sábado, 13 de novembro de 2010
Às margens do rio Negro
Estou há dois meses aqui, aprendendo a gostar dessa gente humilde e apreciando as oportunidades que me são concedidas de caminhar nas trilhas da solidariedade. Este mês fiz um curso de piscicultura: quinze dias coletando informações sobre espécies da região, como o Aracu, o Tambaqui, Tucunaré, Pirarucu, Matrinxã e tantos ourtos peixes de grande aceitação e consumo nas mesas dos habitantes locais. Construímos um tanque flutuante com ripas entrelaçadas por cipós, que podem durar mais de um ano e abrigar centenas de peixes.
Também aprendi a extrair as ovas de fêmeas de Tambaqui e Matrinxã e inseminá-las, antes de colocá-las nos berçários, gerando alguns milhões de alevinos que irão repovoar os tanques e os rios. A piscicultura é uma das opções de melhoria da segurança alimentar das famílias indígenas. Ao longo de séculos de ocupação e desagregação de costumes e tradições os indígenas também contribuíram para a redução dos estoques de peixes nos igarapés; sua alimentação tornou-se precária, carente de proteínas, e nossos projetos visam oferecer alternativas simples e de baixo custo para a melhoria das condições de saúde e da qualidade de vida dos índios.
São centenas de comunidades que habitam a bacia do rio Negro. Só de Yanomamis são cerca de 5.000 índios. Estes vivem em semi-isolamento, na região montanhosa do Parque Nacional do Pico da Neblina. Duas dezenas de etnias coabitam o Alto Rio Negro e seus principais afluentes: Uaupés, Tiquié, Içana, Xié... milhões de igarapés abastecem um intrincado complexo de rios que levarão suas águas para a bacia Amazônica, a maior do mundo em extensão e volume de águas. A bacia do rio Negro também é a maior bacia de águas pretas do mundo. Sua coloração é devida aos compostos orgânicos, ricos em tanino.
Nessa região, a floresta alterna espaços com uma vegetação mais pobre, conhecida como Campinaranas, ou Caatinga da Amazônia, terras muito pobres em nutrientes, solo arenoso e extremamente ácido, que reduz o volume de fitoplâncton e zooplâncton de suas águas límpidas e cor de chá preto. Por isso, a capacidade de manutenção da vida nesses rios de águas pretas é baixa; poucas espécies se adaptaram à acidez e falta de alimentos.
Muitas localidades, na fronteira com a Colômbia, demandam 48 horas contínuas dentro de uma voadeira (barco a motor), ou quatro a cinco dias de viagem, atravessando corredeiras e sob um sol causticante de 35ºC, cuja sensação térmica é de mais de 40ºC. As aldeias limítrofes com a Colômbia têm presença permanente do Exército, que não apenas controla e protege as fronteiras, mas também dá auxílio às populações indígenas, oferecendo assistência médica e apoio logístico em casos mais graves que exigem translado do paciente.
Não é raro encontrarmos indígenas com pernas amputadas em decorrência de picadas de cobras, muito comuns nas matas da região. Alguns não sobrevivem e nem mesmo são atendidos a tempo de se ministrar soros anti-ofídicos devido ao isolamento em que se encontram. O Ministério da Saúde mantém equipes de atendimento médico em toda a região, através dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, mas a região é muito extensa.
Esta é a minha realidade, lugar que escolhi morar para contribuir com meu trabalho para a transição dos indígenas, de seu estado atual de enorme dependência do Estado, para uma situação de auto-suficiência de que já gozaram um dia remoto no passado. A transição é inevitável: a partir do momento em que a "civilização" os tocou, contaminando sua alma, nada mais se pode fazer para reverter essa situação. Por isso, é necessário se preservar o que é possível, resgatando a memória desse povo e registrando-a em compêndios que, um dia, serão suas únicas recordações de seus tempos primitivos.
Atualmente, muitos indígenas são professores nas aldeias, outros se formaram técnicos agrícolas, alguns poucos chegaram aos bancos acadêmicos e hoje são mestres e doutores. Mas a absoluta maioria ainda padece da mais cruel e insensata ignorância, viciados pela religião e pelas drogas. A primeira lhes solapa a vontade, resignados pelas promessas de salvação de suas almas. A segunda lhes rouba a dignidade e os torna vítimas dos piores males da "civilização": a bebida, as drogas, a prostituição, a mendicância... centenas de mortos-vivos arrastando-se pelas ruas das urbanidades dominadas por imigrantes de outras terras e culturas.
Assim são as margens do rio Negro, cujas pedras guardam memórias milenares e cujos seres se perdem nos caminhos inundados, com seus sonhos desfeitos e sua memória perdida.
Depoimento de Manoel Bibiano, prefeito de Iguatama, MG
Charge na "Gazzeta do São Francisco"
Depoimento de Roberto Rocha, Lagoa da Prata, MG
Localidades Ribeirinhas
Vargem Bonita / MG | Ibotirama / BA |
Hidrelétrica de Três Marias / MG | Morpará / BA |
Pirapora / MG | Barra / BA |
Ibiaí / MG | Xique-Xique / BA |
Cachoeira do Manteiga / MG | Remanso / BA |
Ponto Chique / MG | Santo Sé / BA |
São Romão / MG | Sobradinho / BA |
São Francisco / MG | Juazeiro / BA |
Pedras de Maria da Cruz / MG | Petrolina / PE |
Januária / MG | Cabrobó / PE |
Itacarambi / MG | Hidrelétrica de Itaparica - PE / BA |
Matias Cardoso / MG | Hidrelétrica de Paulo Afonso / BA |
Manga / MG | Canindé de São Francisco / SE |
Malhada / BA | Hidrelétrica de Xingó - AL / SE |
Carinhanha / BA | Propriá / SE |
Bom Jesus da Lapa / BA | Penedo / AL |
Paratinga / BA | Piaçabuçu / AL |
Depoimento de Dom Frei Luiz Cappio, Bispo de Barra, BA
Principais Afluentes
Rio Abaeté | Rio Pandeira |
Rio Borrachudo | Rio Pará |
Rio Carinhanha | Rio Paracatu |
Rio Corrente | Rio Paramirim |
Rio das Velhas | Rio Paraopeba |
Rio Grande | Rio Pardo |
Rio Indaiá | Rio São Pedro |
Rio Jacaré | Rio Urucuia |
Rio Pajeú | Rio Verde Grande |
Entrevista à TV Sergipe, Aracaju
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