Fonte: Tribuna da Bahia 24/11/2011 01:20
Nelson Rocha - REPÓRTER
Em dezembro de 2007, o bispo dom Luiz Flávio Cappio, 65, de Barra, interior baiano, fez greve de fome contra o projeto da transposição das águas do rio São Francisco. Dois anos antes, o religioso passou onze dias sem comer pelo mesmo motivo. Ele condicionava o fim da greve de fome à paralisação da obra e arquivamento do projeto que transfigura o Velho Chico e defendia a revitalização do rio e o convívio do sertanejo com a seca.
O governo afirmou que não iria paralisar a obra, avaliada em R$ 6 bilhões. Alegou que a transposição beneficiará 12 milhões de pessoas.
Agora, mais uma voz se faz ouvir pelo mesmo motivo: a do engenheiro civil Manoel Bonfim Ribeiro, ex diretor do Departamento Nacional de Obras Contra Seca (DNOCS), que na terça-feira, pela manhã, fez uma palestra na Associação Bahiana de Imprensa (ABI), a convite do presidente da casa Walter Pinheiro, apontando erros e acertos da maior obra do Programa Aceleração do Crescimento (PAC).
“O projeto da transposição do rio São Francisco, para o semi-árido brasileiro, está devagar quase parando”, disse na oportunidade. “Isto se deve, naturalmente, a falta de entusiasmo da sociedade.
As obras foram licitadas, começaram realmente os trabalhos, mas ocorre que o pessoal da região não luta com garra pela transposição por que ela é desnecessária. Não só para o meu conceito, mas para o conceito da própria sociedade.
Nós temos uma rede de açudes fantástica na região. São mais de 70 mil açudes, muitos primorosos, todos oficiosos. O que é preciso é dar funcionalidade a estes açudes”, declarou, acrescentando: “As obras da Copa vão acontecer porque a sociedade está acompanhando e o evento é empolgante. A obra do São Francisco é no interior, longe dos olhos de todos. Ninguém toma conhecimento do que está se passando”.
O canal do rio São Francisco tem 720 km de extensão a partir de Cabrobó, interior de Pernambuco. Ao longo do trecho há rachaduras, placas soltas, mato expandindo-se, vacas pastando em torno da obra, tudo exposto inclusive na internet. Nada, porém, comparável ao acidente que fechou o túnel Cuncas, na divisa do estado da Paraíba com o Ceará, de 15 kms, em fase de construção e o maior do mundo para a travessia de água.
“Mas já estão abrindo. Um acidente que ocorre em qualquer obra desta natureza. Acontece que a parte física da obra deveria estar mais avançada. O problema é a importância sócio-econômica da obra. Nós estamos construindo essa obra pra que? Ao que ela vai servir?”, questiona o engenheiro piauiense Manoel Bonfim.
“Nós temos água com fartura no Nordeste. São 40 bilhões de metros cúbicos de água armazenados. Nós não precisamos das águas do São Francisco pra coisíssima nenhuma”, afirma o engenheiro que considera a obra em questão, desprovida de significado. “Ela não vai mitigar a sede do nordestino. Aliás, se fosse pela obra o nordestino já teria morrido de sede”, disse à Tribuna.
Ainda faltam construir 27 aquedutos na obra que, conforme o engenheiro Manoel Bonfim, só avançou em torno de 15% em três anos. “Não se faz uma obra desta da noite para o dia".
Pela sua magnitude ela vai demorar muitos anos para ser construída. Não se faz em menos de dez anos”, prevê. Quanto ao olhar do nativo diante da transposição do rio São Francisco, o engenheiro diz perceber que este “se sente incomodado. Ele tem água. Claro que mais água, melhor, isto em qualquer lugar do mundo. Mas isto não quer dizer que o nordestino esteja premente de água, senão não irá sobreviver. Não existe isto. Ele tem a vida dele equacionada, com o seu açude”.
Sistema de adutores
Se tivesse a oportunidade de conversar com a presidente Dilma Rousseff, o engenheiro Manuel Bonfim diz que pediria a ela que parasse imediatamente com a obra da transposição. “Em qualquer estágio que a obra parar é lucro. É uma obra que não vai funcionar. O que falta é um sistema de adutores interligando os açudes e levando água às diversas comunidades. Foram construídos e estão lá apenas recebendo a luz do sol e sendo evaporados”, concluiu.
A transposição do rio São Francisco prevê o desvio de até 26 mil litros de água por segundo, do rio para canais e leitos secos nos Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. A obra, com 16 frentes de trabalho, 14 com grupos privados e 2 com o Exército, aliás, as únicas que seguem trabalhando.
Com o risco de se transformar numa “transamazônica”, a estrada que não chegou ao fim, o projeto do governo federal desperta a posição contrária da oposição.
Recentemente o presidente estadual do Democratas, José Carlos Aleluia, evitou falar sobre os recursos anunciados pela presidente Dilma Rousseff para a segunda etapa do metrô de Salvador, mas fez o seguinte comentário: “Espero que o metrô não tenha o mesmo destino da transposição do rio São Francisco que no futuro será vista como uma obra incompreensível e misteriosa”.
De acordo com um levantamento do Ministério da Integração Nacional, dos lotes executados pela iniciativa privada através de consórcios de empreiteiras, oito estão em ritmo adequado ou lento, enquanto cinco lotes encontram-se paralisados.
O titular da pasta, ministro Fernando Bezerra Coelho, ao fazer um balanço recente das obras da Transposição do rio São Francisco, denominado pelo governo federal de Projeto de Integração de Bacias do Rio São Francisco, comentou:
“Depois das hidroelétricas, a obra da Transposição é a maior do PAC. Uma obra complexa, com muitas frentes de serviço. Cada contrato exige um processo de negociação difícil. Este ano nos dedicamos à revisão dos preços dos contratos, que foram feitos entre 2006 e 2007”, revelou.
Conforme o ministro da Integração Nacional, as metas acordadas com a presidente Dilma Rousseff em agosto deste ano estão mantidas, com lançamento do protótipo da transposição no último trimestre do próximo ano; entrega do Eixo Leste até o fim de 2014 e finalização do Eixo até o fim de 2015.