quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O dia em que Lula não foi a Cabrobó

Autor: Ruben Siqueira*

Capela onde D. Frei Luiz Cappio jejuou em 2003, Cabrobó, PE
Sábado, 1º de outubro, chegamos lá pelas 10 horas da manhã, em romaria a pé, vindos do centro da pequena Cabrobó, “Capital da Cebola” no sub-médio São Francisco. No trajeto pela cidade, a sensação de estranheza das pessoas, provavelmente a mesma frente ao bispo Frei Luiz e sua greve de fome em defesa do rio. Contra ou a favor, o país finalmente mobilizado está tendo que responder. Éramos 36 pessoas, vindos do encontro anual de formação das CPTs (Comissão Pastoral da Terra) do Nordeste. Decidimos trocar a tarde de lazer cultural em Garanhuns-PE, pela caminhada, em jejum, de solidariedade a Frei Luiz e sua causa.


Já era grande a aglomeração de gente em torno da pequena capela, numa colina entre a BR 232 e a margem esquerda do rio São Francisco, distante uns 150 metros. Todos se voltaram para nos acolher, com salva de palmas. Cantávamos a canção composta pelo f rei, com refrão inspirado em Guimarães Rosa: “Meu rio de São Francisco, nesta grande turvação, vim te dar um gole d’água e pedir sua benção”. O canto é uma espécie de hino entoado em todo o Vale, desde a peregrinação que D. Luiz e mais três companheiros fizeram, da nascente à foz, entre 1993 e 94 – um marco da história ribeirinha, que tornou o frei nacionalmente conhecido.


Trazíamos para presenteá-lo uma vela daquelas que queimam 21 dias, nela afixada uma foto do Padre Ibiapina, alusiva aos 200 anos de nascimento daquele que foi o inaugurador da Igreja voltada para os pobres no Nordeste; atrás da foto a frase dele: “Morrer com os pobres e famintos, e não vê-los morrer a sede e a fome.”. Outro presente era uma quartinha (moringa) com água da região setentrional do Nordeste...


Lá estava o povo. Índios Tumbalalá e Truká com suas vestes de palha e seus maracás. Uma mulher vestida com o hábito franciscano, comum nos locais de romaria do Nordeste. Freiras de hábito e sem hábito. Um senhor queria que o frei ajudasse a resolver a questão da imagem da santa que ainda falta na capela de seu povoado. Alguns buscavam confessar-lhe os pecados. Uma família trazia uma menina doente para D. Luiz abençoar e, quem sabe, curar... Gente chegando o tempo todo, e ele pacientemente atendendo a todos. O repórter da Folha de São Paulo senta ao lado de uma velha e tanto faz sua entrevista como ouve explicações ao povo sobre o rio.


Muitos políticos, a maioria da pior espécie. Afora a senadora alagoana Heloisa Helena e o deputado baiano do PV Edson Duarte, pestilência... Um, ao se aproximar do frei para abraçá-lo, estava mais preocupado com o ângulo para o fotógrafo que o acompanhava. Pouco antes de começar a celebração, chegam o senador ACM, o governador baiano Paulo Souto e cupinchas. À noite seu abraço ao bispo vai pro Brasil pelo Jornal Nacional... Há quem não tem dúvidas sobre como agir...


Com eles, a diretoria do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco. A greve de fome interessa também a eles, pois estão com seus projetos para o São Francisco preteridos pelo da transposição.


Como disse uma vez um jornal pernambucano: “Eles têm suas próprias transposições”.
Em meio ao tumulto, parentes e amigos de D. Luiz tentam pôr ordem na situação e preservá-lo dos muitos e variados assédios. Enquanto os políticos barulhentos saem pela porta lateral da capela, em frente o frei tenta dar início à missa. O emissário de Lula, Selvino Heck, tem que assisti-la para depois entregar-lhe a carta enviada pelo presidente. Há quem se surpreenda que ele, ex-franciscano, saiba os cantos e orações da missa... O povo reza, compungido. Lágrimas em alguns momentos... E até quem não é dado a rezas se envolve e se enternece.


Ao final da missa, é lida a carta de D. Luiz endereçada aos nordestinos do Setentrional, explicando as razões de sua greve de fome, que não é contra o direito deles à água, mas por soluções verdadeiras para o problema, além da defesa do São Francisco. Afirma que o projeto é mentiroso e que os pobres pagarão pelo benefício dos ricos empresários, como sempre no Nordeste. E que a solução é a convivência com o semi-árido. “Não estivesse o Rio São Francisco à beira da morte e suas águas fossem a melhor solução para a sede de vocês, eu não me oporia e lutaria com vocês por isso”, diz a carta.


Finda a missa, D. Luiz se reúne com o emissário de Lula e mais cinco pessoas de sua confiança: D. Itamar Vian, arcebispo de Feira de Santana, representante da CNBB, Dra. Luciana Khoury, do Ministério Público da Bahia / Projeto São Francisco, Dr. Luiz Roberto Cappio, Juiz de Direito, sobrinho do frei, Adriano Martins, sociólogo, companheiro da peregrinação, e eu.


A carta do presidente é decepcionante. Longa, mistura sentimentalismo e argumentação técnica a favor da transposição. Nenhuma sensibilidade e nenhum gesto concreto de recuo quanto ao projeto, algo que desse substância à sua proposta de diálogo. Ouvida a opinião de cada um, o frei tomou papel e caneta e, em pouco tempo, apresentou os termos de sua resposta praticamente pronta. Agradecia, reforçava os esforços pela revitalização do rio e comunicava a decisão de continuar a greve de fome, nos mesmos termos da primeira carta.
Discutiu-se, então, a sugestão de um dos presentes de amenizar as condições para o fim da greve de fome: aceitar a suspensão em vez da revogação e do arquivamento do projeto de transposição.


Concluiu D. Luiz pela manutenção de como estava, acrescentando a expressão “atual projeto” e a abertura para um “amplo diálogo e debate nacional, verdadeiro e transparente, discutindo
alternativas de convivência com o semi-árido e a oportunidade ou não de realizar a transposição”.


O emissário ainda tentou em vão se contrapor, sem muita convicção e sem argumentos. Dizia: “O governo é o governo”, refletindo a visão descolada da sociedade, já tantas vezes demonstrada pelos atuais do Planalto. Aliás, o governo reagiu apenas ao 6º dia e porque a CNBB deu apoio e solidariedade ao bispo. E aparenta não ter completa compreensão de todos os elementos em jogo na situação. Não quer ceder, mas não sabe o que nem como fazer, com medo de criar um mártir para a causa... Não parece entender que aí pode estar em risco o próprio projeto de transposição e sua própria reeleição. Está em jogo algo que o núcleo duro do governo parece ignorar – o poder místico da alma popular acionado. O mesmo povo que apóia o presidente que fugiu da seca e teve de “beber água de enxurrada”, provavelmente vai condenar o presidente que deixa morrer um bispo defensor de uma causa justa e nobre... Amaldiçoados, governo e projeto estariam com os dias contados.


Ao contrário do governo, Frei Luiz impressiona pela simplicidade, lucidez e firmeza. Parece viver um num outro patamar, onde as coisas têm mais sentido. Não se volta indiferente de Cabrobó.


Aquela colina com a capela, à beira do Velho Chico, o mais brasileiro dos rios, a figura frágil e
iluminada do bispo está a oferecer à gente e ao país uma chance de reencontro conosco mesmos e com o melhor de nós. Talvez, fique tarde demais para Lula ir a Cabrabó...


* Sociólogo, coordenador da CPT / Projeto São Fancisco.

Boca Ferina: A sujeira está feita: aprovaram o estupro do Códig...

Pois é... como era esperado, o Senado aprovou, por ampla maioria, o estupro de nossa principal legislação de proteção ambiental, ignorando a voz do povo que os escolheu! Lembrem-se disso na hora de votar: não existem representantes populares em nossa casa legislativa, o que confirma o que tenho dito à exaustão sobre as mentiras do "regime democrático"! Eles, os parlamentares, escutam o tilintar forte das moedas caindo dentro de seus bolsos, encantam-se com o canto das sereias da corrupção e dos interesses menores da Nação! Esquecem-se que sua existência como seres políticos só se justifica pelo respeito aos valores éticos e morais da sociedade, e pelo atendimento às expectativas de seu eleitorado e do povo brasileiro.

Agora não há esperanças, pois a ministra do "Meio Ambiente" e a própria presidente Dilma já demonstraram sua adesão às teses desenvolvimentistas (a qualquer preço), quando apoiaram a construção de grandes hidrelétricas na região amazônica. Todos os abaixo-assinados, rubricados por milhões de brasileiros, de nada adiantaram; pisaram na Constituição e jogaram-na no lixo da História, quando admitiram atender ao interesse de poucos em detrimento dos anseios de nossa Nação. Já não havia nenhuma esperança desde que o resultado da última eleição majoritária foi declarado, dando a vitória para Dilma Rousseff, ex-ministra da poderosa pasta da Casa Civil e eminência parda do governo Lula, que também rompeu com seus "companheiros" de luta democrática e aderiu ao jogo fácil do poder econômico.

Mas o que há de errado neste novo código florestal? O que de tão importante foi perdido? Não é difícil explicar; basta ouvir a ladainha dos próprios defensores dessa aberração legal, que se compreenderá o alcance dos estragos que virão por aí. Em primeiro lugar, foi uma decisão política sobre um tema técnico e científico, que é a proteção de nossa biodiversidade. De todas as manifestações contrárias às mudanças propostas e, agora, aprovadas, as que se destacam são aquelas de nossa comunidade científica, seja através das instituições que representam, seja pelo peso de seus nomes no trato com o meio ambiente. Embora o Código Florestal tenha sido concebido no fim do Estado Novo da ditadura Vargas, ele continha os principais reclames dos especialistas em florestas, em biodiversidade e em hidrologia da época. As especificações técnicas, como a largura da faixa de matas ciliares em conformidade com a largura dos rios, ou a preservação de mananciais hídricos, e a definição de conceitos sobre áreas de preservação permanente continuam, todas elas atualíssimas.

Além da questão técnico-científica, existe a questão ética do perdão das dívidas pelos crimes ambientais cometidos tanto pelos latifundiários (e que causam muito maior dano ambiental, com certeza), quanto pelos pequenos agricultores. Eles não só foram isentos das penalidades como também deixarão de recompor a mata destruída, pois seus limites se tornaram muito mais tolerantes com os criminosos e intransigentes com a Natureza.As faixas de matas ciliares foram reduzidas em até 80%... sim, pasmem, as novas faixas de proteção aos rios, córregos e lagos caiu de 500 metros, o que não é nada para os proprietários de terras, para 100 metros, o que nada significa para a Natureza. As áreas de encostas de morros e de seus cumes também foram liberadas para as pastagens e plantio de soja.

A região amazônica certamente foi a mais prejudicada, pois até mesmo o que ainda não foi desmatado ficou à mercê dos criminosos agora legalizados por um golpe do poder ruralista. Dentro de poucos anos, o que restará das maiores florestas tropicais do planeta serão apenas restos de matas, traços de vida selvagem e um clima definitivamente comprometido com a devastação que virá. Se em menos de 50 anos metade do Cerrado Brasileiro foi completamente destruído pelo agronegócio, agora que a lei permite o que se fará? E ainda darão boas gargalhadas ao menosprezar os ambientalistas que lutaram essa batalha inglória, e nos chamarão de idiotas e ingênuos diante de tamanho poder concentrado nas mãos de tão poucos.

Essa "Vitória de Pirro" ( vitória de Pirro é uma expressão utilizada para expressar uma vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis) ainda repercutirá em todo o mundo civilizado, que olha com preocupação o avanço dos tratores e das motosserras sobre o que resta de nosso ambiente original. A Floresta Amazônica tem um papel fundamental na manutenção do equilíbrio hídrico e climático do planeta; sua destruição representará o passo final para o precipício, a gota d´água a se derramar sobre o copo cheio da devastação planetária; essa floresta contém o maior complexo hídrico da Terra e seu equilíbrio é frágil e instável, pois a maior parte de sua vegetação sobrevive apenas em função da complexa cadeia de rios e igarapés, e dos próprios resíduos orgânicos que se decompõem em seu "solo arável". Eliminando-se essa camada, seja pelo arrasto dos tratores, seja pela sua exposição direta à luz solar, e terá sido dado o passo final para o fim da Floresta.

Aprovar esse projeto indecente de revisão da lei maior das florestas brasileiras terá sido a pá de cal nas esperanças dos ambientalistas. Certamente Dilma não vetará essas mudanças, pois é dela também o projeto de construção de Belo Monte e de tantas outras hidrelétricas no coração do Amazonas. Como a maioria silenciosa da população sempre foi a massa de manobra para esses golpes sujos do Congresso Nacional, e como essa mesma população escolhe seus representantes, reservo-me o direito de afirmar que temos os políticos que merecemos, e as leis que evidenciam a consciência do Povo Brasileiro, tão enaltecida nas palavras do antropólogo Darci Ribeiro. Aceitemos, pois, essa derrota lamentável...

domingo, 27 de novembro de 2011

Transposição do Velho Chico quase parada

Fonte: Tribuna da Bahia 24/11/2011 01:20 
Nelson Rocha - REPÓRTER 

Em dezembro de 2007, o bispo dom Luiz Flávio Cappio, 65, de Barra, interior baiano, fez greve de fome contra o projeto da transposição das águas do rio São Francisco. Dois anos antes, o religioso passou onze dias sem comer pelo mesmo motivo. Ele condicionava o fim da greve de fome à paralisação da obra e arquivamento do projeto que transfigura o Velho Chico e defendia a revitalização do rio e o convívio do sertanejo com a seca. O governo afirmou que não iria paralisar a obra, avaliada em R$ 6 bilhões. Alegou que a transposição beneficiará 12 milhões de pessoas.

Agora, mais uma voz se faz ouvir pelo mesmo motivo: a do engenheiro civil Manoel Bonfim Ribeiro, ex diretor do Departamento Nacional de Obras Contra Seca (DNOCS), que na terça-feira, pela manhã, fez uma palestra na Associação Bahiana de Imprensa (ABI), a convite do presidente da casa Walter Pinheiro, apontando erros e acertos da maior obra do Programa Aceleração do Crescimento (PAC). “O projeto da transposição do rio São Francisco, para o semi-árido brasileiro, está devagar quase parando”, disse na oportunidade. “Isto se deve, naturalmente, a falta de entusiasmo da sociedade. 

As obras foram licitadas, começaram realmente os trabalhos, mas ocorre que o pessoal da região não luta com garra pela transposição por que ela é desnecessária. Não só para o meu conceito, mas para o conceito da própria sociedade. Nós temos uma rede de açudes fantástica na região. São mais de 70 mil açudes, muitos primorosos, todos oficiosos. O que é preciso é dar funcionalidade a estes açudes”, declarou, acrescentando: “As obras da Copa vão acontecer porque a sociedade está acompanhando e o evento é empolgante. A obra do São Francisco é no interior, longe dos olhos de todos. Ninguém toma conhecimento do que está se passando”. 

O canal do rio São Francisco tem 720 km de extensão a partir de Cabrobó, interior de Pernambuco. Ao longo do trecho há rachaduras, placas soltas, mato expandindo-se, vacas pastando em torno da obra, tudo exposto inclusive na internet. Nada, porém, comparável ao acidente que fechou o túnel Cuncas, na divisa do estado da Paraíba com o Ceará, de 15 kms, em fase de construção e o maior do mundo para a travessia de água. 

“Mas já estão abrindo. Um acidente que ocorre em qualquer obra desta natureza. Acontece que a parte física da obra deveria estar mais avançada. O problema é a importância sócio-econômica da obra. Nós estamos construindo essa obra pra que? Ao que ela vai servir?”, questiona o engenheiro piauiense Manoel Bonfim. “Nós temos água com fartura no Nordeste. São 40 bilhões de metros cúbicos de água armazenados. Nós não precisamos das águas do São Francisco pra coisíssima nenhuma”, afirma o engenheiro que considera a obra em questão, desprovida de significado. “Ela não vai mitigar a sede do nordestino. Aliás, se fosse pela obra o nordestino já teria morrido de sede”, disse à Tribuna. 

Ainda faltam construir 27 aquedutos na obra que, conforme o engenheiro Manoel Bonfim, só avançou em torno de 15% em três anos. “Não se faz uma obra desta da noite para o dia". Pela sua magnitude ela vai demorar muitos anos para ser construída. Não se faz em menos de dez anos”, prevê. Quanto ao olhar do nativo diante da transposição do rio São Francisco, o engenheiro diz perceber que este “se sente incomodado. Ele tem água. Claro que mais água, melhor, isto em qualquer lugar do mundo. Mas isto não quer dizer que o nordestino esteja premente de água, senão não irá sobreviver. Não existe isto. Ele tem a vida dele equacionada, com o seu açude”. 

Sistema de adutores 

Se tivesse a oportunidade de conversar com a presidente Dilma Rousseff, o engenheiro Manuel Bonfim diz que pediria a ela que parasse imediatamente com a obra da transposição. “Em qualquer estágio que a obra parar é lucro. É uma obra que não vai funcionar. O que falta é um sistema de adutores interligando os açudes e levando água às diversas comunidades. Foram construídos e estão lá apenas recebendo a luz do sol e sendo evaporados”, concluiu. 

A transposição do rio São Francisco prevê o desvio de até 26 mil litros de água por segundo, do rio para canais e leitos secos nos Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. A obra, com 16 frentes de trabalho, 14 com grupos privados e 2 com o Exército, aliás, as únicas que seguem trabalhando. Com o risco de se transformar numa “transamazônica”, a estrada que não chegou ao fim, o projeto do governo federal desperta a posição contrária da oposição. 

Recentemente o presidente estadual do Democratas, José Carlos Aleluia, evitou falar sobre os recursos anunciados pela presidente Dilma Rousseff para a segunda etapa do metrô de Salvador, mas fez o seguinte comentário: “Espero que o metrô não tenha o mesmo destino da transposição do rio São Francisco que no futuro será vista como uma obra incompreensível e misteriosa”. 

De acordo com um levantamento do Ministério da Integração Nacional, dos lotes executados pela iniciativa privada através de consórcios de empreiteiras, oito estão em ritmo adequado ou lento, enquanto cinco lotes encontram-se paralisados. 

O titular da pasta, ministro Fernando Bezerra Coelho, ao fazer um balanço recente das obras da Transposição do rio São Francisco, denominado pelo governo federal de Projeto de Integração de Bacias do Rio São Francisco, comentou: “Depois das hidroelétricas, a obra da Transposição é a maior do PAC. Uma obra complexa, com muitas frentes de serviço. Cada contrato exige um processo de negociação difícil. Este ano nos dedicamos à revisão dos preços dos contratos, que foram feitos entre 2006 e 2007”, revelou. 

Conforme o ministro da Integração Nacional, as metas acordadas com a presidente Dilma Rousseff em agosto deste ano estão mantidas, com lançamento do protótipo da transposição no último trimestre do próximo ano; entrega do Eixo Leste até o fim de 2014 e finalização do Eixo até o fim de 2015.

sábado, 26 de novembro de 2011

ULYSSES em Belo Horizonte

Minha canoa "Ulysses" está em exposição na "XXII Feira Nacional de Artesanato", no EXPOMINAS, de 22 a 27 de novembro. Este ano, o evento tem como tema o Rio São Francisco, razão pela qual minha canoa foi escolhida, por representar os esforços de revitalização do Velho Chico. Infelizmente, esses esforços carecem de um bom projeto, consistente e coerente com as demandas do rio; da forma como foi concebido, seu único objetivo era o de aplacar as veementes críticas ao malfadado projeto de Transposição das águas do Velho Chico. Mas esse não é o assunto desta postagem; quem quiser ler algo mais a respeito da revitalização, acesse: "Rio São Francsico em Descaminho: Degradação e Revitalização"

Pela temática da Feira, quero apresentar alguns traços que coletei ao longo do rio, em minhas fotografias, não me limitando ao estado de Minas Gerais. São apenas uma pequena amostra da riqueza cultural desse povo ribeirinho. As igrejas estão repletas de imagens de santos em variados materiais: gesso, madeira, pedra... demonstrando a fé dessa população simples e crédula. Essa fé que os conserva vivos e com esperança de um dia encontrarem uma condição melhor de existência

Canoa de Tolda, embarcação idalizada em Sergipe.
As lavadeiras do rio São Francisco, Paratinga, BA



Carrancas de Barro, de Ana das Carrancas, Petrolina, PE

Bom Jesus dos Navegantes, em Propriá, AL

Canoa de Vela quadrada

Afresco em parede, comunidade Toorrinha, BA

Embarcação típica do São Francisco (gaiola)
Ana das Carrancas, Petrolina, PE

Iluminura, Santuário de Bom Jesus da Lapa, BA

Afresco no Atelier de Ana das Carrancas, Petrolina, PE

Ladrilho no Atelier de Ana das Carrancas, Petrolina, PE

Carranca (Ana das Carrancas, PE)

Esculturas em Madeira de Roque Santeiro, Petrolina, PE

Escultura em Madeira de Roque Santeiro, Petrolina, PE

Embracação "Velho Chico" em Petrolina, PE
Carranca em Madeira
Esculturas em Madeira de Roque Santeiro, Petrolina, PE


Carrancas em Madeira de Roque Santeiro, Petrolina, PE

Escultura em Madeira de Roque Santeiro, Petrolina, PE

Embarcações típicas do Velho Chico, Museu do Homem do Nordeste, Petrolina, PE

Embarcação típica do Velho Chico, Xique-Xique, BA

Oratório, Petrolina, PE
Artesanato em tecido, Museu do Homem do Nordeste, Petrolina, PE



domingo, 19 de junho de 2011

Entrevista para a Revista "CONTERRÂNEOS"

De onde partiu seu interesse de trabalhar como militante do meio ambiente e quando você iniciou os trabalhos?
Meu interesse pelas questões ambientais vem de longa data; meu pai, desde minha infância, me ensinou a respeitar e cuidar do meio ambiente; vivíamos em uma pequena cidade do interior de São Paulo, próximo ao rio Paraná que, naquela época, ainda não sofria os impactos das intervenções humanas. Porém, efetivamente comecei a atuar como ativista ambiental quando passei a me dedicar a esportes da Natureza, há mais de uma década. Primeiro, visitações a Parques Nacionais e Estaduais, com minhas filhas; depois, fizemos treinamentos de mergulho equipado (SCUBA) e hoje sou dive master e instrutor assistente de mergulho, com mais de 100 mergulhos logados na costa sul e sudeste do Brasil; em seguida, fiz treinamentos em montanhismo pelo Clube Alpino Paulista, tendo realizado diversas expedições pelas montanhas da Serra do Mar e da Mantiqueira; isso também me levou à escalada em rocha, sendo qualificado por um dos mais experientes escaladores do país, Eliseu Frechou; finalmente, surgiu a oportunidade de fazer uma expedição de treinamento pela ONG Outward Bound Brasil, na Chapada Diamantina, que me capacitou a realizar expedições autônomas. Hoje sou indigenista, moro na Amazônia, e me dedico à proteção das populações indígenas do Rio Negro, onde vivem cerca de 40.000 índios.

Como nasceu seu fascínio pelo rio São Francisco e de onde surgiu a ideia de viajar pelo rio?
O rio São Francisco sempre povoou os sonhos de meu imaginário, seja pelas suas lendas, seja pelas canções nordestinas que enaltecem suas belezas, seja pelos documentários que assisti a respeito de seus povos ribeirinhos e sua cultura regional. No final de 2008 decidi realizar uma expedição solo, autônoma e independente e escolhi a canoagem e o Rio São Francisco. Queria conhecer de perto essas histórias e descobrir, por minha conta, as belezas naturais e o encanto dessas águas que abrigam uma população de mais de 15 milhões de seres humanos, das mais diversas origens e etnias. Só no rio encontraria as respostas.

Porque a preferência por fazer a aventura de forma solitária em uma canoa a remo?
A canoagem a remo é um esporte que nasceu em minha juventude, por estímulo de meu pai, que era remador em sua juventude, e me levou a remar pequenos barcos (“catraias”) no rio Pardo, SP, onde conversávamos horas a fio a respeito de nossas vidas. Lá aprendi com ele as noções de ética, dignidade, respeito e humildade. Percebi, então, que a canoagem, além de ser um excelente esporte, também nos levava à reflexão. Sempre fui muito solitário, desde minha infância, e credito a isso minha paixão pelos livros e minha busca pelo autoconhecimento. Daí, a decisão pela canoa a remo foi uma consequência imediata.

O que você esperava conquistar com a aventura?
Na verdade, quando concebi a expedição, pensava na aventura de viajar sozinho durante meses, dependendo apenas de meus recursos e de minhas decisões, para percorrer os 2700 km desse rio. Queria conhecer, fotografar, conversar com as pessoas, ouvir suas estórias, falar sobre preservação ambiental e defender o Rio São Francisco que estava moribundo. Depois, ao longo do rio, minha percepção foi se modificando e percebi o imenso universo que se escondia nas margens desse rio e de seus afluentes. A primeira etapa foi de muito esforço físico, muitas exigências com relação às adversidades de um rio que desce a montanha através de inúmeras corredeiras, agravadas pelo frio do inverno. Em Três Marias decidi parar, reavaliar meus objetivos e buscar patrocínios, que meus recursos rapidamente se acabavam. Fiquei três meses tentando, sem êxito, obter apoio. Decidi, então, voltar ao Rio e completar minha viagem. Percebi que as motivações eram muito maiores e as questões muito mais complexas do que simplesmente vencer os desafios da Natureza e registrar essas realidades. Precisava me confundir com elas, vivê-las integralmente, oferecendo-me aos ribeirinhos para compreender seus dramas e tentar, de alguma forma, ajudá-los a superar suas imensas dificuldades. O restante da viagem foi uma verdadeira aventura de lutas contra a opressão que sofrem os quilombolas e indígenas, sem deixar de observar o lado belo e onírico desse rio fantástico e completamente brasileiro.

Porque você decidiu registrá-la em um blog?
Por que precisava me comunicar com as pessoas e percebi que o blog era o meio mais eficiente e cronológico de fazê-lo. Desde os primeiros momentos de planejamento da expedição registrei minhas impressões no blog. Meu compromisso era de não seguir uma linha editorial, mas deixar que os pensamentos, as reflexões e as manifestações de meu ser fossem registradas sem censura, apenas comprometidas com a realidade que passou a ser minha vida, durante um ano. O blog foi fundamental para o sucesso da expedição.

Como foi a receptividade do blog?
O blog foi um sucesso absoluto! Já tive mais de 30.000 visitantes. Mesmo hoje, tendo deixado de escrever, ainda tenho centenas de visitas por mês. Em 2009 ganhei o primeiro prêmio Top Blog na categoria SUSTENTABILIDADE pelo Juri Popular. Recebi centenas de manifestações escritas, seja por e-mail, seja em comentários nas publicações que fazia.

Quais foram as principais impressões que você extraiu dessa jornada e as cidades que mais chamaram sua atenção?
As impressões são muitas, desde a perplexidade diante da devastação da Natureza ao longo de seu curso, o descaso das autoridades, a paixão pelos ribeirinhos, minha identificação com a causa dos quilombolas, indígenas e assentados, o êxtase pela beleza incomparável das cenas que o rio proporciona em toda sua extensão, a tristeza de não poder fazer mais por ele. Conheci pessoas fantásticas, que me mostraram que o rio ainda é desconhecido dos brasileiros; percebi de perto sua arte única, passei por situações extremas e fui feliz. As cidades que mais marcaram minha expedição foram Iguatama, minha primeira parada, Três Marias, ponto de inflexão na jornada, Pirapora, São Romão, Itacarambi, Malhada, Bom Jesus da Lapa, Paratinga, Barra, Xique-Xique, Petrolina, Santa Maria da Boa Vista, Cabrobó, Paulo Afonso, Piranhas e Piaçabuçu, todas com muito envolvimento meu.

Você manteve contato com os moradores das regiões visitadas? Você acredita que eles já possuem uma conscientização política sobre a importância da preservação do meio ambiente?
Sim, mantive contatos com o povo e, a partir de Três Marias eu passei a entrar em mais cidades, falar com as pessoas, visitar quilombos, acampamentos de sem-terra, assentamentos, discuti com os movimentos populares e abracei suas causas, conheci lideranças e vivi seus dramas. No entanto, não creio que as populações do Rio São Francisco tenham plena consciência da situação do Meio Ambiente, pois cada região sabe de si mesma, não conhece o que está antes de si e não sabe do que vem depois; não tem a percepção de que até pequenas ações predadoras podem levar à extinção da fauna, da flora e do próprio sistema hídrico. Muitos pequenos afluentes já desapareceram e mesmo os grandes rios perdem água ano após ano. As administrações públicas pouco fazem para conscientizar suas populações de seu compromisso com o meio ambiente, o esgoto é jogado displicentemente no rio e em seus afluentes, as matas ciliares estão muito destruídas, e em alguns locais já desapareceram completamente, causando a queda de barrancos, o alargamento do rio e seu assoreamento. Já não podemos dizer que seja um rio navegável, pois as represas impedem sua travessia; apenas Sobradinho possui uma eclusa, mas poucos barcos se aventuram a cruzar suas águas. Ninguém se dá conta de que o rio foi fragmentado pelas barragens e isso afetou definitivamente o ciclo da vida em suas águas. Para que o rio sobreviva, seria necessário engajar sua população em campanhas de conscientização; fortes investimentos deveriam resgatar os afluentes e proteger as matas ciliares. Temo pela morte do rio, até porque, a nova versão do Código Florestal já não mais protege as áreas de preservação permanente, como são as margens do rio. O São Francisco chega a ter mais de um quilômetro de largura em seu leito natural e cerca de 3 km na sua foz; dentro de Sobradinho chega a 35 km de largura; no entanto, as matas ciliares, na maior parte de seu percurso, não passam de uns poucos metros, violentando a legislação, impunemente. Eu creio que uma nova geração de pessoas comprometidas com o Meio Ambiente poderia reverter esse quadro de desolação; mas seria preciso investir fortemente na educação ambiental, desde a pré-escola, em todas as escolas do país para, quem sabe um dia, se possa entender a imensidão de nossos paraísos ambientais, seja no rio São Francisco, seja na Amazônia, na Mata Atlântica, nos Cerrados e Caatingas. Infelizmente, ainda existem milhões de brasileiros que acreditam que os Cerrados devam ser destruídos para dar lugar às plantações de soja, cana-de-açúcar, e à criação de gado. Eles se esquecem que todo mundo precisa de ar e de água, e que, sem as riquezas naturais, esses recursos naturais chegarão, inexoravelmente, à extinção, que será, certamente, o desparecimento do próprio Homem na Terra. O Ser Humano é egoísta e mesquinho, e só pensa em seu bem-estar. Nem concebe que seus filhos, seus netos, seus descendentes serão privados de conviver com a imensidão de belezas que se escondem por detrás das matas, das montanhas, sob o mar...

Entrevista publicada no número 32 da Revista "CONTERRÂNEOS" do Banco do Nordeste do Brasil (BNB)

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Minha Canoa está de volta!


Não posso deixar essa data passar em branco: meu amigo CLOSÉ LIMONGI, Jornalista e Mineiro, duas qualidades insuperáveis, conseguiu buscar minha canoa "ULYSSES" em Aracaju e levá-la para Belo Horizonte, onde ficará até que não a queiram mais! Closé, meu caro amigo, muito obrigado!

É um sentimento estranho, que me reconduz ao meu Velho Chico, trazendo-me à memória os longos e inesquecíveis dias que compartilhei em sua companhia única... Velho Chico, uma vida que se desenrolou por 99 dias, 99 tardes, 99 pores-do-sol incríveis, 99 noites de solidão, meditação e sonhos, alguns impossíveis, outros que me motivaram a seguir em frente...

Meu Velho, meu Chico... um dia, quando o tempo me levar dessa vida, minhas cinzas repousarão em seu leito estremecido pelos maus-tratos, pelo descaso de tantos, e pelo amor de alguns abnegados que louvaram suas belezas, suas histórias, suas lendas...

Que minha velha canoa seja bem tratada e desperte em alguns a paixão que me conduziu pelos seus caminhos infinitos... quem sabe, em breve, eu possa revê-la e derramar a lágrima derradeira, aquela que restou das tristezas que presenciei pelos seus caminhos, Velho Chico...

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Arte e Inspiração

Perdi a minha Arte... já disse, um dia, em um poema, que "Arte é Inspiração". Pelo menos, assim penso que seja quando se trata de poesia. A poesia não depende do talento; ela brota de dentro do ser e irrompe avassaladoramente, obrigando o poeta a manifestá-la perante o mundo, ainda que contra a sua vontade! Foi assim comigo; durante dois anos esse fluxo de mensagens fluía naturalmente, sem que eu precisasse sequer retocar o que escrevia com tanta facilidade.

Se minha arte era rica, não importa. Sei que tinha seu valor e expressava meus pensamentos de forma clara, concisa e lírica como eu nunca mais o faria, pois essa erupção poética se extinguiu assim como chegou. Não lamento, pois creio ter dito tudo o que desejava nesses poucos meses em que fui visitado pela Poesia.

Meus textos são duros, difíceis de encontrar adeptos porque eu falo aquilo que todos se recusam a admitir: que o mundo dos homens não é belo, que a brutalidade das relações se esconde sob as máscaras de cada um, enquanto nossos pensamentos refletem nossa verdadeira personalidade, que ocultamos até de nós mesmos.

Escrevi por mais dois anos sobre o rio... não um rio qualquer, mas o Meu Velho Chico, companheiro de viagem, confidente e amigo, que me acolheu por tanto e longo tempo, compreendendo minhas razões e expondo seu sofrimento devido à ação cruel dos homens. O Velho Chico está lá, percorrendo incessantemente os mesmos caminhos, definhando amarguradamente enquanto dilaceram sua artérias, inexoravelmente...

Eu, por meu turno, segui outros caminhos, não para enriquecer-me de belezas, mas para sentir a dor ainda maior de conviver com inimigos, percebê-los tramando contra mim, que continuo passivo, apenas aguardando o fim que se aproxima. Não da vida, que dela nada sei; nem da morte, que essa seria definitiva e expiaria todo sofrimento... mas da existência por si mesma, aquela dádiva não desejada, concedida ao nascer e confiscada em cada instante do viver. Para ela não há salvação possível, apenas esperar.

No entanto, esses caminhos cruéis que tomei para mim não têm compensações, como aquele por-do-sol que está no ocaso de cada novo dia. Apenas mágoas e revoltas inúteis, pois sou eu quem está na trilha errada; todos os demais encontram-se em seu ambiente natural, e nem percebem que ele é escuro, perverso, sem vida, sem cores, sem sonhos...

Cá estou, no âmago do monstro que me devora vivo, arrastando-me pelas estradas que levam ao meu destino final: a expiação de meu pecado original de pensar em um mundo melhor, justo, digno, ético, igualitário e feliz. Não devemos sonhar: é proibido, perigoso e inútil!

sábado, 27 de novembro de 2010

O Fim de um Ciclo

Aqui se encerra mais um ciclo de minha vida. Depois de quase dois anos alimentando este blog com minhas considerações, idéias, pensamentos, termino assim o meu blog. Ele continuará ativo para quem queira ler meus textos e conhecer minha expedição. Agradeço a todos aqueles que me prestigiaram com sua atenção, leituras e comentários e espero ter contribuído para a preservação ambiental, particularmente na defesa do rio São Francisco, cujas lembranças permanecerão em minha memória enquanto eu existir. Um grande abraço a todos...

sábado, 13 de novembro de 2010

Às margens do rio Negro

Chove a cântaros aqui na Amazônia Ocidental. O calor é insuportável nos intervalos das chuvas, e provoca um imenso volume de evaporação que, por sua vez, realimenta o ciclo das águas. Como é fantástica a Natureza! Um ciclo perfeito que assegura a vida em nosso planeta! Apesar disso, as águas do rio Negro continuam a baixar, exibindo as pedras, cada vez mais freqüentes em seu leito, e dificultando a navegação, única forma de transporte entre as áreas urbanas de São Gabriel da Cachoeira e as aldeias indígenas situadas a montante do rio e de seus afluentes.

Estou há dois meses aqui, aprendendo a gostar dessa gente humilde e apreciando as oportunidades que me são concedidas de caminhar nas trilhas da solidariedade. Este mês fiz um curso de piscicultura: quinze dias coletando informações sobre espécies da região, como o Aracu, o Tambaqui, Tucunaré, Pirarucu, Matrinxã e tantos ourtos peixes de grande aceitação e consumo nas mesas dos habitantes locais. Construímos um tanque flutuante com ripas entrelaçadas por cipós, que podem durar mais de um ano e abrigar centenas de peixes.

Também aprendi a extrair as ovas de fêmeas de Tambaqui e Matrinxã e inseminá-las, antes de colocá-las nos berçários, gerando alguns milhões de alevinos que irão repovoar os tanques e os rios. A piscicultura é uma das opções de melhoria da segurança alimentar das famílias indígenas. Ao longo de séculos de ocupação e desagregação de costumes e tradições os indígenas também contribuíram para a redução dos estoques de peixes nos igarapés; sua alimentação tornou-se precária, carente de proteínas, e nossos projetos visam oferecer alternativas simples e de baixo custo para a melhoria das condições de saúde e da qualidade de vida dos índios.

São centenas de comunidades que habitam a bacia do rio Negro. Só de Yanomamis são cerca de 5.000 índios. Estes vivem em semi-isolamento, na região montanhosa do Parque Nacional do Pico da Neblina. Duas dezenas de etnias coabitam o Alto Rio Negro e seus principais afluentes: Uaupés, Tiquié, Içana, Xié... milhões de igarapés abastecem um intrincado complexo de rios que levarão suas águas para a bacia Amazônica, a maior do mundo em extensão e volume de águas. A bacia do rio Negro também é a maior bacia de águas pretas do mundo. Sua coloração é devida aos compostos orgânicos, ricos em tanino.

Nessa região, a floresta alterna espaços com uma vegetação mais pobre, conhecida como Campinaranas, ou Caatinga da Amazônia, terras muito pobres em nutrientes, solo arenoso e extremamente ácido, que reduz o volume de fitoplâncton e zooplâncton de suas águas límpidas e cor de chá preto. Por isso, a capacidade de manutenção da vida nesses rios de águas pretas é baixa; poucas espécies se adaptaram à acidez e falta de alimentos.

Muitas localidades, na fronteira com a Colômbia, demandam 48 horas contínuas dentro de uma voadeira (barco a motor), ou quatro a cinco dias de viagem, atravessando corredeiras e sob um sol causticante de 35ºC, cuja sensação térmica é de mais de 40ºC. As aldeias limítrofes com a Colômbia têm presença permanente do Exército, que não apenas controla e protege as fronteiras, mas também dá auxílio às populações indígenas, oferecendo assistência médica e apoio logístico em casos mais graves que exigem translado do paciente.

Não é raro encontrarmos indígenas com pernas amputadas em decorrência de picadas de cobras, muito comuns nas matas da região. Alguns não sobrevivem e nem mesmo são atendidos a tempo de se ministrar soros anti-ofídicos devido ao isolamento em que se encontram. O Ministério da Saúde mantém equipes de atendimento médico em toda a região, através dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, mas a região é muito extensa.

Esta é a minha realidade, lugar que escolhi morar para contribuir com meu trabalho para a transição dos indígenas, de seu estado atual de enorme dependência do Estado, para uma situação de auto-suficiência de que já gozaram um dia remoto no passado. A transição é inevitável: a partir do momento em que a "civilização" os tocou, contaminando sua alma, nada mais se pode fazer para reverter essa situação. Por isso, é necessário se preservar o que é possível, resgatando a memória desse povo e registrando-a em compêndios que, um dia, serão suas únicas recordações de seus tempos primitivos.

Atualmente, muitos indígenas são professores nas aldeias, outros se formaram técnicos agrícolas, alguns poucos chegaram aos bancos acadêmicos e hoje são mestres e doutores. Mas a absoluta maioria ainda padece da mais cruel e insensata ignorância, viciados pela religião e pelas drogas. A primeira lhes solapa a vontade, resignados pelas promessas de salvação de suas almas. A segunda lhes rouba a dignidade e os torna vítimas dos piores males da "civilização": a bebida, as drogas, a prostituição, a mendicância... centenas de mortos-vivos arrastando-se pelas ruas das urbanidades dominadas por imigrantes de outras terras e culturas.

Assim são as margens do rio Negro, cujas pedras guardam memórias milenares e cujos seres se perdem nos caminhos inundados, com seus sonhos desfeitos e sua memória perdida.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Propostas equivocadas

Dentre as promessas de campanha, Dilma evidencia a incoerência de suas políticas públicas, muitas das quais antagônicas quanto a seus impactos sobre o Meio Ambiente, o que demonstra seu desconhecimento da matéria, ou apenas a necessidade de conquistar o eleitorado durante os meses que antecederam as eleições presidenciais. Cito abaixo algumas dessas "promessas", publicadas em "O GLOBO" em 01/11/2010.

OUTRAS FONTES DE ENERGIA


142. Fazer uma política com ênfase na produção de energia renovável e na pesquisa de novas fontes limpas. Construir parques eólicos.

Seria muito bom se esse fosse, realmente, um compromisso de Presidente da República. Afinal, há muitos anos se discute o uso de recursos renováveis em substituição a fontes tradicionais de produção de energia. Mas vejam o próximo item:


143. Desenvolver o potencial hidrelétrico do país.

Certamente, dentre as fontes primárias de produção de energia, o uso do potencial hidrelétrico do país foi o que causou maiores danos ao meio ambiente. As gigantescas hidrelétricas como Itaipu, Sobradinho, Três Marias, Tucuruí, dentre tantas, causaram danos irreparáveis à Natureza. Além da imensa área alagada, que caracteriza esse tipo de empreendimento, há o bloqueio dos rios, interrompendo seu ciclo natural, com enormes perdas de mobilidade de espécies, muitas vezes até com sua extinção. O governo Lula deu prosseguimento a essa modalidade de exploração de energia e Dilma diz que fará o mesmo.


144. Ampliar a liderança mundial do Brasil na produção de energia limpa.

Depois da revelação de sua preferência pela energia hidrelétrica, Dilma se contradiz afirmando que o Brasil se tornará o líder mundial em energia limpa.


145. Expandir o etanol na matriz energética brasileira e ampliar a participação do combustível na matriz mundial.

Novamente a contradição: para se produzir etanol são necessárias imensas áreas de plantação de cana de açúcar, com trágicas consequências para o meio ambiente. Não há coerência entre tais propostas.


146. Incentivar a produção de biocombustíveis.

O que são os biocombustíveis senão resultado de monoculturas que exigem a ocupação de imensas áreas territoriais, geralmente confiscadas de ambientes naturais, como áreas de cerrado ou até de matas preservadas? Pois muitas regiões do país tiveram suas reservas naturais destruídas pela produção de matérias primas para o biocombustível, como é o caso de Mato Grosso.



MEIO AMBIENTE

147. Reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia.

Isto significa que, mesmo tendo atingido a meta, 20% do desmatamento atual continuará devastando nossa Floresta Amazônica. Apenas estaremos postergando a tragédia final, que será o fim a Amazônia. Não existe nenhum estudo científico que afirme que esse nível de desmatamento seja tolerável pela floresta e impeça sua total destruição. O único nível de desmatamento possível para a Amazônia, a Mata Atlântica e outros biomas nacionais é DESMATAMENTO ZERO! Já temos áreas agricultáveis em quantidade suficiente para abastecer nossa população de alimentos por milhares de anos. O que é preciso é aumentar a produtividade por espaço físico, e isso a EMBRAPA já oferece com competência.


148. Ter tolerância zero com desmatamento em qualquer bioma.

Como assim: e o que foi dito na proposta anterior? Tolerância zero com 20% de desmatamento?


149. Incentivar o reflorestamento em áreas degradadas.

De que forma será esse incentivo: através de isenção de impostos? De perdão das multas pelo desmatamento já realizado? Quem fará esse reflorestamento? Como acreditar nessa proposta?


150. Antecipar o cumprimento da meta de reduzir as emissões dos gases do efeito estufa em 36% a 39% até 2020.

Mais uma vez, a hipocrisia: de onde tiraram nossos diplomatas esses números percentuais quando foram apresentados à comunidade internacional? É preciso se trabalhar em um projeto sério de planejamento para se saber como extrair o máximo de nossas áreas agricultáveis para poder prescindir de novos desmatamentos. Também é necessário se investir em novas fontes de energia não poluentes para se afirmar com algum nível de certeza em metas percentuais tão agressivas. Nosso atual modelo produtivo, que exporta matérias-primas sem valor agregado, em lugar de alta tecnologia com elevado valor agregado, não permite propostas tão corajosas e arrojadas. São apenas propostas eleitoreiras.


151. Dar prioridade à economia de baixo carbono, consolidando o modelo de energia renovável.

Mesmas considerações acima: propostas vãs, sem respaldo científico ou tecnológico.


152. Considerar critérios ambientais nas políticas industrial, fiscal e de crédito.

Esse deveria ser o primeiro item desta série, e deveria incluir as políticas agrícolas, que hoje privilegiam a agro-indústria, como se verá abaixo, maior responsável pelos desmatamentos no país.



REFORMA AGRÁRIA E AGRICULTURA

153. Reduzir as invasões no campo.

As invasões no campo são consequência de uma promessa nunca cumprida de fornecer terras para os trabalhadores rurais. Enquanto não houver uma reforma agrária séria e compromissada, não se acabará com as tensões no campo. Basta conhecer os conflitos fundiários no oeste baiano.


154. Não compactuar com invasões de prédios públicos e propriedades. Mas não reprimir manifestações de sem terra quando estiverem simplesmente fazendo reivindicações.

Esse é um compromisso irrelevante. É obrigação de todo governante proteger os prédios e propriedades públicas que estão sob sua guarda e responsabilidade.


155. Intensificar e aprimorar a reforma agrária para dar centralidade na estratégia de desenvolvimento sustentável, com a garantia do cumprimento integral da função social da propriedade.

A reforma agrária nunca saiu do papel; mesmo nos assentamentos realizados, sempre faltou assistência técnica e extensão rural aos novos trabalhadores. Sem orientação, a maioria acaba por abandonar suas terras e retornar às áreas urbanas, agravando as tensões sociais. Meia reforma agrária é como meia gravidez.


156. Ampliar o financiamento para o agronegócio e a agricultura familiar.

(grifo meu) Quando lidamos com o agronegício devemos recordar que o Brasil possui um rebanho de 200 milhões de cabeças de gado, uma área de plantio de soja e cana de açúcar maior do que a maioria dos países do mundo, e que ao exportarmos produtos agrícolas primários, assim como a exportação de minérios, estamos jogando fora nossas maiores riquezas naturais, pois para cada gado no pasto extensivo, centenas de árvores foram abatidas. Não é esse o caminho inteligente. Agora, falar de agricultura familiar no Brasil é brincadeira! As verbas são irrelevantes! Existem milhões de pequenos e micro-agricultores em nosso país; eles representam 95% dos homens do campo e só percebem 5% da renda das propriedades agrícolas nacionais. Muitos ainda são semi-escravos da indústria, produzindo sob contratos leoninos, que os impedem de participar da livre concorrência, um dos pilares do Capitalismo!


157. Assegurar crédito, assistência técnica e mercado aos pequenos produtores. Vai ampliar inclusive o programa de compra direta de alimentos do agricultor familiar, passando de 700 mil para 1,2 milhão de contemplados. Ao mesmo tempo, apoiar os grandes produtores, que contribuem decisivamente para o superávit comercial.

70% de aumento previsto. Quanto cresceu o agronegócio durante o governo Lula?


158. Incluir dois milhões de famílias de pequeno agricultores e assentados no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

Novamente, números baseados em intenções de voto. Quanto representam esses números em esforço e em recursos a serem carreados para esse propósito? Como se chegou a esses números? As campanhas deveriam ter se baseado em apresentar e comprovar a viabilidade de tantas metas arrojadas...


159. Dar mais apoio científico e tecnológico a organismos como a Embrapa.

A Embrapa não precisa de apoio científico ou tecnológico. É uma das mais bem sucedidas empresas nacionais, mesmo sendo pública. Dela saem os melhores resultados em pesquisa pura e aplicada ao campo. O que é preciso é convencer os demais órgãos públicos, inclusive o Ministério da Agricultura a competência dessa empresa exemplar: não há necessidade de expandir as fronteiras agrícolas; apenas é preciso investir em aumento da produtividade. Não seria necessário abate de mais uma única árvore!



IRRIGAÇÃO

160. Fazer 54 obras para melhorar os indicadores de saúde das comunidades ribeirinhas do Norte.

Que obras são essas? Quanto custam? Para que servem? Onde se localizam? Que comunidades são essas? É o mesmo que dizer "construir mais 54 pontes nos rios do Norte"! Temos milhões de rios!


161. Construir sistemas de irrigação no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste.

Só faltaram o Norte e o Nordeste... que proposta mais vazia e desprovida de significado! É esta nossa Administradora que foi capaz, sozinha, de gerenciar o PAC e o PAC-2? Aliás, onde estão os PAC´s nessas propostas? PAC são Programas Ausentes de Crédito, um "monte" de obras desconexas que, para efeitos eleitoreiros foram agrupadas no mesmo "feixe". O que precisamos é de planejamento de longo prazo, projetos integrados que não consumam recursos desnecessários e sejam aprovados pela população.


162. Continuar a transposição das águas do Rio São Francisco.

Tragédia das tragédias: a Transposição do rio São Francisco é o Elefante Branco das obras de Luiz Inácio LULA da Silva. Um projeto dos tempos do Império que, ressuscitado, sequer foi atualizado com o acordo das populações ribeirinhas do São Francisco. Aprovado nas catacumbas do poder, foi implementado à força pelo Exército, desviando águas de um rio moribundo para abastecer reservatórios e bacias de outros estados, enquanto a população ribeirinha do Velho Chico padece da fome e da seca. Provem que uma única família do São Francisco receberá água dessa obra faraônica!



Ainda faltou o principal compromisso que deveria constar de todas as campanhas eleitorais dos candidatos: impedir, de todos os modos possíveis e negociáveis, o desvirtuamento de uma de nossas melhores legislações - o Código Florestal Brasileiro! Depois de gravemente ameaçado pelo NEO-RURALISTA Aldo Rebelo, nossa legislação florestal está ameaçada de extinção, assim como nossos rios e florestas! Tentar impedir essas mudanças é dever e obrigação de todo político e de todo brasileiro consciente. Perdoar as dívidas dos desmatadores, dos criminosos que quase acabaram com as mais promissoras áreas de cerrado e floresta subtropical é um crime maior do que daquele que o praticou.

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