A princípio, nada encontrei que me detivesse a marcha; como um visitante indesejado, percorri teus vales e descobri teus súditos, vassalos teus, tributários de tua grandeza a doar suas vidas para te enriquecer e te encorajar ao grande salto, inevitável, no vazio...
Por instantes segui outros caminhos, como quem oculta as intenções, e vi o momento em que te projetavas sobre as rochas, como quem se atira ao desconhecido, destemido, inconsequente e audaz como qualquer adolescente. Busquei tua calma e em teu colo me deitei, levando-me contigo à revelia, para onde estivesses a ir, não me importava...
Percebi, então, que tu também não conhecias o teu destino, e me encantei por ti... e assim nos tornamos íntimos, cúmplices dos mesmos segredos, que desvendávamos a cada anoitecer... tu me aceitaste assim, em minha fragilidade, mais vulnerável até que as cristalinas águas de tua alma, teu corpo e razão do existir...
Daí, então, seguimos juntos, amantes apaixonados, um ao outro nos levando, sem um propósito qualquer,senão o de seguir adiante. À nossa volta, a presença de outros seres, assim tão íntimos e livres como o ar, as águas, o som, as cores, os inebriantes aromas...
A cada dia, em cada despertar, a ansiedade enlouquecida de nossas contradições: um ser que nasce e morre sem cessar, criança, jovem e velho a um só tempo, e outro ser que morre e envelhece, no inexorável badalar das horas, a me levar daqui... e mesmo neste ser envelhecido, o jovem e a criança permanecem, ao menos nas lembranças; e isso torna a ambos companheiros, ainda que um só, e tão somente, irá permanecer ao fim do longo dia, quase eterno, da jornada...
Porém, os dias às noites sucedendo, de ti surrupiaram a inocência, das águas te roubaram a pureza cristalina, das margens desnudaram tuas vestes... e as aves, tuas amigas, te deixaram, assim como as outras criaturas, tão belas, tão ingênuas... e eu, desiludido, desencantado, a tudo assim presenciava, aturdido, impotente... roubaram-te de mim em pleno dia!
Das praias, em lama, as alvas areias se tornaram; das matas, somente um ralo mato é que restou; dos morros, às águas, o solo fértil se deixou arrastar, turvando as tuas águas, matando pouco a pouco nossos peixes, cobrindo de barro o leito fundo, a se deixar levar contigo a outras plagas.
Uma angústia, um nó entalado na garganta, tristeza inconsolável de mim se apoderou, ao presenciar as árvores, às centenas, arrancadas, ancoradas em teu leito devastado... assim, seguimos juntos e calados, dias e noites a prantear a maldade dos homens, como eu... roubaram-te a beleza, saquearam-te as riquezas... transformaram-te nessa estrada lamacenta, a fluir, incessantemente, em direção ao mar.
Infeliz, como um amante atraiçoado, recusei continuar... e me afastei de ti, ferido mortalmente, cansado, desiludido e só.
Precisarei regressar um dia, e resgatar tua pureza, restaurar tuas vestes, trazer de volta a vida que tiveste... e então renasceremos juntos, e tu me levarás ao meu destino, que é também o teu... repousarei de novo em tuas margens, presenciando a iluminada Via Láctea, a derramar estrelas cintilantes em teu regaço, até o repositório infinito do Oceano... e encontrarei, em ti, a minha Paz!
Um comentário:
Oi
Parabéns pelo blog é muito bom encontrar espaços dedicados a naureza e sustentabilidade na internet.
Parabéns pelo Top 100 do Top Blog.
Cleisson
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