Temos falado insistentemente sobre a questão da água, inserida no descaso pela gestão do Meio Ambiente, e as Mudanças Climáticas. A situação atual é dramática, e revela a gravidade da crise que afeta nossos recursos hídricos. O rio São Francisco, com suas oito hidrelétricas, reflete o desinteresse das autoridades responsáveis pelas políticas públicas no que concerne à preservação da Natureza, principalmente nos biomas Cerrado e Amazônia.
A situação se agrava ainda mais se considerarmos que nossa matriz energética sempre privilegiou a construção de grandes hidrelétricas. Hoje, a produção de eletricidade depende quase que exclusivamente das usinas hidrelétricas, termelétricas (movidas a óleo diesel) e da biomassa da cana de açúcar. A energia eólica e solar ainda é insignificante nesse contexto atual. Uma crise no abastecimento de água à população evidencia também a escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas. Se essa estiagem perdurar por mais alguns meses, certamente, em meados do próximo ano, as grandes metrópoles, como São Paulo e Rio de Janeiro, estarão desprovidas de água e eletricidade.
Se essa estiagem está relacionada como o fenômeno sazonal do "El Niño", como afirmam as autoridades, isso não significa que a decisão por essa matriz energética esteja correta, e a culpa seja apenas de São Pedro, que não é petista. A cidade de São Paulo, há muitos anos vem buscando água para seus reservatórios em lugares cada vez mais distantes, onerando outras regiões do interior paulista, como vem ocorrendo em várias cidades da região.
Os reservatórios da Cantareira estão seriamente comprometidos, assim como aqueles do Alto Tietê, e também do Paraíba do Sul, que abastece o município do Rio de Janeiro e a Baixada Fluminense. Como se não bastasse, a água entregue nas residências está com coloração ocre, sedimentação do barro do leito dos reservatórios, e potencialmente contaminada por resíduos depositados no leito desses reservatórios cada vez mais secos.
A população dos grandes centros, vivendo essa situação dramática, apela para a abertura de poços artesianos, quando moram em casas térreas, comprometendo ainda mais o lençol freático e os aquíferos subterrâneos. A longo prazo, também essas águas profundas estarão comprometidas. Não querendo ser arauto de catástrofes, mas, ao mesmo tempo, constatando que a realidade é bem mais crítica do que as previsões mais pessimistas, devemos nos perguntar o que faremos quando nossas imensas reservas de água potável se extinguirem. Como afirmei diversas vezes nos últimos anos, somos (ou éramos) um país privilegiado pela Natureza, tendo, dentro de nossas fronteiras, cerca de 12% de toda água potável do mundo! Mas isso está se deteriorando...
O rio São Francisco é a imagem mais trágica da morte de nossos rios. A destruição das nascentes, a canalização dos ribeirões dentro das grandes cidades, a contaminação dos afluentes do Velho Chico pelos esgotos lançados em suas águas, o desmatamento das margens dos rios, o despejo de milhões de toneladas de agrotóxicos, escorridos pelas plantações de milho, soja, cana de açúcar, outras mega-lavouras e das pastagens para o gado, o descaso com resíduos industriais, despejados em lagoas de contenção às margens dos rios, a morte das lagoas de reprodução, que já não são mais alimentadas pelas cheias, tudo isso leva o Velho Chico à lenta agonia e à morte trágica, afetando uma população de mais de vinte milhões de brasileiros.
Os latifúndios não se interessam pelo Meio Ambiente, mas precisam das águas para irrigar suas terras. Porém, contraditoriamente, são eles, os fazendeiros, que estão matando os rios! E quando essa água se acabar? Certamente, as lavouras e os pastos também se acabarão! Hoje, o agronegócio garante parcela expressiva do PIB nacional, graças a essa política predatória e à expansão ininterrupta das fronteiras agrícolas para dentro do Cerrado e da Amazônia.
Nossas matas, florestas, águas subterrâneas, tudo está ameaçado por essa política cretina de terra arrasada: produção acelerada, incentivada pelos países que, ou já acabaram com suas florestas, ou não querem destruir o que restou, e importam carne, soja, milho, algodão, açúcar, álcool e tudo que o Brasil produz, caminhando célere para a exaustão de nosso riquíssimo território. A longo prazo (longo?) o que será legado aos nossos descendentes é uma imensa savana seca, e imensas áreas desertificadas pela devastação do agronegócio.
A Crise Energética e a Seca mais Cruel dos Últimos 100 anos não ocorre por acaso, nem por um capricho das chuvas que não chegam. Esses fenômenos acontecem pela irresponsabilidade de um governo que não tem capacidade de gerir nossos recursos naturais. Minas Gerais, vista de cima, já parece um imenso terreno devastado pelo garimpo das mineradoras, que sangram a terra para extrair os minérios para exportação. Cerca de 20% da Amazônia já desapareceu e se transformou em áreas urbanas, estradas e travessões de assentamentos do INCRA, ou em fazendas de soja e de gado. Metade do Cerrado já virou campos de soja, algodão e gado. O que ainda falta destruir?
Se este ainda não é o derradeiro período de seca, se as águas voltarem a encher os reservatórios, a mover as turbinas das hidrelétricas, a serem sugadas para aspergir sobre as "plantations" contemporâneas, é, pelo menos, um último aviso, uma mensagem explícita de que alguma coisa muito grave está a acontecer. Se as autoridades incompetentes não escutam essa mensagem, padeceremos a seca e a fome, a decadência de um país que, no ato do Descobrimento, foi declarado o maná do mundo, lugar onde "em se plantando, tudo dá", como dizia Pero Vaz de Caminha em sua carta ao Rei de Portugal.
Não desejo a desgraça, pois amo minhas filhas e meus netos, e quero deixar a eles um legado de riquezas e belezas naturais. Infelizmente, não depende de mim, apenas. Deixo, frequentemente, insistentemente, as minhas palavras de alerta, esperando que alguém as ouça e, ao menos, reflita sobre a possibilidade de tudo isso vir a ser um tremendo pesadelo. Espero estar errado...