Já quase não consigo dormir, tamanha é a expectativa de estar no rio, remando horas a fio, na imensidão das águas de um dos maiores rios nacionais, sem imaginar o que me espera a cada curva, sem saber onde irei pernoitar, como irei me relacionar com esse "eu" que se oculta na algazarra das cidades, sozinho com meus pensamentos...
À noite, olhando para o céu, milhões de estrelas iluminarão minha barraca, sons os mais diversos, em uma sinfonia natural de animais desconhecidos, na música que se cria a cada instante... pura meditação... êxtase profundo e irreversível...
E a rotina se repetindo 120 vezes: acordar com a luz do sol, desfazer o acampamento, fazer a refeição matinal, montar o barco, fazer alongamento e seguir viagem... remar por duas horas, procurar um abrigo, fazer um lanche rápido e seguir viagem... mais duas horas e o almoço, repetição do lanche, um breve descanso e seguir viagem... mais duas horas e o lanche da tarde, sementes, frutas desidratadas, um pedaço de pão e queijo e seguir viagem... ao pôr-do-sol procurar abrigo, recolher a canoa, montar acampamento, fazer o jantar, escrever meu diário, arrumar a cozinha e adormecer...
No dia seguinte buscar a motivação para prosseguir, sem esmorecer, sem perder a consciência dos objetivos da viagem, registrando cada cena na memória, nas fotos, na filmagem dos acontecimentos que tecerão a trama de minha vida por três meses!
E estar preparado para plantar uma semente de umbuzeiro em cada parada... e motivado para fazer palestras, dar entrevistas, colher assinaturas em meu manifesto em cada cidade visitada, observando as faces, perscrutando as mentes dos seres simples, captando as tênues idiossincrasias de um povo que se oculta nos sertões desse país...
Esse é o meu sentimento de solidariedade para com esse povo esquecido de todos nós...