quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

CPT BAHIA OUVE O GRITO DO CERRADO

Carta Do Conselho Regional Da CPT Bahia em Correntina - BA


A CPT Bahia partilha o que viu e sentiu durante o Conselho Regional, em Correntina, no Cerrado baiano, hóspede da equipe da CPT Centro-Oeste e da igreja local (diocese de Bom Jesus da Lapa). Junto com os camponeses e camponesas e representantes dos movimentos e entidades sociais, éramos 42 pessoas, entre encantadas e preocupadas com aquele lugar.

No Cerrado de Correntina, nos deparamos com uma realidade conflitiva e chocante. Um poder, cego e tenebroso, vem há decênios corporificando-se no Oeste Baiano. Atrás da propaganda de “desenvolvimento” trazido pelo agronegócio de exportação, está sendo demolido um bioma – o mais antigo e fundamental – e se oculta um crime que se perpetua: a usurpação das terras públicas, a grilagem, o desmatamento, a morte dos rios e das nascentes, a degradação dos solos, a contaminação por agrotóxicos, a superexploração do trabalho e o trabalho escravo, o desmantelamento das comunidades tradicionais, a desagregação social – a extinção da vida.

Estas realidades, sem nenhum exagero, apresentam o triste espetáculo de uma chaga exposta, sangrando. Ela é mais preocupante e dolorida pela consciência de que o Cerrado brasileiro, e o Oeste baiano nele, concentram em si o “santuário sagrado das águas”. Daqui – uma grande caixa d’água natural – a água se derrama em vida, por inúmeros veios “correntes”, na direção do nascer do sol, para o rio São Francisco e o Oceano. Com a destruição do Cerrado todos eles estão ameaçados de morte, alguns já foram extintos.

Com uma programação intensa, os participantes do Conselho, na manhã do dia 29 de novembro, pudemos ver com os nossos olhos e nos indignar com as seguintes situações:

• Em 1945, terceiros adquiriram, não se sabe como, 40 hectares de terra, na localidade de Itamarana, em Correntina. Por força de uma retificação de área, homologada por um juiz de Santa Maria da Vitória, em 1987, esses 40 se transformaram em 217 mil hectares. Além de mudar o local do imóvel em mais de 150 km, três erros elementares foram acintosamente cometidos: não foram ouvidos, como manda a lei, o Ministério Público e os limitantes, nem o órgão de terras do Estado foi consultado. Um caso clássico e escancarado da velha grilagem de terras públicas. Para piorar, foi cercada a comunidade geraizeira do Couro de Porco, formada por posseiros que ali habitam desde tempos imemoriais. O “empresário” é o Sr. Nelson Tricanato, que nesta área implantou 11 mil hectares de mandioca para etanol. Entretanto, diz ele publicamente “que não se importa muito com as batatas”.

• Durante a visita, pudemos com facilidade associar o agronegócio à lavagem de dinheiro público, algo que foi amplamente divulgado durante o escândalo do “mensalão”. Três dias depois da visita, o Sr. Marcos Valério foi preso em BH, em razão de crimes de “agrobanditismo” praticados na região.

• Numa relação de causa e efeito, à instalação do agronegócio segue uma mortandade, em série, de nascentes, riachos e rios. Vimos com os nossos olhos: o braço de rio, afluente do rio Correntina, na área da REBRAS (Reflorestadora Brasil SA), totalmente exterminado.

• Para dar suporte à expansão do agronegócio, primeiro se constrói um posto de gasolina, em torno dele empresas vão se acomodando, depois se pleiteia a criação de um município ali. Primeiro foi o posto Mimoso do Oeste, que virou o município de Luiz Eduardo Magalhães, hoje com 60 mil habitantes. Na mesma direção projetam-se novas cidades no Oeste baiano: Alto Paraíso, Novo Paraná, Placas, Panambi, Nova Roda Velha, Posto Rosário, Vereda do Oeste, Cidade Trevoso... Para concluir, o agronegócio pretende transformar o Oeste baiano em “Estado do São Francisco”.

• O Estado joga neste processo papel decisivo: atrai, financia, cria infra-estrutura (rodovia, ferrovia, porto, energia etc.), facilita a grilagem e flexibiliza a legislação ambiental.

• Tudo isto, porém, não resulta em benefício para o povo do lugar. Pesquisa da Universidade Estadual da Bahia – UNEB constatou um “falso eldorado” na Região Oeste: a riqueza cresceu 245,6%, entre 1991 e 2000, mas 71,78% dos 800 mil habitantes têm renda inferior a meio salário mínimo (jornal A Tarde, 29/07/04). O município de São Desidério tem a maior renda agrícola do País e uma das piores distribuições de renda. A riqueza produzida na região não fica nela, vai para fora, de onde vem a quase totalidade dos empresários.

• O povo do Oeste baiano, porém, não se conforma. Têm comunidades geraizeiras tendo que brigar por seus territórios da Serra Geral do Tocantins ao Grande Sertão Veredas (MG), da Muriçoca em Barreiras aos Brejos da Barra, da sede da Empresa REBRAS às Cachoeiras do Formoso, do Salto ao Jacurutu... O caso da comunidade do Salto é dos mais absurdos. Como não questionar a ocupação de sem-terras liderados pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia – FETAG-BA no território desta comunidade tradicional, existente há pelo menos 200 anos? Em meio a tantos latifúndios e terras griladas, justo esta comunidade foi visada?

À luz do Espírito de Javé que, como nos contam as primeiras palavras da Bíblia, “pairava sobre as águas” (Genesis 1,2), afirmamos que sobre o que vimos em Correntina não podemos nos calar e pactuar. Como Pastoral da Terra, não nos é permitido perder a lucidez evangélica. O “êxodo” – saída e travessia – para qual convidamos movimentos sociais, comunidades, igrejas, é conhecer, não aceitar e resistir a esta realidade fechada em morte, sem minimizar desafios e complexidades nela inerentes.

Neste final de 2011, luzes clarearam perspectivas do serviço pastoral da CPT na Bahia. Em Correntina, como na memória dos 35 anos da CPT celebrados em Juazeiro, dez dias antes, os camponeses e camponesas e as realidades que ecoavam por eles, nos disseram que o serviço da Pastoral da Terra continua irrenunciável e urgente. E este serviço, hoje, deve cuidar cotidianamente para desconstruir o “canto das sereias” do capitalismo que seduz, coopta, desvirtua e corrompe. Nossa crônica fragilidade de recursos financeiros não deve nos preocupar mais do que a tentação de largar a coerência evangélica. Num diálogo humilde e firme, devemos buscar apoio para uma “Co-Missão Pastoral da Terra” que se sinta organicamente enviada com interesse e apoio pelas igrejas, servindo aos pobres da terra e a seus movimentos e lutas por acesso a terra e posse de seus territórios. Assim beneficiando também a toda a sociedade com a produção de alimentos saudáveis e a defesa dos bens comuns da terra.

A celebração dos 35 anos da CPT em Juazeiro e este Conselho Regional em Correntina marcam a conclusão de um ano e se transformam em pedras angulares para o futuro da CPT Bahia. Nisto nos sentimos unidos a tantos quantos nos outros biomas nacionais se mantêm na defesa dos povos dos campos, matas e rios que ainda restam e precisam viver.

Das comunidades de Areia Grande, em Casa Nova, e Salto, em Correntina, sentimos que os pobres nos encorajam com sua silenciosa resistência e iniciativas, a permanecermos com eles, na firmeza de quem existe, persiste e insiste fazendo pulsar tradição, cultura, religião, autonomia, solidariedade e ecologia, a despeito de sofrimentos, a partir da história e das etnias, com seus mártires.

Nesta travessia, ressoam com sentido de força sagrada, direção, compromisso e esperança, as palavras que o povo proclama no Natal: “Já raiou a barra do dia, por detrás da escuridão! Mais que o sol brilha Jesus Cristo, dentro no nosso coração!” (Canto dos romeiros e romeiras no Natal).

Conselho Regional da CPT BahiaCorrentina - BA, dezembro de 2011.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Adeus a Iguatama... lembranças de minha expedição...

Adeus a Iguatama... passei por lá no início de minha jornada. Hoje, 20 de dezembro, eu encerrava a expedição e retornava de Aracaju para Brasília... Muitas de minhas expectativas não se realizaram, como a de publicar meu livro impresso. No entanto, creio ter deixado minha mensagem para aqueles que acessaram meu blog durante mais de dois anos, deixando seus comentários, me incentivando na viagem, apoiando minhas iniciativas. Se mais não fiz foi porque não consegui apoios e patrocínios suficientes, e também porque não interessa aos políticos uma visão contestatória das tristes realidades de nosso Velho Chico. Fica aqui meu depoimento, certo de que dei de mim o melhor e não me omiti diante de tamanhos e gravíssimos problemas. Que nos ouçam aqueles que têm o poder de realizar mudanças...


Foto de Closé Limongi (www.circuitodasgerais.com.br)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O dia em que Lula não foi a Cabrobó

Autor: Ruben Siqueira*

Capela onde D. Frei Luiz Cappio jejuou em 2003, Cabrobó, PE
Sábado, 1º de outubro, chegamos lá pelas 10 horas da manhã, em romaria a pé, vindos do centro da pequena Cabrobó, “Capital da Cebola” no sub-médio São Francisco. No trajeto pela cidade, a sensação de estranheza das pessoas, provavelmente a mesma frente ao bispo Frei Luiz e sua greve de fome em defesa do rio. Contra ou a favor, o país finalmente mobilizado está tendo que responder. Éramos 36 pessoas, vindos do encontro anual de formação das CPTs (Comissão Pastoral da Terra) do Nordeste. Decidimos trocar a tarde de lazer cultural em Garanhuns-PE, pela caminhada, em jejum, de solidariedade a Frei Luiz e sua causa.


Já era grande a aglomeração de gente em torno da pequena capela, numa colina entre a BR 232 e a margem esquerda do rio São Francisco, distante uns 150 metros. Todos se voltaram para nos acolher, com salva de palmas. Cantávamos a canção composta pelo f rei, com refrão inspirado em Guimarães Rosa: “Meu rio de São Francisco, nesta grande turvação, vim te dar um gole d’água e pedir sua benção”. O canto é uma espécie de hino entoado em todo o Vale, desde a peregrinação que D. Luiz e mais três companheiros fizeram, da nascente à foz, entre 1993 e 94 – um marco da história ribeirinha, que tornou o frei nacionalmente conhecido.


Trazíamos para presenteá-lo uma vela daquelas que queimam 21 dias, nela afixada uma foto do Padre Ibiapina, alusiva aos 200 anos de nascimento daquele que foi o inaugurador da Igreja voltada para os pobres no Nordeste; atrás da foto a frase dele: “Morrer com os pobres e famintos, e não vê-los morrer a sede e a fome.”. Outro presente era uma quartinha (moringa) com água da região setentrional do Nordeste...


Lá estava o povo. Índios Tumbalalá e Truká com suas vestes de palha e seus maracás. Uma mulher vestida com o hábito franciscano, comum nos locais de romaria do Nordeste. Freiras de hábito e sem hábito. Um senhor queria que o frei ajudasse a resolver a questão da imagem da santa que ainda falta na capela de seu povoado. Alguns buscavam confessar-lhe os pecados. Uma família trazia uma menina doente para D. Luiz abençoar e, quem sabe, curar... Gente chegando o tempo todo, e ele pacientemente atendendo a todos. O repórter da Folha de São Paulo senta ao lado de uma velha e tanto faz sua entrevista como ouve explicações ao povo sobre o rio.


Muitos políticos, a maioria da pior espécie. Afora a senadora alagoana Heloisa Helena e o deputado baiano do PV Edson Duarte, pestilência... Um, ao se aproximar do frei para abraçá-lo, estava mais preocupado com o ângulo para o fotógrafo que o acompanhava. Pouco antes de começar a celebração, chegam o senador ACM, o governador baiano Paulo Souto e cupinchas. À noite seu abraço ao bispo vai pro Brasil pelo Jornal Nacional... Há quem não tem dúvidas sobre como agir...


Com eles, a diretoria do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco. A greve de fome interessa também a eles, pois estão com seus projetos para o São Francisco preteridos pelo da transposição.


Como disse uma vez um jornal pernambucano: “Eles têm suas próprias transposições”.
Em meio ao tumulto, parentes e amigos de D. Luiz tentam pôr ordem na situação e preservá-lo dos muitos e variados assédios. Enquanto os políticos barulhentos saem pela porta lateral da capela, em frente o frei tenta dar início à missa. O emissário de Lula, Selvino Heck, tem que assisti-la para depois entregar-lhe a carta enviada pelo presidente. Há quem se surpreenda que ele, ex-franciscano, saiba os cantos e orações da missa... O povo reza, compungido. Lágrimas em alguns momentos... E até quem não é dado a rezas se envolve e se enternece.


Ao final da missa, é lida a carta de D. Luiz endereçada aos nordestinos do Setentrional, explicando as razões de sua greve de fome, que não é contra o direito deles à água, mas por soluções verdadeiras para o problema, além da defesa do São Francisco. Afirma que o projeto é mentiroso e que os pobres pagarão pelo benefício dos ricos empresários, como sempre no Nordeste. E que a solução é a convivência com o semi-árido. “Não estivesse o Rio São Francisco à beira da morte e suas águas fossem a melhor solução para a sede de vocês, eu não me oporia e lutaria com vocês por isso”, diz a carta.


Finda a missa, D. Luiz se reúne com o emissário de Lula e mais cinco pessoas de sua confiança: D. Itamar Vian, arcebispo de Feira de Santana, representante da CNBB, Dra. Luciana Khoury, do Ministério Público da Bahia / Projeto São Francisco, Dr. Luiz Roberto Cappio, Juiz de Direito, sobrinho do frei, Adriano Martins, sociólogo, companheiro da peregrinação, e eu.


A carta do presidente é decepcionante. Longa, mistura sentimentalismo e argumentação técnica a favor da transposição. Nenhuma sensibilidade e nenhum gesto concreto de recuo quanto ao projeto, algo que desse substância à sua proposta de diálogo. Ouvida a opinião de cada um, o frei tomou papel e caneta e, em pouco tempo, apresentou os termos de sua resposta praticamente pronta. Agradecia, reforçava os esforços pela revitalização do rio e comunicava a decisão de continuar a greve de fome, nos mesmos termos da primeira carta.
Discutiu-se, então, a sugestão de um dos presentes de amenizar as condições para o fim da greve de fome: aceitar a suspensão em vez da revogação e do arquivamento do projeto de transposição.


Concluiu D. Luiz pela manutenção de como estava, acrescentando a expressão “atual projeto” e a abertura para um “amplo diálogo e debate nacional, verdadeiro e transparente, discutindo
alternativas de convivência com o semi-árido e a oportunidade ou não de realizar a transposição”.


O emissário ainda tentou em vão se contrapor, sem muita convicção e sem argumentos. Dizia: “O governo é o governo”, refletindo a visão descolada da sociedade, já tantas vezes demonstrada pelos atuais do Planalto. Aliás, o governo reagiu apenas ao 6º dia e porque a CNBB deu apoio e solidariedade ao bispo. E aparenta não ter completa compreensão de todos os elementos em jogo na situação. Não quer ceder, mas não sabe o que nem como fazer, com medo de criar um mártir para a causa... Não parece entender que aí pode estar em risco o próprio projeto de transposição e sua própria reeleição. Está em jogo algo que o núcleo duro do governo parece ignorar – o poder místico da alma popular acionado. O mesmo povo que apóia o presidente que fugiu da seca e teve de “beber água de enxurrada”, provavelmente vai condenar o presidente que deixa morrer um bispo defensor de uma causa justa e nobre... Amaldiçoados, governo e projeto estariam com os dias contados.


Ao contrário do governo, Frei Luiz impressiona pela simplicidade, lucidez e firmeza. Parece viver um num outro patamar, onde as coisas têm mais sentido. Não se volta indiferente de Cabrobó.


Aquela colina com a capela, à beira do Velho Chico, o mais brasileiro dos rios, a figura frágil e
iluminada do bispo está a oferecer à gente e ao país uma chance de reencontro conosco mesmos e com o melhor de nós. Talvez, fique tarde demais para Lula ir a Cabrabó...


* Sociólogo, coordenador da CPT / Projeto São Fancisco.

Boca Ferina: A sujeira está feita: aprovaram o estupro do Códig...

Pois é... como era esperado, o Senado aprovou, por ampla maioria, o estupro de nossa principal legislação de proteção ambiental, ignorando a voz do povo que os escolheu! Lembrem-se disso na hora de votar: não existem representantes populares em nossa casa legislativa, o que confirma o que tenho dito à exaustão sobre as mentiras do "regime democrático"! Eles, os parlamentares, escutam o tilintar forte das moedas caindo dentro de seus bolsos, encantam-se com o canto das sereias da corrupção e dos interesses menores da Nação! Esquecem-se que sua existência como seres políticos só se justifica pelo respeito aos valores éticos e morais da sociedade, e pelo atendimento às expectativas de seu eleitorado e do povo brasileiro.

Agora não há esperanças, pois a ministra do "Meio Ambiente" e a própria presidente Dilma já demonstraram sua adesão às teses desenvolvimentistas (a qualquer preço), quando apoiaram a construção de grandes hidrelétricas na região amazônica. Todos os abaixo-assinados, rubricados por milhões de brasileiros, de nada adiantaram; pisaram na Constituição e jogaram-na no lixo da História, quando admitiram atender ao interesse de poucos em detrimento dos anseios de nossa Nação. Já não havia nenhuma esperança desde que o resultado da última eleição majoritária foi declarado, dando a vitória para Dilma Rousseff, ex-ministra da poderosa pasta da Casa Civil e eminência parda do governo Lula, que também rompeu com seus "companheiros" de luta democrática e aderiu ao jogo fácil do poder econômico.

Mas o que há de errado neste novo código florestal? O que de tão importante foi perdido? Não é difícil explicar; basta ouvir a ladainha dos próprios defensores dessa aberração legal, que se compreenderá o alcance dos estragos que virão por aí. Em primeiro lugar, foi uma decisão política sobre um tema técnico e científico, que é a proteção de nossa biodiversidade. De todas as manifestações contrárias às mudanças propostas e, agora, aprovadas, as que se destacam são aquelas de nossa comunidade científica, seja através das instituições que representam, seja pelo peso de seus nomes no trato com o meio ambiente. Embora o Código Florestal tenha sido concebido no fim do Estado Novo da ditadura Vargas, ele continha os principais reclames dos especialistas em florestas, em biodiversidade e em hidrologia da época. As especificações técnicas, como a largura da faixa de matas ciliares em conformidade com a largura dos rios, ou a preservação de mananciais hídricos, e a definição de conceitos sobre áreas de preservação permanente continuam, todas elas atualíssimas.

Além da questão técnico-científica, existe a questão ética do perdão das dívidas pelos crimes ambientais cometidos tanto pelos latifundiários (e que causam muito maior dano ambiental, com certeza), quanto pelos pequenos agricultores. Eles não só foram isentos das penalidades como também deixarão de recompor a mata destruída, pois seus limites se tornaram muito mais tolerantes com os criminosos e intransigentes com a Natureza.As faixas de matas ciliares foram reduzidas em até 80%... sim, pasmem, as novas faixas de proteção aos rios, córregos e lagos caiu de 500 metros, o que não é nada para os proprietários de terras, para 100 metros, o que nada significa para a Natureza. As áreas de encostas de morros e de seus cumes também foram liberadas para as pastagens e plantio de soja.

A região amazônica certamente foi a mais prejudicada, pois até mesmo o que ainda não foi desmatado ficou à mercê dos criminosos agora legalizados por um golpe do poder ruralista. Dentro de poucos anos, o que restará das maiores florestas tropicais do planeta serão apenas restos de matas, traços de vida selvagem e um clima definitivamente comprometido com a devastação que virá. Se em menos de 50 anos metade do Cerrado Brasileiro foi completamente destruído pelo agronegócio, agora que a lei permite o que se fará? E ainda darão boas gargalhadas ao menosprezar os ambientalistas que lutaram essa batalha inglória, e nos chamarão de idiotas e ingênuos diante de tamanho poder concentrado nas mãos de tão poucos.

Essa "Vitória de Pirro" ( vitória de Pirro é uma expressão utilizada para expressar uma vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis) ainda repercutirá em todo o mundo civilizado, que olha com preocupação o avanço dos tratores e das motosserras sobre o que resta de nosso ambiente original. A Floresta Amazônica tem um papel fundamental na manutenção do equilíbrio hídrico e climático do planeta; sua destruição representará o passo final para o precipício, a gota d´água a se derramar sobre o copo cheio da devastação planetária; essa floresta contém o maior complexo hídrico da Terra e seu equilíbrio é frágil e instável, pois a maior parte de sua vegetação sobrevive apenas em função da complexa cadeia de rios e igarapés, e dos próprios resíduos orgânicos que se decompõem em seu "solo arável". Eliminando-se essa camada, seja pelo arrasto dos tratores, seja pela sua exposição direta à luz solar, e terá sido dado o passo final para o fim da Floresta.

Aprovar esse projeto indecente de revisão da lei maior das florestas brasileiras terá sido a pá de cal nas esperanças dos ambientalistas. Certamente Dilma não vetará essas mudanças, pois é dela também o projeto de construção de Belo Monte e de tantas outras hidrelétricas no coração do Amazonas. Como a maioria silenciosa da população sempre foi a massa de manobra para esses golpes sujos do Congresso Nacional, e como essa mesma população escolhe seus representantes, reservo-me o direito de afirmar que temos os políticos que merecemos, e as leis que evidenciam a consciência do Povo Brasileiro, tão enaltecida nas palavras do antropólogo Darci Ribeiro. Aceitemos, pois, essa derrota lamentável...

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