terça-feira, 10 de novembro de 2009

Xique-Xique: 1.700 km percorridos!


Cheguei a Xique-Xique ontem, no iníco da noite. Foi bem complicado, pois parei em um lugar ermo, estranho e já escurecia... tentei meus contatos aqui e em Juazeiro, mas não conseguimos nenhum apoio. Resolvi retornar até um canal por onde passavam barcos  grandes e que eu vira na chegada. Dei sinal para alguns, mas ninguém parava; parecia até que não me viam! Segui adiante e vi luzes em um casarão que me pareceu um hotel.


Quado subia o barranco, duas pessoas me recomendaram a não parar ali, pois o risco de assalto era grande. Disseram-me que logo adiante haveria um porto com muitos barcos e eu poderia pedir auxílio. E foi isso que aconteceu: parei ao lado de um barco e pedi para pernoitar ali mesmo. Um senhor idoso e seus dois filhos me acolheram e me tranquilizei.


Conversando com esse velho pescador, ele contou uma lenda (no qual ele acredita!), dizendo que o Surubim, quando envelhece, se torna um monstro: crescem cabelos sob as guelras e pelo corpo todo, e ele se transforma em um ser perverso e comedor de gente! Contou até a história de um conhecido deles, que foi devorado por um surubim; quando conseguiram tirá-lo das garras desse animal, já era tarde...


Lendas à parte, o fato é que consegui ficar em segurança, embora não tenha dormido mais do que alguns minutos; chegou um grupo de pessoas no barco ao lado e conversaram durante horas. Quando paravam, chegou outro barco, parou ao lado, e desembarcaram umas dez pessoas, além de muita carga. Depois passaram todo o pescado para os tanques e cobriram de gelo. Quando fecharam as cortinas para dormir, eu já tinha perdido o sono. Para piorar, senti frio na magrugada...


Saí de Barra às oito da manhã, depois de uma despedida emocionante de irmã Irene, que me abençoou e me deu vários presentes, e de Dra. Maria Eloá, que também me presenteou com frutas e lembranças. Nunca me esquecerei dessa passagem por Barra do rio Grande, uma cidade histórica e repleta de histórias!


Lá conheci a professora Joana Camandaroba, uma senhora de 95 anos, muito lúcida e que começou sua carreira de escritora aos 80 anos! Já publicou quatro livros e prepara seu quinto volume. Tem uma memória privilegiada e me recebeu em sua casa para um chá e uma entrevista deliciosa! Ela possui um museu de peças raríssimas, que vai de uma coleção de pratarias e peças de todo o mundo, que amealhou em suas viagens, até o solidéu (pequeno boné sem aba) que ganhou do papa Pio XII, em Roma. Ela me deu um de seus livros, com uma extensa dedicatória! Depois ganhei outro livro dela, "O último canto do cisne" da sra. Helena, proprietária do Espaço Cultura, uma livraria interessante no centro da cidade.


Em Barra fiquei hospedado no Palácio Episcopal a convite de Frei Luiz Cappio, o Bispo da Diocese. Dom Cappio é uma personalidade carismática, calmo e sereno, discípulo de Leonardo Boff, o autor de Teoria da Libertação e membro da Igreja Progressista que surgiu na década de 60 e 70, durante e depois do Concílio Vaticano II. No Brasil ficaram conhecidos os bispos Dom Pedro Casaldaglia, de Félix do Araguaia, Dom Evaristo Arns, de São Paulo e Dom Hélder Câmara, de Olinda e Recife.


Frei Luiz, como carinhosamente o chamam as pessoas das comunidades pobres do Sâo Francisco, é um verdadeiro Franciscano, austero e humilde, como o Santo, engajado na luta pela defesa do rio e de sua população mais carente, e posuidor de uma fala brilhante e contundente, contrário à obra faraônica da transposição, e em defesa de um projeto de Revitalização, não só do Rio Sâo Francisco, mas de toda a população que dele depende para sobreviver. Isso inclui uma verdadeira Reforma Agrária e a revisão dos mega-projetos desenvolvimentistas que mais contribuem para a morte do rio.


Tive o privilégio de conviver alguns dias com todas essas pessoas e recebi um presente inesquecível de Frei Luiz: um depoimento gravado,  que em breve colocarei neste blog para deleite de todos vocês. Frei Luiz também foi generoso comigo: ligou para minha mãe e lhe deu sua bênção, repleta de palavras bondosas e amorosas para a pessoa a quem mais quero bem nessa vida!


Agora sigo meu caminho em direção à foz: quinta-feira chegarei em Pilão Arcado, onde pegarei nova carona para Remanso e Sento Sé, até chegar a Sobradinho, para transpor a barragem e chegar a Juazeiro e Petrolina. De lá só faltarão 700 km até o mar, e ainda terei uma portagem de 180 km para superar Paulo Afonso e Xingó. Estou no fim de minha jornada e me sinto muito bem com isso!

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