquecimento global" e se esse fenômeno está ou não relacionado com as ações humanas e com o modelo de produção e de consumo da sociedade contemporânea. Essa conclusão é óbvia e fundamentada em estudos, pesquisas e dados consistentes e irrefutáveis, ainda que as ações humanas não sejam as únicas a mudar o curso da História, ameaçando a vida na Terra.

Nas últimas quatro décadas, desde que surgiu a discussão sobre sustentabilidade e se iniciou a busca por novos modelos de produção, de consumo, e de reutilização de produtos descartados, as transformações sociais, políticas e econômicas foram profundas e impactantes para o Meio Ambiente. Em 1.972 a maioria dos países subdesenvolvidos estava imersa em violentas ditaduras militares e as grandes potências travavam disputas ideológicas entre o Capitalismo e o Comunismo. Desde então, essas ditaduras deixaram de causar vítimas inocentes, o Comunismo foi derrotado e o Capitalismo se tornou mais selvagem do que nunca, alimentando o excesso de consumo e o desperdício desenfreado.

Na sequência, crises sucessivas da Economia mundial evidenciaram a falência do modelo capitalista globalizado, e expuseram a falácia das antigas e desgastadas teses do Welfare State e do American Way of Life. A Europa imergiu na pior crise de sua história de pós-guerra, e os Estados Unidos conheceram a fragilidade de sua Economia, deixando metade da população mundial exposta à falência do modelo baseado no Império do Dollar como moeda internacional. Paralelamente às crises, a China cresceu e superou quase todas as economias mundiais, inclusive europeias e asiáticas, tornando-se a segunda potência econômica, somente atrás dos norte-americanos.

Tudo isso teve um custo insustentável para o Meio Ambiente: a exploração dos recursos naturais superou a capacidade da Natureza de repor seus estoques, até então considerados inesgotáveis e seguros. O Brasil, mais uma vez, escolheu o caminho errado e investiu pesado na exploração e comercialização de Commodities e de Matérias Primas (grãos e minérios). Essa escolha evidenciou-se trágica: em cerca de 40 anos os governos militares e os governos liberais que se seguiram destruíram metade do bioma Cerrado e 25% da Amazônia. Estados como o Mato Grosso, Rondônia e o Pará causaram mais de 50% de devastação na Floresta Amazônica, e a Mata Atlântica foi vítima da pior exploração imobiliária de sua história, fragmentando ainda mais o que restou da exploração colonialista da cana de açúcar, do algodão e do café, do início do século XVI ao final do século XIX.

Nossos recursos hídricos foram os mais desgastados por essa febre desenvolvimentista, seja pela construção de gigantescas hidrelétricas, como Itaipu, Sobradinho, Santo Antônio, Jirau, Belo Monte, Tucuruí, Ilha Solteira e Xingó, seja pela poluição dos cursos dágua por esgotos urbanos, contaminação por agrotóxicos e resíduos industriais e exploração descontrolada dos aquíferos subterrâneos, comprometendo definitivamente quase todas as bacias hidrográficas do país.

Os processos industriais não se preocuparam em otimizar recursos, mas em incentivar o desperdício, criando produtos descartáveis e bens pouco duráveis. Se, no passado, a indústria automobilística e eletro-eletrônica produziam bens para durar uma vida inteira, nos dias de hoje a vida útil desses bens não passa de cinco anos, quando muito. Quanto menos durar um produto, mais se consome: esse é o princípio que norteia a Nova Economia; e a sucata decorrente é descartada no Meio Ambiente, sem nenhuma preocupação com a reciclagem.

Pois é nesse contexto que se insere a discussão sobre o destino de nosso planeta. No entanto, grandes líderes mundiais estarão ausentes, como o presidente norte-americano, que não quer se indispor, em um ano eleitoral, com seus financiadores de campanha, e repete o comportamento irresponsável de seus antecessores. Essa ausência é emblemática, considerando-se que esse país é responsável por 25% da liberação de carbono na atmosfera, que causa o efeito estufa e o aquecimento global. No Brasil também, a posição do governo Dilma é dúbia, irresponsável e contraditória: de um lado, afirma, retoricamente, seu compromisso com o Meio Ambiente; de outro, afaga os criminosos ambientais, como mineradoras, pecuaristas e latifundiários da soja, dispensando-os, inclusive, das multas e da recomposição das áreas degradadas. Ninguém, em sã consciência, se arriscaria a afirmar que Dilma honrará seus compromissos com a preservação ambiental.

No Congresso, outra farsa se desenrola na CPI de Cachoeira (que nada tem a ver com a Natureza), para despistar os ambientalistas e deixar passar a comoção da Rio + 20, para depois trazer à tona a questão do Código Florestal (ou melhor, do Código Ruralista do Desflorestamento e da Impunidade dos Crimes Ambientais). As perdas para o Meio Ambiente, ainda que a proposta de Dilma fosse aprovada na íntegra, já representariam o pior retrocesso da legislação ambiental de nosso país, com perdas irreparáveis de áreas de preservação permanente degradadas, reservas legais devastadas e não recuperadas, invasões e "legalização"de terras públicas ocupadas pelos ruralistas, e ameaças e invasões de terras indígenas, inclusive as já demarcadas.

As piores previsões de cientistas alertam para o risco de um aumento de mais de 8º C na temperatura média da Amazônia antes do final do século, o que, de per si, já significaria o fim da Floresta e a maior desertificação do planeta em tempos modernos. O impacto desse desastre ecológico repercutirá em todo o território nacional, causando quebras definitivas na capacidade produtiva da agricultura e da pecuária nacional, e o consequente desastre econômico para um país que tem, na produção rural e na exploração de minérios, a base de sua Economia. Esse modelo é tão estúpido e insustentável quanto a exploração de petróleo. No entanto, apostamos no Pré-Sal  nossas expectativas de redenção...

É claro que o debate que se desenvolve na Rio + 20 tem um valor inestimável para a transformação do pensamento político brasileiro e mundial, e suas consequências irão, certamente, muito além desses poucos dias de discussões no âmago da Conferência. No entanto, é importante destacar que talvez não haja tempo hábil para uma mudança de consciência e de comportamento político e econômico para evitar a catástrofe que se anuncia. Quanto tempo nos resta para evitar as tragédias? Qual será o ponto de inflexão dessa curva, aquele em que, mesmo que se mudem as decisões, o resultado já terá sido irreversível para nosso país e para a Humanidade? Talvez a resposta para essas indagações seja a própria tragédia que se anuncia para o gênero humano...

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O início do fim das florestas brasileiras


Fonte: Greenpeace
Notícia - 25 - abr - 2012

Hoje a Câmara dos Deputados mostrou o que quer: o fim das florestas no Brasil. Por 274 votos a 184, com duas abstenções, foi aprovada hoje a proposta que desfigura o Código Florestal.

Esta árvore solitária já foi parte de uma floresta. A foto foi realizada em fevereiro passado, próximo a Santarém (PA). (© Daniel Beltrá/Greenpeace)

Hoje a Câmara dos Deputados mostrou o que quer: o fim das florestas no Brasil. Por 274 votos a 184, com duas abstenções, foi aprovada hoje a proposta que desfigura o Código Florestal, escrita pelo deputado ruralista Paulo Piau (PMDB-MG) sobre o texto aprovado pelo Senado, segue agora para sanção da presidente, Dilma Rousseff. Se ela não se mexer, e vetar o texto, esse futuro será seu legado.

O texto aprovado dá anistia total e irrestrita a quem desmatou demais – mesmo aqueles que deveriam e têm capacidade de recuperar matas ao longo de rios, por exemplo – e ainda dá brecha para que mais desmatamentos ocorram no país. Ele é resultado de um processo que alijou a sociedade, e vai contra o que o próprio governo desejava. Com isso, avanços ambientais conquistados ao longo de décadas foram por água abaixo.

“Acabamos de assistir ao sequestro do Congresso pelos ruralistas. Pateticamente, a presidenta que tinha a maior base de apoio parlamentar na história recente deste país, foi derrotada por 274 votos de uma malta de ruralistas que se infiltrou e contaminou o tecido democrático brasileiro como um câncer”, diz Paulo Adario, diretor da campanha da Amazônia do Greenpeace. “Desde o início do processo, o Brasil esteve refém dos interesses do setor, que fez de tudo para incorporar suas demandas ao projeto de lei. A população, que se mostrou contrária à anistia aos desmatadores e a brechas que permitem mais devastação, foi o tempo inteiro ignorada”.

Há mais de uma década os ruralistas tentam acabar com o Código Florestal. Finalmente conseguiram uma brecha, alimentada pela indiferença de um governo que não dá a mínima para o ambiente e a saúde da população. O resultado é um texto escrito por e para ruralistas, que transforma a lei ambiental em uma lei de ocupação da terra.

“Enquanto o Congresso demonstra claramente que se divorciou de vez da opinião pública que deveria representar – e que em sua imensa maioria se opõe ao texto do código ruralista – resta à Dilma uma única alternativa. Ela tem de demonstrar aos brasileiros que está à altura do cargo que ocupa – e que ganhou ao prometer aos eleitores que não iria permitir anistia a criminosos ambientais nem novos desmatamentos”, afirma Adario. “Caso contrário, o governo vai dar provas de que é subjugado pelos ruralistas, ao sofrer mais essa derrota.”

Os brasileiros têm uma oportunidade de mostrar que não querem ver a motosserra roncar. A melhor resposta a essa reforma do Código Florestal é assinar o projeto de lei popular pelo desmatamento zero, que o Greenpeace e outras organizações encampam. Basta entrar em www.ligadasflorestas.org.br e participar.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Do Código Florestal para o Código da Biodiversidade


Exposição de Aziz Ab'Saber no Fórum Agenda21
Em face do gigantismo do território e da situação real em que se encontram os seus macro biomas – Amazônia Brasileira, Brasil Tropical Atlântico, Cerrados do Brasil Central, Planalto das Araucárias, e Pradarias Mistas do Brasil Subtropical – e de seus numerosos mini-biomas, faixas de transição e relictos de ecossistemas, qualquer tentativa de mudança no “Código Florestal” tem que ser conduzido por pessoas competentes e bio-eticamente sensíveis.


Pressionar por uma liberação ampla dos processos de desmatamento significa desconhecer a progressividade de cenários bióticos, a diferentes espaços de tempo futuro, favorecendo de modo simplório e ignorante os desejos patrimoniais de classes sociais que só pensam em seus interesses pessoais, no contexto de um país dotado de grandes desigualdades sociais. Cidadãos de classe social privilegiada, que nada entendem de previsão de impactos. Não tem qualquer ética com a natureza. Não buscam encontrar modelos técnico-cientificos adequados para a recuperação de áreas degradadas, seja na Amazônia, , seja no Brasil Tropical Atlântico, ou alhures. Pessoas para as quais exigir a adoção de atividades agrárias “ecologicamente auto-sustentadas” é uma mania de cientistas irrealistas.

Por muitas razoes, se houvesse um movimento para aprimorar o atual Código Florestal, teria que envolver o sentido mais amplo de um Código de Biodiversidades, levando em conta o complexo mosaico vegetacional de nosso território. Remetemos essa idéia para Brasília, e recebemos em resposta que essa era uma idéia boa mas complexa e inoportuna (...). Entrementes, agora outras personalidades trabalham por mudanças estapafúrdias e arrasadoras no chamado Código Florestal. Razão pela qual ousamos criticar aqueles que insistem em argumentos genéricos e perigosos para o futuro do país. Sendo necessário, mais do que nunca, evitar que gente de outras terras sobretudo de países hegemônicos venha a dizer que fica comprovado que o Brasil não tem competência para dirigir a Amazônia (...). Ou seja, os revisores do atual Código Florestal não teriam competência para dirigir o seu todo territorial do Brasil. Que tristeza, gente minha.

O primeiro grande erro dos que no momento lideram a revisão do Código Florestal brasileiro – a favor de classes sociais privilegiadas – diz respeito à chamada estadualização dos fatos ecológicos de seu território especifico. Sem lembrar que as delicadíssimas questões referentes à progressividade do desmatamento exigem ações conjuntas dos órgãos federais específicos, em conjunto com órgãos estaduais similares, uma Policia Federal rural, e o Exercito Brasileiro. Tudo conectado ainda com autoridades municipais, que tem muito a aprender com um Código novo que envolve todos os macro-biomas do pais, e os mini-biomas que os pontilham, com especial atenção para as faixas litorâneas, faixas de contato entre as áreas nucleares de cada domínio morfoclimatico e fitogeográfico do território. Para pessoas inteligentes, capazes de prever impactos, a diferentes tempos do futuro, fica claro que ao invés da “estadualização”, é absolutamente necessário focar para o zoneamento físico e ecológico de todos os domínios de natureza dos pais. A saber, as duas principais faixas de Florestas Tropicais Brasileiras: a zonal amazônica e a azonal das matas atlânticas o domínio dos cerrados, cerradoes e campestres: a complexa região semi-árida dos sertões nordestinos: os planaltos de araucárias e as pradarias mistas do Rio Grande do Sul, alem de nosso litoral e o Pantanal Mato-grossense.

Seria preciso lembrar ao "honrado" relator Aldo Rebelo, que a meu ver é bastante neófito em matéria de questões ecológicas, espaciais e em futurologia – que atualmente na Amazônia Brasileira predomina um verdadeiro exercito paralelo de fazendeiros que em sua área de atuação tem mais força do que governadores e prefeitos. O que se viu em Marabá, com a passagem das tropas de fazendeiros, passando pela Avenida da Transamazônica, deveria ser conhecido pelos congressistas de Brasília, e diferentes membros do executivo. De cada uma das fazendas regionais passava um grupo de cinqüenta a sessenta camaradas, tendo a frente em cavalos nobres, o dono da fazenda e sua esposa, e os filhos em cavalos lindos. E,os grupos iam passando separados entre si, por alguns minutos. E , alguém a pé, como se fosse um comandante, controlava a passagem da cavalgada dos fazendeiros. Ninguém da boa e importante cidade de Marabá saiu para observar a coluna amedrontadora dos fazendeiros. Somente dois bicicletistas meninos, deixaram as bicicletas na beira da calçada olhando silentes a passagem das tropas. Nenhum jornal do Pará, ou alhures, noticiou a ocorrência amedrontadora. Alguns de nós não pudemos atravessar a ponte para participar de um evento cultural.

Será certamente, apoiados por fatos como esse, que alguns proprietários de terras amazônicas deram sua mensagem, nos termos de que “a propriedade é minha e eu faço com ela o que eu quiser, como quiser e quando quiser”. Mas ninguém esclarece como conquistaram seus imensos espaços inicialmente florestados. Sendo que, alguns outros, vivendo em diferentes áreas do cetro-sul brasileiro, quando perguntados sobre como enriqueceram tanto, esclarecem que foi com os “seus negócios na Amazônia” (...). Ou sejam, através de loteamentos ilegais, venda de glebas para incautos em locais de difícil acesso, os quais ao fim de um certo tempo, são libertados para madeireiros contumazes. E o fato mais infeliz é que ninguém procura novos conhecimentos para re-utilizar terras degradadas. Ou exigir dos governantes tecnologias adequadas para revitalizar os solos que perderam nutrientes e argilas, tornando-se dominadas por areias finas (siltizaçao).

Entre os muitos aspectos caóticos, derivados de alguns argumentos dos revisores do Código, destaca-se a frase que diz que se deve proteger a vegetação até sete metros e meio do rio. Uma redução de um fato que por si já estava muito errado, porém agora esta reduzido genericamente a quase nada em relação aos grandes rios do pais. Imagine-se que para o rio Amazonas, a exigência protetora fosse apenas sete metros, enquanto para a grande maioria dos ribeirões e córregos também fosse aplicada a mesma exigência. Trata-se de desconhecimento entristecedor sobre a ordem de grandeza das redes hidrográficas do território intertropical brasileiro. Na linguagem amazônica tradicional, o próprio povo já reconheceu fatos referentes à tipologia dos rios regionais. Para eles, ali existem, em ordem crescente: igarapés, riozinhos, rios e parás. Uma última divisão lógica e pragmática, que é aceita por todos os que conhecem a realidade da rede fluvial amazônica.

Por desconhecer tais fatos os relatores da revisão aplicam o espaço de sete metros da beira de todos os cursos d’água fluviais sem mesmo ter ido lá para conhecer o fantástico mosaico de rios do território regional.

Mas o pior é que as novas exigências do Código Florestal proposto têm um caráter de liberação excessiva e abusiva. Fala-se em sete metros e meio das florestas beiradeiras (ripario-biomas)  e, depois, em preservação da vegetação de eventuais e distantes cimeiras, não podendo imaginar quanto espaço fica liberado para qualquer tipo de ocupação do espaço. Lamentável em termos de planejamento regional, de espaços rurais e silvestres. Lamentável em termos de generalizações forçadas por grupos de interesse (ruralistas) .

Já se poderia prever que um dia os interessados em terras amazônicas iriam pressionar de novo pela modificação do percentual a ser preservado em cada uma das propriedades de terras na Amazônia. O argumento simplista merece uma critica decisiva e radical. Para eles, se em regiões do centro-sul brasileiro a taxa de proteção interna da vegetação florestal é de 20%, porque na Amazônia a lei exige 80%? Mas ninguém tem a coragem de analisar o que aconteceu nos espaços ecológicos de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, e Minas Gerais com o percentual de 20%. Nos planaltos interiores de São Paulo a somatória dos desmatamentos atingiu cenários de generalizada derruição. Nessas importantes áreas, dominadas por florestas e redutos de cerrados e campestres, somente o tombamento integrado da Serra do Mar, envolvendo as matas atlânticas, os solos e as aguadas da notável escarpa, foi capaz de resguardar os ecossistemas orográficos da acidentada região. O restante, nos “mares de morros”, colinas e várzeas do Médio Paraíba e do Planalto Paulistano, e pró-parte da Serra da Mantiqueira, sofreram uma derruição deplorável. É o que alguém no Brasil – falando de gente inteligente e bioética – não quer que se repita na Amazônia Brasileira, em um espaço de 4.200.000 km².

Os relatores do Código Florestal, falam que as áreas muito desmatadas e degradadas poderiam ficar sujeitas a “(re) florestamento” por espécies homogêneas pensando em eucalipto e pinus. Uma prova de sua grande ignorância, pois não sabem a menor diferença entre reflorestamento e florestramento. Esse último, pretendido por eles, é um fato exclusivamente de interesse econômico empresarial, que infelizmente não pretende preservar biodiversidades. Sendo que eles procuram desconhecer que para áreas muito degradadas, foi feito um plano de (re) organização dos espaços remanescentes, sob o enfoque de revigorar a economia de pequenos e médios proprietários: Projeto FLORAM. Os eucaliptologos perdem éticos quando alugam espaços por trinta anos, de incautos proprietários, preferindo áreas dotadas ainda de solos tropicais férteis, do tipo dos oxissolos, e evitando as áreas degradadas de morros pelados reduzidas a trilhas de pisoteio, hipsométricas, semelhantes ao protótipo existente no Planalto do Alto Paraíba, em São Paulo. Ao arrendar terras de bisonhos proprietários, para uso em 30 anos, e sabendo que os donos da terra podem morrer quando se completar o prazo, fato que cria um grande problema judicial para os herdeiros, sendo que, ao fim de uma negociação, as empresas cortam todas as árvores de eucaliptos ou pinos, deixando miríades de troncos no chão do espaço terrestre. Um cenário que impede a posterior reutilização das terras para atividades agrárias. Tudo isso deveria ser conhecido por aqueles que defendem ferozmente um Código Florestal liberalizante.

Por todas as razões somos obrigados a criticar a persistente e repetitiva argumentação do deputado Aldo Rebelo,que conhecemos ha muito tempo, e de quem sempre esperávamos o melhor, no momento somos obrigados a lembrar a ele que cada um de nós tem que pensar na sua biografia e , sendo político, tem que honrar a historia de seus partidos. Mormente,em relação aos partidos que se dizem de esquerda e jamais poderiam fazer projetos totalmente dirigidos para os interesses pessoais de latifundiários.
Insistimos que em qualquer revisão do Código Florestal vigente, deve-se enfocar as diretrizes através das grandes regiões naturais do Brasil, sobretudo domínios de natureza muito diferentes entre si, tais como a Amazônia, e suas extensíssimas florestas tropicais, e o Nordeste Seco, com seus diferentes tipos de caatingas. Tratam-se de duas regiões opósitas em relação à fisionomia e à ecologia, assim como em face das suas condições socioambientais. Ao tomar partido pelos grandes domínios administrados técnica e cientificamente por órgãos do executivo federal, teríamos que conectar instituições específicas do governo brasileiro com instituições estaduais similares. Existem regiões como a Amazônia que envolve conexões com nove estados do Norte Brasileiro. Em relação ao Brasil Tropical Atlântico os órgãos do Governo Federal – IBAMA, IPHAN, FUNAI e INCRA – teriam que manter conexões com os diversos setores similares dos governos estaduais de norte a sul do Brasil. E assim por diante. 

Enquanto o mundo inteiro repugna para a diminuição radical de emissão de CO2, o projeto de reforma proposto na Câmara Federal de revisão do Código Florestal defende um processo que significará uma onda de desmatamento e emissões incontroláveis de gás carbônico, fato observado por muitos críticos em diversos trabalhos e entrevistas.


Parece ser muito difícil para pessoas não iniciadas em cenários cartográficos perceber os efeitos de um desmatamento na Amazônia de até 80% das propriedades rurais silvestres. Em qualquer espaço do território amazônico, que vem sendo estabelecidas glebas com desmate de até 80%,haverá um mosaico caótico de áreas desmatadas e faixas inter-propriedades estreitas e mal preservadas. Nesse caso, as bordas dos restos de florestas, inter-glebas ficarao à mercê de corte de arvores dotadas de madeiras nobres. E além disso, a biodiversidade animal certamente será profundamente afetada.

Seria necessário que os pretensos reformuladores do Código Florestal lançassem sobre o papel os limites de glebas de 500 a milhares de quilômetros quadrados, e dentro de cada parcela das glebas colocasse indicações de 20% correspondente às florestas ditas preservadas. E, observando o resultado desse mapeamento simulado, poderiam perceber que o caminho da devastação lenta e progressiva iria criar alguns quadros de devastação similares ao que já aconteceu nos confins das longas estradas e seus ramais, em áreas de quarteirões implantados para venda de lotes de 50 a 100 hectares, onde o arrasamento de florestas no interior de cada quarteirão foi total e inconseqüente.

Aziz Nacib Ab’Sáber
São Paulo, 16 de junho de 2010

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