O rio São Francisco está perdendo vazão. Pior: o Velho Chico foi o rio que mais apresentou diminuição das águas no último meio século – nada menos que 35% de sua capacidade.Para se ter uma idéia dessa diminuição, o fluxo de águas na bacia do Amazonas caiu apenas 3,1%, no mesmo período, enquanto outros rios brasileiros apresentaram uma elevação na vazão. Esse é um dos alertas que o coordenador da Comissão Pastoral da Terra da Bahia (CPT), Ruben Siqueira, trouxe para Campina Grande durante a abertura do Encontro de Atingidos e Atingidas pelo Projeto de Transposição do Rio São Francisco, no dia 17 de junho. O evento, realizado na Casa de Encontro São Clemente, no bairro de Bodocongó, contou com mais de cem participantes vindos dos cincos estados nordestinos envolvidos na transposição.
Para Siqueira, o outrora caudaloso São Francisco agora apresenta um panorama agudo, preocupante. “É um rio com todas as evidências de um quadro hídrico crítico, no entanto, o governo continua com esses projetos que privilegiam a produção de cana-de-açúcar para etanol em toda a bacia do São Francisco”. A crítica do coordenador da CPT Baiana faz referência à preferência do projeto de transposição do Velho Chico para irrigação de plantações em detrimento, não raro, ao consumo da água pelo sertanejo da região que o leito transposto vai passar. E mais: pelos números acerca dos reservatórios de água já existentes no semi-árido brasileiro, segundo Ruben Siqueira, a transposição seria um projeto totalmente redundante e desnecessário.
“O semi-árido brasileiro é a região, entre os semi-áridos do mundo, que mais concentrou água, que mais fez açudes. São 70 mil açudes. Há açudes que têm seis bilhões de metros cúbicos de água. São grandes cemitérios de água, porque essas águas estão lá e não estão sendo usadas, ou são usadas pelos grandes latifundiários. Para que, então, exportar água? Alguns falam que a transposição dará segurança hídrica às águas do nordeste. Mas nós perguntamos: aumentar a oferta hídrica para quem? Para fazer o que? A que custo? Qual o desenvolvimento que está por trás da transposição? Esse debate não está sendo feito. Essa água acumulada, por lei, deve ser acessível à população do árido, mas não é”, revela o coordenador.
João Suassuna e a perspectiva do Brasil Real
Quem também participou do Encontro de Atingidos e Atingidas pelo Projeto de Transposição do Rio São Francisco foi o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, em Pernambuco, João Suassuna. Engenheiro agrônomo e especialista no projeto que transpõe o Velho Chico, Suassuna é autor do livro "A Transposição do Rio São Francisco na Perspectiva do Brasil Real". Para ele, o projeto de transposição não apenas engana o povo como deve acelerar o processo de desertificação no semi-árido nordestino. “Os beneficiários da transposição do São Francisco serão as empreiteiras, os industriais, o grande capital. O povo está sendo iludido, não terá acesso a uma gota d’água sequer da transposição. Não está claro no projeto como essa água sairá das grandes represas para abastecer o povo. Está claro que a água irá caminhar nos 700 km de canais e abastecerá as principais represas do Nordeste, para promover aquilo que as autoridades estão chamando de sinergia hídrica, que é a forma dessas represas não virem a secar.”
Pesquisador das questões envoltas no leito do São Francisco, João Suassuna reforça que a resistência ao projeto de transposição continuará – e este será um ano decisivo nesse cenário. “A resistência continua e essa situação irá se agravar porque, neste ano, teremos eleições. É possível que os candidatos utilizem essa obra como a panacéia da solução de tudo, e não será. Nossa preocupação é essa, é que isso sirva como moeda de troca para voto. Isso, certamente, irá acontecer. Eles irão centrar as campanhas no Nordeste para o abastecimento das pessoas e utilizarão como pano de fundo o projeto da transposição. Mas sabemos que isso terá um engodo, porque o abastecimento das populações não irá se proceder com esse projeto, que vai se utilizar da água para o agronegócio.”
A pesquisa sobre a vazão do São Francisco
A informação sobre a diminuição da vazão do rio São Francisco foi publicada em 15 de maio de 2009 no Journal of Climate, da Sociedade Meteorológica Americana. No estudo, pesquisadores do National Center for Atmospheric Research (NCAR) analisaram dados coletados entre os anos de 1948 e 2004 nos 925 maiores rios do planeta, e concluíram que vários rios de algumas das regiões mais populosas estão perdendo água.
As planilhas dos pesquisadores apontaram que a bacia do São Francisco foi a que apresentou o maior declínio no fluxo de águas entre os principais rios que correm em território brasileiro durante o período pesquisado – uma negativa de 35%. No mesmo período, por exemplo, o fluxo de águas na bacia do Amazonas caiu 3,1%. Outras bacias brasileiras pesquisadas pelos norte americano apresentaram uma elevação na vazão.
* Colaboração de Ruben Siqueira, CPT/BA, para o EcoDebate, 02/07/2010