segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Rio São Francisco em descaminho: degradação e revitalização

Andrea Zellhuber e Ruben Siqueira

Fala-se muito, hoje, da necessidade de revitalizar, preservar e conservar Bacias hidrográficas. Revitalização de Bacias hidrográficas passou a ser assunto recorrente na mídia, sobretudo desde que essa se interpôs no caminho da transposição de águas do Rio São Francisco para o chamado Nordeste Setentrional. Como a expressão é citada por leigos, especialistas e aficionados, acaba por não ter um conceito bem definido. Cada um usa esta palavra-chave de acordo com seus interesses.

Por certo, a palavra “revitalizar” não poderá significar a acepção literal “devolver a vida perdida”, que isso é impossível. Mas, deverá estabelecer como meta recuperar a vitalidade, revigorar, dentro do possível, usando de todos os instrumentos disponíveis.

Porém, a disponibilidade de dados sobre a condição do Rio São Francisco, por exemplo em relação a um monitoramento contínuo da qualidade de água ou um levantamento da fauna aquática, é ainda muito precária. Mas os indícios da degradação já são tão alarmantes que mesmo sem levantamentos consistentes o estado deplorável da Bacia fica óbvio.

Neste artigo, discutimos a revitalização da Bacia do Rio São Francisco, verdadeira apenas se enfrentar os seus principais problemas, que são causas e resultados de um processo relativamente acelerado de degradação por usos sobrepostos, cumulativos e indisciplinados.

Os principais usos econômicos do São Francisco – produção de energia e agricultura irrigada – bem como os outros usos de seus recursos naturais, tais como mineração, carvoarias e siderurgia, remetem à permanência de um modelo de exploração econômica, que se não for substancialmente modificado, de nada adiantará esforços de revitalização.

Infelizmente, é esse o caso atual. O programa de revitalização do governo federal é tímido, não vai às raízes dos problemas, funciona mais como ”moeda de troca” da transposição, oferecida aos críticos dessa e ao povo da Bacia que resiste a aceitá-la.

As bases e razões do artigo provêm, além da pesquisa em dados secundários, da experiência dos autores junto a grupos e comunidades populares de vários segmentos da população, no projeto Articulação Popular pela Revitalização do São Francisco – CPT/CPP, há três anos desenvolvido em toda a Bacia. A idéia-proposta mobilizadora “São Francisco Vivo - Terra e Água, Rio e Povo” sintetiza a integridade ecológico-política do que entendemos por revitalização.

1. Indícios e causas da degradação


Para poder propor ações revitalizadoras consistentes, eficazes e eficientes, por primeiro, é preciso analisar porque o Rio São Francisco precisa de revitalização e quais as principais causas da degradação, da perda da vitalidade, que seriam, forçosamente, as frentes principais da revitalização, fosse para valer essa revitalização.

Dos indícios de degradação salta aos olhos o assoreamento. Calculam-se 18 milhões de toneladas de arraste sólido carreados anualmente para a calha do rio, até o reservatório de Sobradinho. A erosão, que é fruto do desmatamento e do conseqüente desbarrancamento (vide embaixo), além de alargar a calha do rio, gera uma carga elevada de sedimentos, que forma bancos de areia e “ilhas” (as chamadas “coroas” ou “croas”, no linguajar ribeirinho), constantemente se movendo e mudando de lugar.

O Rio São Francisco, pode-se dizer, é um milagre da natureza, pois faz o capricho de correr ao contrário e se estende do Sul mais baixo para o Norte mais alto, devido à falha geológica denominada “depressão sanfranciscana”. Isto o torna muito vulnerável, pois a pequena declividade (em média 7,4 cm por km) na maior parte de sua extensão, justamente a que recebe poucos afluentes, favorece o desbarrancamento e o assoreamento.

O assoreamento provoca anualmente uma perda de 1% da capacidade dos reservatórios (Coelho 2005, 138-139). Um indicador deste processo acelerado de assoreamento é a condição precária atual de navegabilidade do Rio São Francisco. Até pouco tempo o Rio era navegado sem maiores restrições entre Pirapora e Petrolina/Juazeiro (1.312 km), no médio curso, e entre Piranhas e a foz (208 km), no baixo curso. Hoje só apresenta navegação comercial no trecho compreendido entre os portos de Muquém do São Francisco (Ibotirama), na Bahia, e Petrolina/Juazeiro, na divisa entre Bahia e Pernambuco. Mesmo neste trecho, a navegação vem sofrendo revezes por deficiência de calado, sobretudo na entrada do lago de Sobradinho, onde um intenso assoreamento multiplica os bancos de areia (ANA et al. 2004b, 32).

Outro sinal alarmante da situação deplorável do Rio é a diminuição da sua vazão. Em 2001 o reservatório de Sobradinho chegou a 5% de sua capacidade (ANA et al 2004b, 20-21), em outubro de 2007 chegou a um pouco mais de 20% . Em combinação com a elevada carga de poluição doméstica e industrial que cai no Rio, o ecossistema aquático, nos períodos mais secos, regularmente chega ao colapso. O resultado são mortandades de peixes.

Em outubro de 2007, aconteceu em proporções inéditas um desastre ecológico decorrente desta poluição e da diminuição da vazão: uma contaminação com algas azuis (cianobactérias) que se proliferaram no Rio das Velhas e no Médio São Francisco, levando a uma enorme mortandade de peixes e à inadequação da água para consumo humano e animal, enquanto não aumentasse o volume com a chegada das chuvas nas cabeceiras. A infestação é efeito de uma alta concentração de emissões de esgotos domésticos e industriais, de agroquímicos e fertilizantes usados nas lavouras, que resultam em uma eutrofização dos cursos d’água. O mais problemático é o Rio das Velhas que coleta a maior parte do esgoto da região metropolitana de Belo Horizonte e que por isso é um dos rios mais poluídos da Bacia do São Francisco. Esta contaminação com cianobactérias mostra que em épocas de poucas chuvas o Rio não consegue mais diluir os poluentes. Mesmo com algumas melhorias dos sistemas de saneamento nos córregos Arrudas e Onça, em Belo Horizonte, o Rio não suporta mais carga de poluição, não tem mais capacidade de diluição das emissões. Isso pode ser causado por um aumento de poluição mas com certeza é um indicador da diminuição da vazão. Além disso, este desastre leva à tona o fato que a eutrofização pela agricultura intensiva não é resolvida com melhorias no saneamento ambiental das cidades.

Outro indicador bastante claro mas pouco considerado pelas autoridades é a diminuição constante do pescado no Rio São Francisco.

Para entender as causas dos sinais de degradação do ecossistema de um Rio é preciso olhar além da calha do Rio e observar toda a sua Bacia hidrográfica. O programa oficial de revitalização acintosa e sintomaticamente se nega a esse olhar ou não tira dele todas as conseqüências de decisão política.

1.1. Avanço descontrolado da agricultura intensiva de irrigação


Como uma das principais causas de degradação do Rio São Francisco, o modelo de produção agro-industrial vigente na Bacia vem causando uma cadeia de problemas ambientais. Desde os anos 70 a Bacia do Rio São Francisco vive uma acelerada e desenfreada expansão da agricultura intensiva.

Uma região em especial, onde a expansão de grandes monoculturas agrícolas de exportação se deu rapidamente e com impactos fatais é o Oeste da Bahia, no Médio São Francisco. Nesta região desde o fim dos anos 70 vem se expandindo a produção de grãos, como soja e milho, mas também algodão e pecuária. Deu-se um desmatamento muito rápido de grande parte da vegetação natural do Cerrado. Este avanço fica evidente na constatação de que na Bahia a área de produção de soja triplicou de 282.600 ha em 1990/91 a 872.600 ha em 2005/2006, sendo que o principal pólo deste cultivo fica no Oeste do Estado (Schlessinger & Noronha 2006, 28). Esta região é o epicentro do boom do cultivo da soja no Nordeste. Numa região onde há 25 anos predominava a produção de gado extensivo, hoje tem 1,5 milhão de hectares de agricultura intensiva de produção de grãos (Brannstrom & Filippi 2006, 277). O avanço do agro-negócio em grande parte da Bacia do Rio São Francisco tem efeitos catastróficos.

1.1.1. Desmatamento do Cerrado


O Cerrado é fundamental como manancial das águas que formam a Bacia do Rio São Francisco; ele é “é a caixa d’água do São Francisco”, como de resto, das principais Bacias nacionais. Os afluentes mais importantes nascem e crescem ali: os Rios Paracatu, das Velhas, Grande e Urucuia (ANA et al. 2004b, 21). O Cerrado é conhecido como a “floresta invertida” porque ele tem mais matéria orgânica vegetal no subsolo do que na parte superior do solo. O extenso sistema radicular das árvores capta água armazenada no fundo no subsolo nos períodos secos e é capaz de reter no mínimo 70% das águas das chuvas. Estas águas alimentam os lençóis subterrâneos, que por sua vez alimentam as nascentes, as veredas, as lagoas, os córregos, os riachos e os rios. Depois do desmatamento, todo o ciclo hidrológico é alterado. No Oeste da Bahia, com apenas 25 anos de exploração agrícola, registra-se o desaparecimento de inúmeros mananciais importantes (Sales 2006). As vazões dos afluentes do Rio São Francisco estão diminuindo devido aos mais de 600 pivôs centrais operando na região; em 1989 eram apenas 35 pivôs (Brannstrom & Filippi 2006, 282). Muitos afluentes do Rio São Francisco anteriormente perenes viraram rios intermitentes, devido ao excessivo e incontrolado uso das suas águas para irrigação. Em geral, dos 36 afluentes do Rio São Francisco, 16 rios até então perenes viraram intermitentes; entre eles se destacam o Rio Verde Grande e o Rio Salitre (Coelho 2005, 133).

O desmatamento do Cerrado é alarmante, chegando a 1,5% ou três milhões de hectares/ano. Isso equivale a 2,6 campos de futebol por minuto, uma velocidade duas a três vezes maior do que na Amazônia. Mantendo-se este quadro o bioma corre o risco de desaparecer até 2030. Dos 204 milhões de hectares originais do cerrado, 57% já foram completamente destruídos pelo processo de expansão da agricultura moderna e a metade das áreas remanescentes está bastante alterada e fragmentada (Machado et. al., 2004; Klink, 2005).

Além da perda de biodiversidade e do efeito dramático de extinção de mananciais, o avanço dos grandes monocultivos na região do Cerrado causa fortes processos de erosão. Até dolinas (grandes depressões provocadas pela dissolução de solos calcários, resultantes da supressão vegetal e rebaixamento do aqüífero), que ocorriam nos Cerrados mineiros já se observam também nos baianos. Os solos desta região são muito suscetíveis a processos erosivos devido ao pouco teor de argila. O cultivo convencional de produção de soja pode levar a uma perda de solo de 25 ton/ha/ano. Este solo que está sendo levado pelos afluentes do Rio São Francisco contribui em grande parte para o assoreamento acima referido.

1.1.2. Supressão da mata ciliar


Ainda mais drástica é a situação das matas ciliares do Rio São Francisco, elemento fundamental para o controle da erosão nas margens e para minimizar os efeitos das enchentes. Essas chamadas “matas de galeria” são essenciais para o equilíbrio ambiental, também por manter a quantidade e a qualidade das águas, pois funcionam como filtro natural dos possíveis resíduos de produtos químicos como agrotóxicos e fertilizantes, além de representar habitat muito importante para a fauna. No caso do Rio São Francisco estima-se de que 96% das matas ciliares das suas margens já foram destruídos.

1.1.3. Super-exploração dos mananciais pela agricultura irrigada


De toda vazão retirada do Rio São Francisco, 68% da água são usados para irrigação. A partir de meados dos anos 70 observa-se um crescimento quase exponencial da demanda de água devido à implementação de grandes projetos de irrigação. Em muitos dos 342.712 hectares de agricultura irrigada na Bacia do Rio São Francisco o uso de água se dá sem planejamento técnico e sem drenagem. Equipamentos de baixa eficiência, como pivôs centrais, causam grande desperdício.

A maior demanda de água na Bacia é da irrigação que se concentra no Médio e Submédio São Francisco. Implementados pela CODEVASF, são 26 perímetros irrigados no vale do São Francisco, e abrangem 105 mil hectares (quase 30% da área irrigada total). Das áreas irrigadas dentro da Bacia 13% ficam no Alto São Francisco, 50% no Médio, 27% no Submédio, e 10% no Baixo. As áreas de maior prática da irrigação são o Norte de Minas (os perímetros Gorutuba, Pirapora, Jaíba e Janauba), a região de Belo Horizonte, o Distrito Federal; no Médio São Francisco, as regiões de Formoso/Correntina, Barreiras, Guanambi e Irecê, na Bahia; no Baixo São Francisco, o Platô de Neópolis, em Sergipe. Especial destaque merece a região de Juazeiro-BA/Petrolina-PE (ANA et al. 2004b, 30).

Os grandes perímetros de irrigação foram concebidos e financiados como projetos públicos, contemplando também pequenos e médios produtores (colonos). Porém, ao longo dos anos, houve um forte processo de concentração das terras irrigadas na mão de empresas privadas, hoje voltadas para a produção de frutas nobres para exportação, basicamente uva e manga, as que dão o retorno econômico que compensa.

A implantação de um perímetro de irrigação público começa pela desapropriação dos antigos ocupantes (em teoria, teriam prioridade para adquirir os lotes irrigados). A seleção de empresas se dá por meio de concorrência pública. A empresa vencedora se torna proprietária de uma área dentro dos perímetros “públicos”. Quanto aos colonos selecionados, só recebem o título de propriedade após um prazo de dois anos, tendo que comprovar que são bons produtores e pagadores. Caso contrário, o lote é colocado à venda, num processo chamado “seleção natural”. Desta forma grande parte das terras irrigadas muito valorizadas vem parar na mão de empresas (Bloch 1996, 32).

Em algumas regiões a super-exploração dos recursos hídricos da Bacia do Rio São Francisco já resulta em sérios conflitos de uso entre agricultura irrigada, geração de energia e abastecimento humano, como na sub-Bacias dos rios Paraopeba, das Velhas, Alto Preto, Alto Grande, Verde Grande, Salitre e Baixo São Francisco. Destacam-se as sub-Bacias do Verde Grande e do Grande, onde há forte expansão da irrigação, sem planejamento e ordenamento do uso do solo e da água. A área instalada com infra-estrutura de irrigação é maior do que as Bacias podem suportar (ANA et al. 2004b, 35).

Além disso os projetos de irrigação contribuem para a contaminação do rio, dos seus afluentes e dos corpos subterrâneos. Os grandes perímetros irrigados e monocultivos demandam uma quantidade enorme de agrotóxicos e adubos químicos. O excesso de água aplicada retorna para o rio, afluentes e depósitos subterrâneos, arrasta consigo sais solúveis, fertilizantes, resíduos de agrotóxicos e outros tóxicos. Porém, a contaminação e confirmação de presença de agrotóxicos na água é de difícil verificação. Considerando-se a extensão da atividade agrícola na Bacia, recomenda-se que seja feito um levantamento detalhado do uso de agrotóxicos e épocas de aplicação, para que seus impactos possam ser devidamente avaliados (ANA et al. 2004b, 23). Isso ainda não é feito com a freqüência e a regularidade necessárias.

A atual política de desenvolvimento agrário na Bacia do Rio São Francisco estimula um modelo baseado na irrigação. O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê para o Nordeste um forte investimento público em infra-estrutura para “Desenvolvimento Hidro-agrícola” . Somente para a Bacia do Rio São Francisco são previstos nove grandes financiamentos para projetos de irrigação (vide tabela). Em total estão previstos 143.500 hectares de novos perímetros irrigados na Bacia, o que equivale a 42 % a mais da área irrigada hoje existente. Somente os projetos Baixio do Irecê e Salitre, na Bahia, representam 60% das novas áreas planejadas.

Esta política obsessiva de priorização da agricultura irrigada numa região semi-árida ignora os limites objetivos impostos à irrigação nesta região, pois apenas 5% dos solos do semi-árido são irrigáveis e há água apenas para irrigar 2% dos solos, segundo dados da Embrapa (Malvezzi 2007, 86-87).

Um estudo do Banco Mundial (2004) revela que muitos dos grandes projetos de irrigação no semi-árido, além dos graves impactos sociais e ambientais, nem economicamente sustentáveis são. Segundo este relatório apenas 4 dos 11 perímetros irrigados estudados apresentam retorno positivo. É de se perguntar se, diante de tantas obras inacabadas, mal aproveitadas, ou mesmo fracassadas, não seria conveniente ao erário público investigar melhor em que condições realmente a agricultura irrigada pode se tornar viável (Malvezzi 2007, 90).

Com este quadro de persistência do paradigma da agricultura irrigada nas políticas públicas para o Nordeste é fácil de deduzir que os problemas ambientais do Rio São Francisco acima descritos vão se agravar muito. Com isso as políticas públicas ignoram que a prevenção de uma contínua diminuição da vazão do Rio é estreitamente ligada às questões de políticas de desenvolvimento para as áreas de Caatinga e do Cerrado dentro da Bacia do Rio São Francisco. É preciso um aprofundamento da discussão sobre quais são os modelos de desenvolvimento sustentável destes biomas. Modelos unicamente baseado na expansão do agro-negógico, especificamente na agricultura de irrigação, pelas avaliações até agora conhecidas, não podem ser considerados sustentáveis.

Com o forte incentivo do governo à expansão das áreas irrigadas na Bacia do Rio São Francisco, fica ainda mais claro a inversão perversa das prioridades em relação ao uso da água nesta Bacia. Tendo em vista o último Censo nacional do IBGE, cerca de meio milhão de ribeirinhos que vivem em povoados perto da calha do Rio São Francisco sofrem com a inexistência ou a precariedade do abastecimento de água (Coelho 2005, 130).

1.2. Produção de carvão vegetal


Além do avanço da agricultura intensiva, uma das maiores causas do desmatamento na Bacia do Rio São Francisco é a carvoaria. O Brasil é o maior produtor de carvão vegetal do mundo: em 2004 foram produzidos 7 milhões de toneladas, dos quais cerca de 60% provieram de florestas plantadas e o restante de vegetação nativa da Caatinga e do Cerrado. O grande impulsionador desta produção e a indústria siderúrgica em Minas Gerais, que consome 95% da produção de carvão vegetal. Pelo fato de ser um insumo para um setor industrial de grande importância econômica essa questão tornou-se um dos problemas ambientais muito complexos (Coelho 2005, 134). A fiscalização da produção ilegal de carvão vegetal de matas nativas é muito complicada, numa região onde esta é uma das raras fontes de renda para muita gente que não encontra outra forma de sobrevivência.

E as alternativas são também muito problemáticas. Plantações de eucalipto para carvão vegetal leva à degradação dos solos e a um desequilíbrio hídrico. O elevado consumo de água na plantação de eucalipto pode contribuir para a diminuição das nascentes e da vazão dos corpos d’água (Coelho 2005, 136).

Contudo, o Complexo Mínero-Siderúrgico-Madereiro de Minas Gerais – os três setores da mineração, da siderurgia e do monocultivo de eucalipto interligados – traz impactos negativos diretos e indiretos em grande parte da região do Alto e Médio São Francisco: rebaixamento de lençóis freáticos, desmatamento da vegetação natural, contaminação das águas, do solo e do ar e desequilíbrio hídrico nas áreas plantadas com eucalipto.

1.3. Concentração de terra


Outro fator essencial comumente ignorado nas análises das causas de degradação é o problema fundiário da Bacia do Rio São Francisco. É a grande e irrestrita concentração da terra que possibilita o uso abusivo das terras e dos recursos naturais. Ao mesmo tempo leva a uma super-exploração das áreas de pequenos agricultores, que não tem alternativas ao não ser o desmatamento total das suas propriedades minúsculas.

No Oeste da Bahia se dá uma concentração extrema de terras. Dois terços das propriedades rurais têm mais de 500 ha, mas estas propriedades correspondem a menos de 5% do número total de propriedades rurais (Brannstrom & Filippi 2006, 277).

A falta de dados fundiários específicos da Bacia é sintomática. Uma verdadeira revitalização deveria partir do mapeamento fundiário da Bacia, ao par da iniciativa de um Zoneamento Econômico Ecológico. Na falta destes dados específicos, usamos como referência dados do Semi-árido. Esta região tem uma concentração fundiária extremamente intensa: 90% das propriedades têm área inferior a 100 hectares e detêm apenas 27% da área total dos estabelecimentos agrícolas.

Boa parte destas áreas é constituída de terras públicas. Das quase 23 milhões de hectares de terras estimadas como devolutas na Bahia (GeografAR, 2006), cerca de 60% estão na Bacia do São Francisco, segundo o geógrafo Ariovaldo Umbelino de Oliveira.

1.4. Barragens e hidrelétricas


Uma das alterações mais visíveis e abruptas no ecossistema do São Francisco diz respeito às hidrelétricas, primeiro grande e exclusivista uso moderno das águas do rio. São sete hidroelétricas que modificaram profundamente e para sempre a vida de dezenas de milhares de famílias atingidas e o ecossistema do rio. Apenas com a construção da barragem de Sobradinho, que por muito tempo foi o maior lago artificial do mundo em espelho d’água (414 mil Km2), ocorreu uma remoção forçada de 72 mil pessoas, há 30 anos. Mais da metade destas pessoas era constituída de camponeses pobres, que dependiam do Rio para viver.

Calcula-se em 160 mil pessoas os atingidos por todas essas barragens. Além do imenso impacto social, as barragens tiveram sérios efeitos ambientais negativos alterando os ciclos de cheia e vazante do rio, comprometendo a reprodução das espécies ligada a esses ciclos.

Porque o fluxo das águas passou a ser determinado pelas usinas hidrelétricas, as represas trouxeram uma diminuição drástica na agricultura de vazante, causando uma notável redução das áreas que todos os anos eram fertilizadas pelas enchentes na estação chuvosa. Estas terras eram usadas para lavouras de ciclo curto, como as de milho, mandioca e feijão, produtos que abasteciam os centros urbanos do Médio São Francisco. Esta modificação do fluxo do Rio foi um golpe arrasador na chamada agricultura de vazante. Como a agricultura tradicional foi inviabilizada, sobretudo no Submédio e Baixo São Francisco, e com a falta de atividades econômicas alternativas houve impactos sociais muito graves (Coelho 2005, p.124-125).

Atualmente, o Rio São Francisco possui apenas dois trechos de águas correntes: 1.100km entre as barragens de Três Marias e Sobradinho, com tributários de grande porte e lagoas marginais; e 280km da barragem de Sobradinho até a entrada do reservatório de Itaparica. Daí para baixo transforma-se em uma cascata de reservatórios da CHESF.

Um grave impacto sócio-ambiental das represas se deu por impedir a inundação das lagoas marginais, berçários maiores da vida aquática do rio. Além disso, as barragens interromperam o ciclo migratório de várias espécies de peixes, entre elas, o piau, a matrinchã, o curimatá, o pacu e o pira (Coelho 2005, 126). Hoje a pesca artesanal, sobretudo no Baixo São Francisco, sofre grandes problemas de sobrevivência. Um indicador do tamanho do impacto é que foi praticamente extinto nesta região a espécie pirá, um peixe exclusivo do Rio São Francisco e que por isso o simbolizava.

1.5. Mineração e siderurgia


A Bacia do Rio São Francisco detém cerca de 20% do universo da atividade mineral oficial do país. De um total de 11.600 títulos minerários ativos, 2.320 estão inseridos na Bacia e 1.600 são de projetos que efetivamente exploram bens minerais e utilizam água nas suas operações. Isto embasa a constatação de que o setor mineral é um dos grandes usuários de água na Bacia do São Francisco. Por esta representatividade, faz-se necessário que haja maior controle de seu consumo de água, por meio do aumento das fiscalizações nas mineradoras. O tamanho deste desafio fica evidente quando se constata que, segundo estimativas, cerca de 40% da atividade mineral funcionam de forma clandestina.

Além do alto gasto de água, a mineração tem fortes impactos com o rebaixamento de lençóis freáticos, assoreamento e contaminação das águas, do solo e do ar.

Emblemático foi o caso do rompimento ocorrido na barragem de contenção dos rejeitos de uma mina de ferro, em meados de 2001, localizada na sub-bacia do córrego dos Macacos, que fica na região das cabeceiras do Rio das Velhas, causando uma poluição desastrosa. E os 40 anos de contaminação por metais pesados provocada pela industrialização de zinco à beira do São Francisco pela Votorantim Metais em Três Marias – MG, responsável pela mortandade de dezenas de toneladas de peixes, em especial surubins grandes. Como muitas minas ou garimpos estão localizados em regiões de difícil acesso e os controles e fiscalizações são negligentes ou ineficientes, ocorrências similares devem ser muito mais freqüentes do que chegam ao conhecimento da opinião pública.

A destruição da paisagem é outro impacto da mineração, pouco conhecido e menos ainda disciplinado e combatido. Do Pico do Itabirito, em Minas Gerais, com 1.586 m de altitude, historicamente muito utilizado como ponto de orientação, sobra apenas a ponta, o resto foi levado pela extração da hematita. A Serra do Curral, em Belo Horizonte, cujo perfil deu origem ao nome da capital mineira, hoje está reduzida a uma casca, que esconde todo vazio deixado pela mineração.

1.6. Falta de saneamento básico na Bacia


A avaliação da condição atual dos corpos d’água na Bacia do Rio São Francisco mostrou que as principais fontes de poluição são os esgotos domésticos, as atividades agropecuárias e a mineração. Dois indicadores de saneamento revelam um quadro preocupante na Bacia, com bastante desigualdade entre as regiões: o índice de 49,90% de rede de esgoto e de apenas 3,20 % de esgotos tratados (SEDU, 2003).

Observa-se o lançamento de efluentes industriais e domésticos e a disposição inadequada de resíduos sólidos, comprometendo a qualidade de rios como Paraopeba, das Velhas, Pará, Verde Grande, Paracatu, Jequitaí e Urucuia. A situação mais crítica é a da Bacia do Rio das Velhas que, além da grande contaminação das águas pelo lançamento de esgotos domésticos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, apresenta elevada carga inorgânica poluidora, proveniente da extração e beneficiamento de minérios. Somente 33 municípios da Bacia tratam seus esgotos, representando 7% do total; 93% dos municípios da Bacia não possuem sistemas de tratamento. Igualmente precária é a disposição final de resíduos sólidos realizada de forma inadequada por 93% dos municípios da Bacia (ANA et al. 2004b, 23-29.).

Na região do Alto São Francisco, nas sub-Bacias dos Rios das Velhas e Paraopeba, os problemas identificados têm origem na mineração e na alta concentração populacional. Cerca de 30% da população da Bacia do Rio São Francisco vive na Região Metropolitana de Belo Horizonte, exercendo forte pressão sobre os recursos hídricos.

1.7. Desigualdade social e pobreza: injustiça ambiental


Esta somatória de degradações acaba, em última instância, impactando a parte mais fraca, qual seja, a população pobre da Bacia. Configura-se assim uma situação de extrema injustiça ambiental, entendida como “a condição de existência coletiva própria a sociedades desiguais onde operam mecanismos sócio-políticos que destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento a grupos sociais de trabalhadores, população de baixa renda, segmentos discriminados pelo racismo ambiental, parcelas marginalizadas e mais vulneráveis de cidadãos” .

Os dados sócio-econômicos mostram que a Bacia Hidrográfica do rio São Francisco possui fortes contrastes socioeconômicos, abrangendo áreas de acentuada riqueza e alta densidade demográfica e áreas de pobreza crítica (ANA et al. 2004b, 16). Ela é caracterizada por densidades demográficas altas em contraste com vazios demográficos, áreas altamente industrializadas e áreas de predominância de agricultura de subsistência (ANA et al. 2004a, 42).

Os indicadores socioeconômicos comumente mais usados são taxa de mortalidade infantil, Índice de Desenvolvimento Humano -- IDH e Produto Interno Bruto. Aplicados à Bacia do Rio São Francisco, temos, pela primeira, que há variações entre 25,66 (MG) e 64,38 (AL) entre 1.000 nascidos vivos; em sua maior parte, a Bacia apresenta valores superiores à média nacional, que é de 33,55 (IBGE, 2000). O IDH varia entre 0,633 (AL) e 0,844 (DF). Existem municípios com IDH 0,343 (a média brasileira é de 0,769). O PIB per capita contempla variações entre R$ 2.275 e R$ 5.239, enquanto a média nacional é R$ 5.740.

Sobretudo no Médio, Sub-médio e Baixo São Francisco, IDHs de menos 0,5 são comuns. Nestas regiões há poucas "ilhas de prosperidade", com um IDH acima de 0,62, como os municípios de Petrolina, Juazeiro e Barreiras onde o agro-negócio suscitou grande crescimento das economias locais. Porém, esse grande aumento do Produto Interno Bruto destes municípios não produziu efeitos de desenvolvimento social, como mostra o exemplo emblemático do Oeste da Bahia, onde se situa o município de Barreiras.

Nesta região que é reconhecida pelas safras recordes, a riqueza (PIB) aumentou em 245,6% de 1991 a 2000, enquanto no mesmo período a miséria aumentou, ao ponto em que 71,78 % dos 800.000 habitantes da região são classificados como indigentes (renda inferior a meio salário mínimo) . Na Bahia estes são 55,30% e no Brasil 32,34%. Os dados econômicos sugerem uma distorcida impressão de “Eldorado”: de fato esta nova riqueza está ainda mais concentrada nas mãos de poucos.

A situação de concentração de renda na Bacia é sintomática para o Nordeste, onde o Índice de Gini se elevou, passando de 0,596 para 0,61 entre 1970 e 2000. Uma comparação da renda entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres no Semi-árido brasileiro revela com maior nitidez a persistência das desigualdades sociais: em 2000, o percentual da renda apropriada pelos 10% mais ricos chegava a 43,7%; enquanto que a renda dos 40% mais pobres era de apenas 7,7%.

Com isso fica óbvio que há alguma coisa errada com este modelo econômico. A julgar pelos resultados sociais dos projetos de irrigação, eixo continuado do modelo agrícola e do desenvolvimento, a despeito das iniciativas de revitalização, esse quadro não deve melhorar. Tais projetos não melhoram a vida dos ribeirinhos. A remuneração continua baixa e cresce a prática do trabalho degradante. Em 1998, as pessoas diretamente empregadas no perímetro de irrigação tinham um salário médio equivalente a dois salários mínimos.

Também não se pergunta pela qualidade dos empregos gerados pela irrigação. Nos perímetros de Juazeiro e Petrolina formaram-se bairros inteiros miseráveis, insalubres, onde as populações empregadas na irrigação aglomeram-se para sobreviver. Tornaram-se mão-de-obra sazonal e barata na irrigação, ora morando nos bairros periféricos, ora morando do lado de fora das cercas e muros que isolam os perímetros irrigados, como estranhos em terras que já foram suas. São aí altíssimos os índices de criminalidade, prostituição e violência.



2. O Programa de Revitalização do Governo Federal

Apesar das denúncias reiterativas sobre o agravamento dos problemas do Rio São Francisco e dos insistentes apelos por medidas de salvação, feitos por entidades dentro e fora da Bacia, foi mesmo como manobra pró-transposição que um programa oficial de revitalização foi apresentado pelo governo federal. Ao que consta, foi num seminário promovido pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / Regional Nordeste 3 – Bahia/Sergipe, em Salvador, em 1999, que pela primeira vez se levantou a bandeira “Transposição Não, Revitalização Sim!”. Aos protestos e cobranças o governo federal reagiu, a partir de 2003, com um programa de revitalização que ganhou visibilidade política desde o avanço do projeto de transposição e da reação popular contrária.

2.1. Concepção e estrutura do Programa de Revitalização do Governo


Conforme publicações do programa as ações de revitalização “consistem em obras de saneamento básico e ambiental, como as de coleta e tratamento de esgoto sanitário, de macrodrenagem, de tratamento de resíduos sólidos, de contenção de desmoronamento de barrancas e de controle de processos erosivos, além daquelas destinadas à melhoria da navegabilidade e da recuperação de matas ciliares”. Já nesta listagem de diversas ações percebe-se a falta de precisão conceitual para elaborar um programa consistente e abrangente.

O conceito técnico-científico de "revitalização" implica melhorar os principais aspectos de um ecossistema, recuperando processos e elementos-chave para fins de cessar e reverter o estado degradado do mesmo. O objetivo de medidas de revitalização não é remediar os sintomas de um sistema degradado, mas o combate das causas desta degradação (Woolsey et al 2005, 21-22). Como todo planejamento, um programa de revitalização deveria partir de um diagnóstico aprofundado.

A análise das causas de degradação, abordadas acima de forma muito resumida, ainda é muito incipiente dentro do programa governamental de revitalização. O Zoneamento Ecológico-Econômico da Bacia do São Francisco, que está sendo elaborado desde 2005, ainda não está concluído. O Consórcio ZEE Brasil que congrega, sob a coordenação do Ministério do Meio-Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, técnicos e especialistas de dezesseis instituições e empresas públicas, ainda está “consolidando a base de informações” , que é essencial para identificar os diferentes graus de vulnerabilidade ambiental e social na Bacia. Ele deveria ser um pré-requisito sine qua non para orientar o planejamento do programa de revitalização.

O Zoneamento Ecológico-Econômico traz informações sobre as potencialidades, vocações, fragilidades, suscetibilidades e conflitos de um território. Ele deve definir as atividades que podem ser desenvolvidas em cada compartimento e assim orientar a forma de uso, eliminando os conflitos entre tipos incompatíveis de atividades. Sua visão sistêmica propicia a análise de causa e efeito entre os subsistemas físico, biótico, social e econômico (Dos Santos 2005, 133-137).

Como depois de dois anos de trabalho ainda não existe nenhuma publicação deste ZEE da Bacia do São Francisco, sustenta-se a interpretação de que um diagnóstico sólido e suficiente da Bacia não está sendo tratado com a devida prioridade pelos órgãos responsáveis.

Outro forte indício dessa avaliação são os recursos. No período de 2004 a 2006, foram investidos em ações de revitalização do São Francisco R$ 242,5 milhões. Desde 2007 o programa é atrelado ao PAC – Plano de Aceleração do Crescimento, que prevê para ações de revitalização no Rio São Francisco um orçamento de 147,7 milhões para 2007 e em total 1,27 bilhões até 2010 (Ministério da Integração Nacional, 2007). Esta verba é administrada pelo Ministério de Meio Ambiente e pelo Ministério da Integração Nacional.

As principais ações em 2006 foram: construção de Centros de Referência, instalação de viveiros para cultivo de mudas de plantas nativas, obras de engenharia de contenção das erosões nas margens e de controle de processos erosivos, de desassoreamento e limpeza de rios, de macrodrenagem urbana, obras de esgotamento sanitário em vários municípios e tratamento de esgotos sanitários em alguns outros, construção de galpões de recolhimento de embalagens de agrotóxicos, ações de reflorestamento e cercamento de nascentes, margens e áreas degradadas. Dos investimentos do Ministério da Integração, em 2005, mais da metade foi gasto para obras de saneamento ambiental. Em 2007 esta porcentagem tende a aumentar.

Sem dúvida as obras de saneamento são de grande importância para a melhoria da qualidade da água do Rio São Francisco. Porém, pode-se questionar a forte priorização destas obras tendo em vistas as outras causas de degradação igualmente importantes. Com esta concepção e distribuição de investimento o programa fica refém de uma visão sanitarista de revitalização. O enfoque centrado em saneamento desconsidera as outras causas de degradação acima referidas. Além disso, perde efetividade em relação à carga total de poluição, uma vez que essa em grande parte também é oriunda de resíduos das atividades agrícolas, como agrotóxicos, e da mineração, como metais pesados. Muitas das obras executadas relacionadas ao saneamento ambiental se restringem ao esgotamento sanitário urbano, que garante a coleta, porém não o tratamento dos esgotos.

Em relação às obras de desassoreamento e de contenção de erosão das margens, fica evidente que se trata de ações curativas que não atingem as causas da erosão relacionadas ao desmatamento descontrolado. Também as atividades de reprodução de mudas e de reflorestamento não são nada mais do que um pingo d’água diante das fortes pressões sobre as matas nativas na Bacia. Dentro do princípio da precaução, o primeiro passo deveria ser a garantia de um ordenamento e controle do uso de solo. Reflorestamento sempre se restringe à uma ação corretiva da depredação das florestas nativas.

Especialmente no que diz respeito ao reflorestamento de mata ciliar cabe ressaltar que a vegetação ao longo da calha do Rio por si só não é capaz de conter processos de erosão em grande escala que se dão nas regiões das cabeceiras, nas áreas de recarga, mais ou menos distantes da calha dos rios da bacia. Um programa de revitalização não pode ser reduzido e simplificado como reflorestamento de mata ciliar, o que parece se tornar símbolo e panacéia da recuperação hidro-ambiental de rios.

Numa visão mais abrangente o programa de revitalização deveria também considerar medidas para garantir um consumo racional da água, evitando a super-exploração da vazão do Rio e seus afluentes, sobretudo pela irrigação e a mineração.

Dentro do programa foram promovidas muitas reuniões e muitos eventos, mas as medidas realizadas são pontuais. A estrutura do programa dá a impressão de uma “colcha de retalhos” juntando vários projetos requentados, elaborados anos atrás, embaixo de um programa “guarda-chuva” mas sem visão estratégica e sistêmica.

Devido à aplicação de parcos recursos em projetos fragmentados, desarticulados e sem continuidade, não existe um programa nem um processo que pense a Bacia no seu conjunto.

Em vez de uma pulverização de ações isoladas é necessário estabelecer um consistente Programa de Desenvolvimento Sustentável do Semi-Árido e do Cerrado e da Bacia Hidrográfica do São Francisco, com início, meio e fim, metas plurianuais, indicadores mensuráveis, no contexto do qual seja possível estabelecer uma ação integrada de Governo, dos agentes econômicos e da sociedade civil visando o enfrentamento definitivo da falta de água assim como os conflitos de uso dos recursos naturais e a recuperação hidro-ambiental do Rio e seus afluentes (Coelho 2005, 223-224).

Como explicado encima, as principais causas de degradação do Rio São Francisco são estreitamente ligadas a problemas estruturais do uso do solo, das águas e dos demais recursos naturais da Bacia. Mas o programa do governo calculadamente se desvia destas causas ligadas à produção agrícola de exportação e à mineração. As ações desenvolvidas não alteram ou não influenciam no modelo de uso da terra e na situação fundiária, que é a principal causa da degradação do Rio, e sequer partem de análises das causas e efeitos do modelo de produção.


2.2 Gestão do programa e falsa participação – revitalização como barganha da transposição

Segundo informações do governo o Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica foi concebido de “forma coletiva e vem sendo aprimorado de modo participativo” . De fato foi criado um sistema complexo de instâncias colegiadas formais, a nível federal, estadual e municipal, com o envolvimento da sociedade civil organizada. São elas, o Comitê Gestor do Programa de Revitalização, o Grupo de Trabalho da Revitalização, o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, os Núcleos de Articulação do Programa (NAPs) e as Comissões Locais de Meio Ambiente e Ação Socioambiental (COLMEIAS) (Aroucha 2007,1).

Contudo, a experiência dos últimos anos mostrou que estas instâncias sempre foram dominados pelos interesses do governo que tentou se esconder atrás de organogramas ramificados, mas deixou transparecer suas intenções de cooptação. A maioria destas COLMÉIAS nunca funcionou de fato ou já nem existe mais. Na percepção dos movimentos sociais e entidades de base os espaços de “participação” foram meramente estratégias de barganha e apaziguamento para viabilizar a conflituosa obra da transposição. O fracasso da estratégia das COLMÉIAS fica evidente na agenda do programa de revitalização publicada no site do MMA, que tem uma única reunião de uma COLMÉIA em Minas Gerais agendada.

O governo federal responde à cobrança social de revitalização da Bacia do São Francisco e aos protestos contra a transposição com um Programa de Revitalização de “faz-de-conta”, atrelado ao prioritário projeto de transposição. Está clara a estratégia política de instrumentalizar a proposta de revitalização para viabilizar política e socialmente a polêmica transposição. A priorização da obra da transposição e a estratégia de maquiar para manter o modelo vigente de produção responsável pela degradação fica clara na análise dos orçamentos (vide embaixo, cap. 2.3).

A subordinação do programa de revitalização como viabilização social e política da obra da transposição já se mostra no fato de que o programa é coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Integração Nacional, mas a grande maioria dos recursos (83,1% do orçamento do programa de 2007) está gerenciada pelo Ministério da Integração Nacional, o promotor da transposição. Desta forma se evidencia que a finalidade última do programa não é a recuperação ambiental da Bacia do Rio São Francisco, já que a gestão dos recursos está submetida a um esquema que favorece o jogo de interesses entre promotores da transposição e lideranças políticas locais da própria Bacia, mas uma moeda de troca para garantir a aceitação social e política do projeto da Transposição do Rio São Francisco pelas políticos e a população local.

Chegou-se mesmo a condicionar os dois programas de governo um ao outro e a dizer que sem transposição não haveria revitalização. A própria nomenclatura dos programas foi mudando de acordo com essa estratégia e a transposição passou a ser propagandeada como integração de bacias.

Ademais: a maioria das ações de revitalização está sendo executada por meio da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF), a mesma que ao longo das últimas décadas, cumprindo o papel do Estado indutor do desenvolvimentismo economicista, se destacou como a principal promotora de um modelo de produção degradante que contribuiu essencialmente para a degradação da Bacia.

Hoje, sob égide do Estado mínimo, as tomadas de decisão sobre as ações de revitalização são muito mais de cunho político do que técnico e as políticas se tornam ocasiões para “balcão de negócios”. Os projetos financiados pelo programa de revitalização resultam de demandas induzidas e demandas espontâneas, ambas se prestando a injunções de políticos locais ou nacionais sem nenhuma visão estratégica do conjunto de ações. Neste sentido o programa de revitalização foi criticado por um estudo do Banco Mundial (2005, 67) sobre o projeto da transposição:

"O conceito de revitalização da Bacia do Rio São Francisco precisa ser discutido e claramente definido para que se possa identificar as ações a serem realizadas, baseando-se em informações técnicas e não apenas em demandas dos estados [ou municípios].”

2.3. Orçamento do Programa do Governo


Analisando os investimentos do programa de revitalização em relação ao projeto da transposição do Rio São Francisco observa-se-á claramente quais as reais prioridades do governo federal em relação ao Rio São Francisco. O orçamento 1,27 bilhões destinado à ações de revitalização significa uma parcela pequena comparado com os 6,6 bilhões previstos no PAC para a obra da transposição. E não só isso: até para projetos de irrigação o PAC garante mais investimento do que para o programa de revitalização.

Para 2007 o PAC já tem garantido R$ 493,6 milhões para a obra da transposição e R$ 248,6 milhões para a revitalização. Porém, não se tem clareza sobre quantos dos projetos previstos dentro do programa de revitalização realmente estão sendo executados.

O que faz pensar sobre os problemas administrativos é o fato que anualmente municípios da Bacia atingidos por barragens de hidrelétricas recebem milhões em royalties da CHESF pelo uso da água do Rio para geração de energia. Mas pouco se sabe para onde vai este dinheiro, que também poderia ser atrelado a ações de revitalização do Rio em vez de sumir no ralo dos contas públicas municipais. Há de se preocupar que os recursos do programa de revitalização sumirão da mesma forma se não houver mecanismos efetivos de controle social. Caso contrário pode-se estabelecer uma “indústria da revitalização” nos moldes da “indústria da seca”, que concentra verbas destinadas a programas de emergência na mão de poucas pessoas, que instrumentalizam a implementação de obras de acordo com seus próprios interesses.

2.4. Conclusão


O Rio São Francisco precisa de um programa abrangente de revitalização, que parta de uma visão ecossistêmica dos problemas da Bacia e que ataque de forma igualmente sistemática as principais causas de degradação do rio. As ações pontuais e paliativas promovidas até agora não bastam para atingir as raízes dos problemas.

Além das ações de saneamento básico propostas pelo programa do governo, um projeto de revitalização deve ir além de encarar a poluição direta por emissões urbanas e industriais. Um aspecto essencial é a conservação de lençóis freáticos, nascentes e áreas de recarga, para garantia de armazenamento e fornecimento de água na Bacia em volumes suficientes à reprodução do conjunto da vida, diminuição de enxurradas e maiores vazões de estiagem.

O problema da recuperação hidro-ambiental do Rio São Francisco somente em parte é um problema de engenharia; ele é também em muitos aspectos um problema agrícola e um problema social. Todo esforço de recuperação da Bacia será em vão se o modelo de produção agrícola não for modificado incorporando práticas de conservação de solo e água. Neste sentido, soa mais que plausível, necessária, a proposta dos movimentos sociais de “Moratória para o Cerrado”: “não construir, na área da bacia, nenhuma novo grande projeto, seja de barragem, irrigação, monocultivos, pastagens ou transposição de águas, que implique em desmatamento, erosão de solos e poluição ou perda de águas”.

O Fórum Permanente em Defesa do São Francisco / Bahia, desde seu início, em 1999, defende que este seja o primeiro passo para revitalizar o Rio. Devem ser incluídos aí também os projetos industriais, que tendem a aumentar na Bacia, sejam mínero-siderúrgicos, sejam agroindustriais.

O sucesso do programa de revitalização do Rio São Francisco está igualmente na dependência de uma reformulação nas instituições governamentais que interferem na política do rio. Porque, segundo Coelho (2005), nesta atuação reina uma “caótica barafunda” e um impasse quase total, o que determina não só a paralisação das atividades, como a adoção de medidas que se anulam. No momento o principal desafio é a interferência abusiva e prejudicial do Ministério da Integração Nacional em funções que dizem respeito ao Ministério de Meio Ambiente (Coelho 2005, 142).

À guisa de resumo conclusivo-propositivo, diríamos que revitalizar o Rio São Francisco implica em planejar as ações com base no conhecimento da ecologia e hidrologia do Cerrado e do Semi-árido. A revitalização depende de fatores ecológicos extremamente complexos e interdependentes. A Bacia do Rio São Francisco é um sistema já bastante fragilizado. Diversos fatores que levam à sua degradação ainda têm que ser estudados, antes de interferir ainda mais (sobretudo diante as ameaças e incertezas do aquecimento global). Um programa de revitalização tem que considerar esta complexidade e aprofundar o enfrentamento das causas de degradação. Todo esforço de recuperação da Bacia será em vão se o modelo de produção agrícola não for modificado, incorporando práticas de conservação de solo e água. E se o fantasma da transposição não se dissipar no horizonte da Bacia.

Por fim, os principais atores socais a serem envolvidos na elaboração de um programa de revitalização deveriam ser as comunidades tradicionais de pescadores, quilombolas, índios, fundos de pasto e os ribeirinhos em geral. Pois são eles que ainda preservam um modo de vida de pouco impacto ao ambiente natural da bacia e pode-se aprender muito com eles em relação a preservação do rio. No entanto, os estudos oficiais de ANA (et al. 2004) sequer mencionam estas comunidades. As populações urbanas, crescentemente maioria da Bacia, também precisam de programas específicos, com destaque para a educação ambiental, a fim de envolvê-los efetivamente na redução da degradação e na promoção da revitalização, com mecanismos eficientes de controle social.

A revitalização da Bacia do Rio São Francisco só será verdadeira se o povo ribeirinho, especialmente a população pobre, vítima da injustiça ambiental em que resulta o processo cumulativo de degradação e que se organiza e se mobiliza para enfrentá-la e combatê-la, for efetiva protagonista dela.

Bibliografia:

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AROUCHA, Edvalda Pereira Torres Lins: COLMÉIA pra que te quero? ou COLMÉIA pra que te queremos? Paulo Afonso: Agendha, 2007 (mimeo).

BANCO MUNDIAL: Transferência de Água entre Bacias Hidrográficas. Brasília, 2005.


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COELHO, Marco Antônio: Os descaminhos do São Francisco. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

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WOOLSEY, S., C. Weber, T. Gonser, E. Hoehn, M. Hostmann, B. Junker, C. Roulier, S. Schweizer, S. Tiegs, K. Tockner & A. Peter: Handbuch für die Erfolgskontrolle bei Fliessgewässerrevitalisierungen. Publikation des Rhone-Thur Projektes, Zürich: Eawag, WSL, LCH-EPFL, VAW-ETHZ, 2005.

Artigo publicado no CADERNO CEAS 227, Especial Rio São Francisco, Dezembro 2007 Extraído de: http://www.umavidapelavida.com.br/detalhe_especialistas.asp?ID=196

sábado, 8 de agosto de 2009

Respeito à vida e alimentação saudável

Quando vi pela primeira vez aquela família de roedores no rio Tietê, dentro da cidade de São Paulo, pensei logo que alguém os teria colocado lá, apenas por brincadeira (de mau gosto!) ou para chamar a atenção do povo para a barbaridade de manter todo esse lixo flutuante dentro do quintal de nossas casas! As capivaras se moviam em meio ao esgoto evidente, repleto de garrafas, latas, pneus e outros tipos menos explicáveis de dejetos humanos! A imprensa se fartou de fotos e crônicas sobre essas pobres criaturas!
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Já estava remando há vários dias pelo rio São Francisco, e tinha passado por inúmeras corredeiras quando me deparei com esses ratões desajeitados, tímidos e familiares, à beira do rio. Eram uns dez filhotes e os seus pais, completamente à vontade nas águas, e mergulharam assim que me viram por perto. Fiquei a procurar as capivaras, com a máquina fotográfica em uma das mãos e a filmadora na outra.



Passou-se mais de um minuto e eu desisti de captar aquela cena; guardei os equipamentos e continuei a remar. Pouco depois eles reapareceram em ambas as margens do rio, olharam para mim desconfiados, e ficaram para trás, acompanhando o fluir do rio, que levava embora minha canoa...
Encontrei o "seu" Roberto, pescador, alguns dias depois; ele me falou que ainda caçam essas criaturas no Velho Chico! Fiquei arrasado! Como podem comer esse bichinho inocente? Então me lembrei que eu ainda como carne de boi, porco, frango, peixes... eles não seriam também inocentes e dignos de nossa compaixão? O que difere um animal criado para ser sacrificado, sem ritual e sem piedade, apenas para nos alimentar, e um animal selvagem, pego numa caçada sem glória por um ribeirinho qualquer?

Somos todos iguais em nossa crueldade desnecessária! É saborosa a carne, diríamos sem piedade, diante de um prato de guisado de pato ao molho pardo (existe esse prato?). E a nossa carne, também não seria saborosa para um tubarão, para uma onça pintada ou um jacaré? Toleraríamos ver um ser humano sendo mastigado por um animal, destroçado como um bicho qualquer na Natureza? Então, não diferiríamos, em nossa conduta, dos animais "irracionais"?
Para que serve nossa racionalidade e espiitualidade se não poupamos os seres vivos de nossa gula?
Se temos consciência de nosso papel neste mundo, se evoluímos como espécie ao ponto de podermos cultivar nossos próprios alimentos, dosando os nutrientes de forma adequada a uma vida saudável e refeições saborosas, por que matar os animais?
Se esse argumento não é suficiente para nos convencer das vantagens do vegetarianismo, pensemos que uma criação de gado extensiva, além de provocar a destruição de florestas, gera gás metano em quantidade suficiente para competir com os veículos das grandes cidades na produção do efeito estufa! Incrível, não é mesmo? Pois vejamos, então, os números:
À pecuária cabe a fatia de 65 por cento do óxido nitroso (N2O) que é lançado para a atmosfera pelo homem, um gás que é 296 vezes mais potente do que o CO2 em termos de efeito de estufa. Além disso, na estratosfera pode originar óxidos de azoto que destroem o ozono e que são responsáveis pelas chuvas ácidas e o nevoeiro fotoquímico. O N2O é libertado pelo estrume. Por outro lado, a criação de gado emite 37 por cento do total de metano - que é 23 vezes mais potente que o CO2 e tem origem principalmente nos gases emitidos pelo sistema digestivo dos ruminantes - e por 64 por cento do amoníaco, que contribui também para as chuvas ácidas! (Fonte: Agência das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação - FAO).
Hoje, a criação de gado é feita em 30 por cento da superfície arável terrestre, ocupada sobretudo com pastagens. Tem sido apontada como um dos grandes responsáveis pela destruição das florestas tropicais, principalmente na América do Sul. Mas as consequências ambientais desta atividade passam também pela degradação do solo devido ao sobrepastoreio e à erosão. É igualmente das atividades humanas que mais impacto têm nos recursos hídricos devido à poluição que gera através das fezes dos animais, os antibióticos e hormônios usados, os químicos dos curtumes e os fertilizantes e pesticidas utilizados nas culturas forrageiras.
Esses argumentos deveriam ser suficientes para convencer ao menos os ambientalistas sobre as vantagens dos hábitos vegetarianos na alimentação humana... se cinco bilhões de pessoas comessem 100 gramas de carne por dia, seriam 500 mil toneladas ou um milhão cabeças de gado por dia! Só mesmo a miséria e a fome extrema podem evitar essa desgraça...

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Preservação Estratégica para Recuperar o São Francisco


11 de Abril de 2009

Bacia de um dos principais afluentes do São Francisco, o rio Pandeiros, abriga complexo ambiental pouco conhecido, mas de enorme importância estratégica

Islaine F. P. Azevedo,
Yule R. F. Nunes,
Maria das Dores M. Veloso,
Walter V. Neves e
G. W. Fernandes


A rica diversidade da flora e fauna de Minas Gerais é resultado da grande variedade de condicionantes do clima, relevo, recursos hídricos e presença dos biomas Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga. Uma biodiversidade fundamental para o patrimônio natural, o que justifica a necessidade de preservação.
Mas o processo de ocupação de Minas Gerais, por um modelo de desenvolvimento ligado à utilização intensiva e inadequada dos recursos naturais, comprometeu consideravelmente sua biodiversidade. Áreas naturais do estado sofreram profundas alterações em conseqüência das intensas e contínuas ações antrópicas, algumas delas talvez irreversíveis. Apenas 33% da cobertura vegetal nativa do estado estão preservadas, segundo o Instituto Estadual de Florestas (IEF). E grande parte dessa cobertura vegetal está no norte do estado, confinada em unidades de conservação (UCs).
A área de Proteção Ambiental (Apa) do rio Pandeiros, criada pela Lei 11.901 de 01/09/1995, merece destaque pela ocorrência de ambientes estratégicos para a conservação do patrimônio natural. Com 393.060 hectares, essa área de proteção abrange toda a bacia hidrográfica do rio Pandeiros, incluindo os municípios de Januária, Bonito de Minas e Cônego Marinho. É a maior unidade de conservação de uso sustentável do estado e tem como objetivos compatibilizar a conservação da Natureza com o uso sustentável de parte de seus recursos hídricos, além de proteger a diversidade biológica presente em lagoas marginais, córregos, cachoeiras, veredas e, principalmente, no único pântano mineiro. O rio Pandeiros, que integra a bacia do médio São Francisco é considerado um afluente estratégico na margem esquerda desse rio.
A presença de espécies vegetais comuns ao cerrado e à caatinga caracteriza o local como área de transição, com ocorrência de formações e adaptações particulares. Isso significa, tanto importância biológica como área prioritária para pesquisa científica.
O Atlas de conservação da biodiversidade em Minas Gerais, publicado em 2005 pela Fundação Biodiversitas, classifica a Apa do rio Pandeiros como área prioritária para a conservação da biodiversidade. O norte de Minas, no entanto, é provavelmente a região menos estudada do estado, com parcos levantamentos de flora e fauna. O conhecimento do potencial ecológico das espécies vegetais e animais da região auxilia na manutenção da preservação ambiental dessas espécies, reduzindo assim os riscos de extinção regional, em decorrência de práticas antrópicas predatórias.


Refúgio para a Ictiofauna


O pântano do rio Pandeiros tem área alagável que varia de aproximadamente 3 mil ha (estação seca) a 5 mil ha (estação chuvosa) e é responsável por 70% da reprodução e desenvolvimento de peixes do médio São Francisco.
Nos arredores do pântano, encontra-se um complexo de lagoas marginais, interligadas no período das chuvas, utilizadas como criadouros por espécies de peixes de piracema, que percorrem longas distâncias no São Francisco para a reprodução. Entre essas espécies estão o dourado (Salminus franciscanus), piau-verdadeiro (Leporinus elongatus), matrinchã (Brycon lundii), surubim (Pseudoplatystoma corruscans) e pacu (Myleus micans). O pântano também serve de abrigo e fonte de recursos alimentares para muitas aves, caso do martim-pescador (Ceryle torquatus), pato-do-mato (Cairina moschata), mergulhão- pequeno (Tachybaptus dominicus) e garçabranca- grande (Casmerodius albus).
A importância desse local fez com que, nos limites da Apa, uma área de 6 mil ha se tornasse Refúgio de Vida Silvestre (Revise), como uma categoria de unidade de conservação de proteção integral de ambientes naturais, onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de espécies da flora e da fauna residente ou migratória. O refúgio abriga ainda grande parte das lagoas marginais, cachoeiras, o pântano e a foz do rio Pandeiros, ambientes críticos para a manutenção da ictiofauna do rio São Francisco. Assim, a conservação do rio Pandeiros é fundamental para a revitalização desse rio.
O pântano do rio Pandeiros é considerado ambiente único no estado, e a proteção assegurada pelo refúgio não é suficiente para a sua preservação. Muitos impactos ambientais causados em toda a extensão da Apa estão refletidos no pântano, entre eles o assoreamento, principalmente devido à degradação das veredas e da vegetação ciliar. Esse é um dos mais graves danos ambientais.

Oásis no Polígono das Secas


As águas do Pandeiros e seus afluentes, assim como muitos outros rios do cerrado, são sustentadas principalmente por inúmeras e extensas veredas que representam, na realidade, um oásis em meio à paisagem árida do norte de Minas Gerais, sob a forma de refúgios e corredores naturais da fauna e da flora. As veredas da Apa do Pandeiros são classificadas pela presença de uma palmeira, mais conhecida como buriti (Mauritia flexuosa), e, na maioria das vezes, está associada a espécies arbóreas de mata ciliar e do cerrado, dando a impressão de floresta exuberante. As veredas são legalmente protegidas como Áreas de Proteção Permanente (APP), numa tentativa de conservar um ecossistema frágil e suscetível à degradação.
Em contraste com a rica biodiversidade do local, a população carente do semi-árido mineiro vive em pequenas comunidades rurais, utilizando os recursos naturais da região como forma de subsistência, mas de maneira indevida e não sustentável. A maior parte da degradação ambiental da Apa do rio Pandeiros tem origem em bases sociais. Para os moradores, a extração de lenha do cerrado e transformação das áreas alagadas das veredas em terras de cultura agrícola, com freqüente uso do fogo e de sistemas de drenagem errôneos, é uma estratégia de sobrevivência.
A importância ecológica e a vulnerabilidade da diversidade biológica dos ecossistemas da Apa do rio Pandeiros despertaram as atenções de um grupo de pesquisadores. A intenção é realizar trabalhos científicos no local para desenvolvimento de estratégias de conservação da biodiversidade. Neste sentido, foi montada uma sub-rede de pesquisa “Ecologia, Conservação e Uso Sustentado em Áreas da Transição entre os Biomas da Caatinga e do Cerrado no Médio São Francisco”, englobando grupos de pesquisa da Universidade Estadual dual de Montes Claros (Unimontes), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal de Viçosa (UFV). Esta sub-rede de pesquisa integra o Programa de Revitalização do rio São Francisco e é formada por cinco projetos de pesquisa e um projeto de capacitação, todos na linha de investigação em Conservação e Manejo de Recursos Naturais.
Os projetos têm prazo de dois anos de execução e reúnem cerca de 20 pesquisadores, além de 30 alunos da graduação e pós-graduação das três universidades.
Entre os projetos, a pesquisa na área de fitoindicadores ecológicos para recuperação de matas ciliares no médio São Francisco busca informações sobre as vegetações ciliares do rio Pandeiros, com pesquisa envolvendo as características florísticas, estrutura da comunidade vegetacional e estratégias de reprodução de espécies vegetais. Nessa abordagem, os locais selecionados para amostragem da vegetação ciliar incluem diversas formações vegetacionais como cerrado (sentido restrito), além de veredas e floresta estacional decidual (mata seca) e mata ciliar.


Ambiente Complexo


Os resultados preliminares de um ano de execução do projeto revelam uma vegetação exuberante e intrigante. As formações vegetais que margeiam o curso do rio Pandeiros exibem uma diversidade marcante de ecossistemas provenientes do efeito transicional entre os biomas do cerrado e caatinga e formam uma junção peculiar de mata ciliar, mata seca, cerrado e veredas.
Entre a vegetação encontrada, as matas ciliares, definidas como vegetação florestal associada a cursos d’água e a nascentes, têm uma diversidade de funções ambientais e destacam-se pela rica diversidade botânica e proteção que oferecem à fauna silvestre e aquática. Mas mesmo protegida por lei, a mata ciliar do rio Pandeiros sofre progressivas alterações tornando-se descontinua e, muitas vezes, completamente ausente. As espécies características da mata ciliar ocorrentes nas áreas amostradas foram jatobá (Hymenaea eriogyne), pau-d’óleo (Copaifera langsdorffii), ingá (Inga vera), pau-pombo (Tapirira guianensis) e bosta-de-cabra (Hirtella gracilipes).
As florestas estacionais deciduais, popularmente conhecidas como matas secas, apresentam como principal característica a perda de pelo menos 70% das folhas na estação seca. São formações florestais que ocorrem em afloramentos de calcário no cerrado e não estão associadas aos cursos d’água. Mas muitos fragmentos de mata seca estão presentes às margens do rio Pandeiros e apresentam como espécies vegetais mais representativas o angico (Anadenanthera colubrina), mamoninha (Dilodendron bipinnatum), aroeira (Myracrodruon urundeuva) e gonçalo-alves (Astronium fraxinifolium).
O cerrado é o tipo fisionômico, ou seja, a formação vegetacional dominante da Apa do rio Pandeiros e está intimamente associado à vegetação ciliar desse rio. São encontradas, freqüentemente próximas às margens do rio Pandeiros, as espécies arbóreas do cerrado conhecidas como pimenta-demacaco (Xylopia aromatica), lixeira (Curatella americana), cagaita (Eugenia dysenterica) e tingui (Magonia pubescens).
As veredas ocorrem em áreas úmidas do cerrado, locais onde o afloramento do lençol freático possibilita encharcamento do solo. Essas formações são caracterizadas pela presença da palmeira buriti. Em vários trechos do rio Pandeiros, registra-se a presença de extensas veredas associadas à vegetação ciliar, que atuam na manutenção dos seus afluentes e funcionam como refúgio para a fauna durante a estação seca.
A obtenção de informações e subsídios para conhecimento da biodiversidade numa área transicional, entre os biomas Cerrado e Caatinga, seu potencial biológico, e novas possibilidades de desenvolvimento de tecnologias de recuperação de áreas degradadas da vegetação ciliar da região do médio São Francisco é o foco das pesquisas em curso.
O Programa de Revitalização do rio São Francisco contempla grande conjunto de iniciativas para permitir o uso sustentável dos recursos naturais em toda a bacia. Para que o programa se sustente, no entanto, é necessário aumentar a base de conhecimento de todos os aspectos referentes à manutenção das funções dos ecossistemas que compõem a bacia. Dessa forma, os projetos, o conhecimento gerado e as ações previstas na sub-rede deverão encaminhar ações reais de desenvolvimento sustentado que promovam a melhoria da qualidade de vida das populações locais e assegurem a biodiversidade de uma área ainda desconhecida da ciência.

PARA CONHECER MAIS

Biodiversidade em Minas Gerais: um atlas para sua conservação. G. M. Drummond, C. S. Martins, A. B. M. Machado, F. A. Sebaio e Y. Antonini. Fundação Biodiversitas, 2005.
Vereda Berço das Águas. R. S. Boaventura, C. J. Soares, F. M. Vasconcelos e J. P. C. Castro. Ecodinâmica, 2007.

Franciely Pinheiro Azevedo, mestranda em ciências biológicas da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), é bolsista do CNPq.
Yule Roberta Ferreira Nunes, professora de ecologia da Unimontes, desenvolve pesquisas na área de ecologia de ecossistemas e recuperação de áreas degradadas.
Maria das Dores Magalhães Veloso, professora de ecologia da Unimontes, é doutoranda em engenharia florestal na Universidade Federal de Lavras.
Walter Viana Neves, técnico ambiental do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais, atua na área de gerenciamento de unidades de conservação e de prevenção e combate a incêndios florestais.
G. Wilson Fernandes, professor de ecologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desenvolve pesquisas na área de ecologia evolutiva de insetos herbívoros e conservação da biodiversidade tropical.

Fonte: Scientific American Brasil – http://www2.uol.com.br/sciam/

Recuperação de áreas degradadas no Rio São Francisco

D. Frei Luiz Flávio Cappio recebe Prêmio Cidadão do Mundo pela Fundação Kant

São Cidadãos do Mundo todos e todas que nos juntamos em defesa do São Francisco, terra e água, rio e povo


D. Luiz Cappio, em foto de arquivo

“São Cidadãos do Mundo todos e todas que nos juntamos em defesa do “São Francisco – terra e água, rio e povo”, afirma D. Frei Luiz Flávio Cappio, ofm, no discurso de agradecimento pelo Prêmio Cidadão do Mundo, da Fundação Kant. Segundo Cappio, “o atual governo, do Presidente Lula, frustrante das enormes expectativas da maioria que o elegeu, se presta a subsidiar a reprodução do modelo falido. O PAC, Programa de Aceleração do Crescimento (cerca de 178 bilhões de euros) prioriza obras de infraestrutura para o crescimento econômico a qualquer custo – até o desrespeito à lei, a povos tradicionais, a instituições do Estado”.

Eis o discurso.

Saúdo os membros da Fundacao Kant. Saúdo as autoridades presentes, especialmente o Vice-Ministro do Exterior Gernot Erler, pela “laudatio” que muito agradeco. Saúdo as senhoras e senhores presentes nesta festa magnífica, em especial a Jeff Hapter, que comigo recebe este premio. Saúdo os pobres do mundo sem vez e sem voz, que lutam por seu direitos humanos: comigo recebem este premio!

Quando me veio a notícia do Prêmio Cidadão do Mundo, da Fundação Kant, fiquei a me perguntar o por que. Que ligação teria a nossa luta no Vale do Rio São Francisco, no Nordeste do Brasil, com a filosofia de Immanuel Kant e os propósitos da Fundação que zela pelos seus ideais? Fui rever meus estudos de Filosofia, nos longínquos anos 1960. Não foi difícil perceber a intenção dos premiadores nas proposições ético-filosóficas de Kant, luminosamente atuais, de uma cidadania cosmopolítica, baseada nos direitos humanos universalizados, unidas a moral e a política.

Ser associado a esta filosofia me honra, mas não me ensoberbece. Porque o objeto da premiação não é uma pessoa ou o que por si mesma, solitariamente, ela tenha feito. Não é mérito de um, mas de uma legião de homens e mulheres, jovens e anciãos, movimentos, organizações e entidades sociais, que agem – poderíamos dizer – sob o imperativo categórico kantiano: buscar para todos o que desejaríamos que todos fizessem a todos.

Atitude que eu diria revolucionária, dada a extensão e profundidade da crise que vivemos, de civilização, de paradigma, no fundo, a mais grave crise ética. Não se pautar por princípios universais (porque os fundamentais), mas por fins meramente individualistas e utilitários, foi o que desumanizou o homem e o levou a corromper a natureza. Estamos sob o jugo de um inédito relativismo dos valores e referenciais da existência humana, uma perda coletiva do sentido da vida, da sociedade, da humanidade. Na verdade, sem exagero, não estamos longe de um estado de anomia e barbárie.

* * * * *

Como e por que chegamos a este ponto? – devemos ter a coragem de responder e não temer a resposta.
O Relatório do Desenvolvimento Humano 2007/2008, do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento revela: os 20% mais ricos do mundo absorvem 82,4% de todas as riquezas do planeta enquanto os 20% mais pobres têm que se contentar com apenas 1,6% . Este máquina de produzir desigualdade não mais se sustenta politicamente, nem se aceita eticamente.

Está evidenciado que sua raiz está no sistema da economia de livre-mercado autoregulado e absoluto – o chamado neoliberalismo e sua globalização mercantil – erigido sobre o dogma do máximo lucro, extraído a qualquer custo, até da doença e da morte de milhões de seres humanos (como acontece na África com a SIDA, como ameaça acontecer com a Gripe A). Esta pretensão a-ética não se refreia frente à danação dos semelhantes. Mas, os limites da natureza, a exaustão dos recursos naturais e o aquecimento global causado por esta civilização, se encarregam de oferecer à humanidade uma chance, talvez a última, de rever este sistema de morte e reinstaurar relações livres e solidárias com todas as formas de vida. Como diz meu mestre e irmão Leonardo Boff, “a nova era ou será da ética ou não será”.

Esta a tarefa que esta premiação nos convoca. Se as alternativas históricas ao capitalismo mostraram-se frustrantes, reproduzindo a dominação humana e a depredação natural, trata-se de, aprendendo da experiência histórica, reinventar nosso modo de vida sobre a terra.

Acredito firmemente que uma sociedade internacional justa, sustentável e pacifica, que viva e deixe viver, só é possível numa perspectiva ecossocialista. A produção se tornando ecológica e o acesso aos bens necessários produzidos se fazendo solidário, sob condições socialistas, é o que nos levará à superação das crises atuais. Acredito que a Europa, apesar das contradições do colonialismo, pela tradição da democracia e dos direitos humanos, tem um papel importante nisto.

Acredito também que os povos originários, resistentes e sobreviventes à colonização, e as comunidades empobrecidas do Sul e de todo o mundo, têm enorme contribuição a dar. Pois nutrem o desejo da mudança e conservam práticas tradicionais de relação com a natureza e entre si com mais nítidas marcas de interação respeitosa e solidária.

* * * * *

É por onde entendo e aceito o Prêmio Cidadão do Mundo, da Fundação Kant. Porque na minha pessoa vocês e eu vemos todos e todas que encarnamos esta utopia – ideal de vida e compromisso histórico. Concretamente, são Cidadãos do Mundo todos e todas que nos juntamos em defesa do “São Francisco – terra e água, rio e povo”, nos mobilizamos sobre um eixo de vida comum-unitária no pauperizado Semiárido brasileiro, nos dedicamos em resgatar a dignidade dos pobres exigindo com eles ativa e pacificamente a justiça e o direito, os mesmos que deveriam existir universalmente.

Busquei estes Cidadãos do Mundo na minha trajetória de vida nos últimos 40 anos, desde que atendendo ao chamado de Jesus no modo de vida proposto e testemunhado por Francisco de Assis, troquei o rico Sudeste do Brasil pelo empobrecido Nordeste. Encontrei-os nas comunidades e povos empobrecidos e resistentes dos sertões semiáridos do rio São Francisco.

Entendi que Cidadãos do Mundo aqui premiados são os pobres desta região, com quem tenho aprendido mais que ensinado a dignidade do trabalho, a alegria da partilha mesmo na maior carência, o cuidado com os dons da terra, das águas, das matas e dos animais, o direito às condições materiais e imateriais imprescindíveis a uma vida abundante e em paz. Por exemplo, os ribeirinhos lutadores pelo rio e por si mesmos – povo do rio – que encontramos entre 1993 e 1994 ao peregrinar por um ano pelas margens dos quase 3 mil km do terceiro maior rio do Brasil. Ou os habitantes do Semiárido que, apesar dos desmandos e corrupções, aprendem e ensinam a conviver com o clima, com as condições ambientais adversas.

Cidadãos do Mundo premiados pela Fundação Kant são também as incontáveis pessoas e entidades, muitas aqui na Alemanha, que se manifestaram solidárias aos movimentos de jejum e oração que fizemos, em 2005 e 2007, contra o Projeto de Transposição de águas do rio São Francisco. Entenderam nosso gesto: tal projeto sintetiza a falácia do sistema, pois em nome dos pobres sedentos pretende criar segurança hídrica para grandes empreendimentos privados de produção e exportação de produtos hidroitensivos e socialmente danosos, como a cana-de-açúcar para etanol.

Sempre me angustia a pergunta: por que temos que lutar contra, quando temos muito mais a favor para lutar? Mas, se é verdade que “um rio é como um espelho que reflete os valores de uma sociedade”, a nossa não vale o que bebe e come…

Resiste-se às evidências da falência deste modelo. No Brasil, com tantas dádivas da natureza, potencial extraordinário para servir a seu povo, à humanidade e ao planeta nesta hora grave, as crises econômica e ecológica têm sido encaradas até entusiasticamente como oportunidade de negócios lucrativos, numa postura cega, mesquinha e irresponsável. O atual governo, do Presidente Lula, frustrante das enormes expectativas da maioria que o elegeu, se presta a subsidiar a reprodução do modelo falido. O PAC, Programa de Aceleração do Crescimento (cerca de 178 bilhões de euros) prioriza obras de infraestrutura para o crescimento econômico a qualquer custo – até o desrespeito à lei, a povos tradicionais, a instituições do Estado.

No Brasil e em lugar nenhum, não cabe mais o crescimento ilimitado e obsessivo. É urgente mudar nosso modo de produção e nossos padrões de consumo, estabelecendo como critério a destinação universal dos bens necessários. Temos que aprender a “viver mais com menos”. Emergencialmente, ampliar iniciativas como a taxação de atividades destrutivas, do capital especulativo e dos grandes lucros, e o emprego destes recursos em programas de prevenção dos desastres ecológicos e apoio às vitimas da fome, da sede, das doenças e das mudanças climáticas.

* * * * *

Por fim, compreendidas e compartilhadas as razões de estarmos aqui, só tenho a agradecer. Como reconhecimento e reforço de nossa luta, veio em boa hora. Muitos – porque não entendem e minimizam o que está em jogo – já davam por perdido o embate desigual que fazemos. Feliz coincidência: esta semana começamos uma nova Campanha Internacional contra a Transposição do Rio São Francisco, cujas obras estão iniciadas pelo Exército Brasileiro. Lançada pelos 33 Povos Indígenas da Bacia do São Francisco afetados direta e indiretamente, exige consulta a eles e ao Congresso Nacional e respeito aos seus territórios, como manda a Constituição. Convido aos senhores e senhoras a se engajarem nesta Campanha de emails ao Supremo Tribunal Federal e às demais autoridades brasileiras.

Agradeço à Fundação Kant a oportunidade de todo este avanço da consciência e da luta. Associá-la à luta do povo palestino, na pessoa de Jeff Harper, mais a engrandece e aprofunda. Comunico que vamos destinar o valor econômico do Prêmio ao início das obras do Santuário dos Mártires em minha diocese. Cidadãos do Mundo, mais do que ninguém, foram eles que deram a própria vida à causa da Vida. Em vida tiveram sofrimento e dor, que descansem com dignidade e paz!

Agradeço a todas as entidades e pessoas que têm se dedicado abnegadamente à solidariedade com a luta popular no Brasil, em especial aquelas que organizam essa nossa visita à Alemanha e Áustria: KOBRA (Kooperation Brasilein), Missão Central Franciscana, Misereor, Adveniat, Kindam…, Casa do Mundo e Paróquia do Anjo da Guarda, em Graz (Áustria).

Anterior a Kant e à sua entusiástica proposta de uma “paz perpétua”, fundada no exercício do Direito da “comunidade universal”, Francisco de Assis, pai e mestre, quase 800 anos antes das atuais catástrofes sócio-ambientais, propunha a fraternidade universal como o caminho para a salvação de todos e glória do Criador.

A todos e todas minha saudação franciscana, e que ela soe como uma oração: PAZ e BEM!

(Ecodebate, 13/05/2009) publicado pelo IHU On-line, 12/05/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

O Rio São Francisco evapora

rio São Francisco

Estudo americano aponta um alarmante declínio de seu nível de água devido ao aquecimento causado pelo “El Niño”

“A água doce é um recurso vital e a tendência de queda é motivo de preocupação.” Foi com essa frase que um dos mais conceituados cientistas do mundo, o chinês Aiguo Daí, coordenador do estudo que reuniu especialistas americanos do National Center for Atmospheric Research (NCAR), anunciou os resultados da mais completa e extensa pesquisa sobre a redução do volume de 925 rios do planeta. Segundo o pesquisador Daí, o rio São Francisco, o nosso “Velho Chico”, é o que amargou o maior declínio nos últimos 50 anos em território brasileiro – 35% dele secou, o que o coloca ao lado da delicada situação de outros grandes rios, sobretudo nos EUA, África e Ásia. Saber que o São Francisco está evaporando é preocupante para o Brasil. Reportagem de Luciana Sgarbi, na Revista IstoÉ,Edição 2071.

Ele é, na verdade, um rio de integração nacional, traduzindo-se em uma espécie de “caminho natural” de ligação das regiões Sudeste e Centro-Oeste à região Nordeste. Desde as suas nascentes, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, até a sua foz, na divisa entre Sergipe e Alagoas, ele percorre 2,7 mil quilômetros. Ao longo de sua “jornada”, banha cinco Estados: Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Apesar de receber água de 168 afluentes, o “Velho Chico”, descoberto em 1502, está sendo derrotado por um gigantesco fenômeno climático. Trata-se do “El Niño”, que aquece também as águas do Pacífico.

Os cientistas copilaram dados dos maiores rios do mundo abrangendo o longo período que se estende de 1948 a 2004 e concluíram que diversos deles, que atravessam algumas das regiões mais populosas, estão perdendo água. De acordo com os pesquisadores, o fluxo na bacia do Amazonas caiu 3,1%, enquanto outros rios brasileiros apresentaram números completamente opostos, até com elevação de nível na vazão.

No rio Paraná, por exemplo, houve um aumento da ordem de 60%. “Buscamos entender o caso do São Francisco, sobretudo porque a existência de resultados tão diferentes em um mesmo território não é comum”, diz Daí. “A variação está relacionada principalmente a mudanças na quantidade de chuvas nas regiões das bacias. Seguindo essa linha de raciocínio, torna-se impossível não pensarmos no El Niño.” Esse fenômeno meteorológico consiste em um aquecimento anormal das águas superficiais do Oceano Pacífico, afetando o clima do planeta em geral e, mais duramente, o de determinadas regiões específicas.

No estudo americano consta que durante o período em que o São Francisco foi analisado a região de sua bacia apresentou uma leve queda nos níveis de precipitações e um grande aumento de temperatura. “Esses dois fatores contribuíram para o grande declínio e escoamento do rio. É uma lei elementar da natureza: o aumento da temperatura eleva a evaporação e assim acaba reduzindo o fluxo da água”, diz o coordenador do projeto de análise do NCAR.

Na mesma situação de esvaziamento do São Francisco estão outros rios como o Amarelo, na China, o Niger, na África, e o Colorado, nos EUA – e todos abastecem áreas populosas. Um dos casos mais graves é justamente o do Colorado, que mesmo em anos de muita chuva já não consegue se recuperar enquanto deságua no Mar de Cortez. Ali o problema tem duas “nascentes”: a evaporação causada pelo “El Niño” e a transposição. O desvio das águas do Colorado para abastecer a agricultura acabou poluindo e desperdiçando grande parte do fluxo. Para revitalizá-lo, diversos projetos foram desenvolvidos com a finalidade de despoluí-lo e nele aumentar a biodiversidade aquática, que sofreu intensa alteração ambiental devido à construção de hidrelétricas. No Brasil, a transposição do rio São Francisco sempre tem gerado polêmica.

O projeto é da competência do governo federal, sob a responsabilidade do Ministério da Integração Nacional, e está orçado em aproximadamente R$ 4,5 bilhões. Serão dois canais totalizando 700 quilômetros de extensão e que, segundo o governo, estão destinados a assegurar oferta de água em 2025 a quase 12 milhões de habitantes de pequenas, médias e grandes cidades da região semiárida dos Estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte.

As críticas sobre o projeto recaem no fato de ele ser uma obra cara e que abrange somente 5% do território e 0,3% da população do semiárido brasileiro. Finalmente, diversos ambientalistas ressaltam também que a transposição poderá afetar intensamente o ecossistema ao redor de todo o São Francisco. Sobre um ponto, no entanto, não resta dúvida: alguma providência tem de ser tomada sobre um rio vital na união de regiões do País e que já perdeu 35% de sua água.

[EcoDebate, 24/06/2009]

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Consciência Ecológica e Preservação Ambiental

Quando o Brasil sediou a ECO 92 – Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, os meios de comunicação se ocupavam muito pouco da questão ambiental e a consciência ecológica era privilégio de poucos e esclarecidos cidadãos. Essa conferência, que aconteceu no Rio de Janeiro, estabeleceu o conceito de "Desenvolvimento Sustentável", que não apenas focava sua temática no meio ambiente, mas também no estabelecimento de uma sociedade mais justa, solidária e pacífica.

A Carta da Terra

"Para se atingir uma visão compartilhada de valores básicos que proporcione um fundamento ético à comunidade mundial emergente, a Carta da Terra, formalizada durante o encontro, foi estruturada em quatro grandes princípios. Estes princípios são interdependentes e visam a um modo de vida sustentável como padrão comum. Espera-se que através deles a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos e instituições transnacionais seja dirigida e avaliada.

Respeitar e cuidar da comunidade de vida

Assegurar a integridade ecológica

Comprometer-se com a justiça social e econômica

Democracia, não-violência e paz como princípios universais

A Carta é um documento relativamente breve e conciso, escrito com linguagem inspiradora. É a articulação de uma visão que reflete valores universais e uma declaração de princípios fundamentais com significado perdurável e que pode ser compartilhada amplamente pelos povos da todas as raças, culturas e religiões. É uma chamada para a acção, que agrega novas dimensões significativas de valores às que já se encontram expressas em outros documentos relevantes e, ainda, uma Carta dos povos que deve servir como um código universal de conduta para pessoas, para instituições e para Estados." (Fonte: Wikipédia)

A ECO 92 tornou-se um marco entre a sociedade de desperdícios e consumismo e uma nova era que começa a se tornar realidade a partir desses princípios. Hoje, as ações que se desenvolvem em todas as esferas de poder e, principalmente, através de organizações não-governamentais, nos permite acreditar em um mundo mais justo, mais digno, mais pacífico e viável!

No entanto, em nosso país continental, os desequilíbrios culturais, econômicos, sociais e políticos favorecem a manutenção de situações insustentáveis para o meio ambiente. Na Amazônia, os interesses de madeireiros, mineradoras, latifundiários e de coronéis da política sobrepujam o bom senso e a honestidade de princípios, e ameaçam destruir o mais completo e diversificado ecossistema do planeta. Na zona costeira, a Mata Atlântica representa, hoje, menos de 7% do que foi na época do Descobrimento, e continua sendo ameaçada por mineradoras e latifundiários, mesmo em estados desenvolvidos como São Paulo, Minas Gerais e Paraná.

Em todo o país, nosso patrimônio espeleológico está ameaçado pela própria ação governamental que, pressionada pelas mineradoras, é tentada a liberar cavernas de inestimável valor científico, histórico, cultural e turístico para a extração de calcário, alumínio e outros minerais.

Os recursos hídricos de nosso país não têm paralelo em qualquer outra região da Terra; possuímos as maiores bacias hidrográficas do mundo, o maior aquífero subterrâneo, os maiores reservatórios artificiais. No entanto, nossas bacias hidrográficas sofrem agressões de toda espécie: esgotos das cidades, resíduos industriais, agrotóxicos...

A estratégia de longo prazo para todos esses males é a conscientização de toda uma geração que será herdeira de nosso planeta para que façam o que não fomos capazes de fazer: conter a destruição ambiental, mudar hábitos de consumo e preservar a Natureza. Como implementá-la? Através da educação ambiental em todos os níveis de ensino, o compromisso formal com o meio ambiente, a responsabilização civil e criminal por todas as agressões à Natureza. Se nossa geração perdeu a oportunidade de reverter esse quadro, ainda temos tempo para transformar os nossos descendentes e fazer deles cidadãos responsáveis e compromissados com o futuro da Humanidade!

domingo, 2 de agosto de 2009

Represamento do São Francisco: ponderações

Na antiguidade, o que assegurou a prosperidade do povo egípcio foram as cheias do rio Nilo; quando transbordava, levava, com suas águas, a fertilidade aos solos inundados; quando o rio voltava ao seu curso, a agricultura se desenvolvia nessas terras e garantia a alimentação desse povo, cuja civilização prosperou por mais de um milênio.

O São Francisco era assim: nas cheias, formava lagoas onde peixes e pássaros se reproduziam e cresciam protegidos dos predadores. Quando as águas escoavam de volta ao seu leito, levava consigo a vida renovada e deixava para trás terras férteis e produtivas. As represas reduziram drasticamente essa função fertilizadora do rio.
Mas não foram apenas essas as consequências do represamento. Muitas espécies de peixes se reproduzem depois de subir o rio em direção à nascente, fenômeno conhecido como "piracema". Com a construção das represas, essas espécies não tinham como migrar e, aos poucos, foram desaparecendo do Velho Chico.
E houve outra consequência para a vida no rio: as represas funcionam como desaceleradora da correnteza; o rio reduz sua velocidade e, com isso, os detritos e a terra arrastada das margens, aos poucos se sedimentam no fundo, tornando a água límpida e azul. Parece bom, mas não é. Muitos peixes, como o dourado, precisam da correnteza para caçar. Outros dependem da água turva para surpreender suas presas. Nas águas lentas e límpidas das represas esses peixes tendem a desaparecer ou crescem menos, por não conseguirem se alimentar suficientemente.
Quando falamos em revitalização do São Francisco precisamos equacionar soluções para esses problemas: criar condições de reprodução das espécies desaparecidas ou ameaçadas de extinção, construir escadas próximas ao vertedouro das represas para permitir a piracema, estimular a criação de peixes em açudes próximos às margens para repovoamento das espécies ameaçadas, e proteger as lagoas remanescentes para que continuem sua função de berçários naturais para pássaros, peixes, répteis e mamíferos.
Mais um efeito do represamento: a grande área exposta pela lâmina dágua das represas favorece a evaporação; estima-se que 75% da evaporação do rio ocorre nas represas. É claro que uma parte dessa água retorna ao rio com as chuvas; no entanto, a evaporação é muito maior no período das secas.
Quanto ao assoreamento das represas haverá que se estudar alternativas economicamente viáveis para evitar que sua capacidade de armazenamento chegue a níveis em que a recuperação se torne onerosa demais para ser realizada. O custo ecológico da construção das represas pode ser, em parte, recompensado pelos benefícios sociais da regularização do ciclo das águas e da produção de energia elétrica, mas a sobrevivência do rio, evidentemente, é prioritária. Portanto, quando se pensa em um projeto de revitalização da bacia do São Francisco, há que se considerar os impactos dos reservatórios artificiais construidos em seu percurso, e em soluções específicas para esses ecossistemas confinados.

sábado, 1 de agosto de 2009

Reflorestamento de nascentes, margens e áreas degradadas

O reflorestamento de nascentes, margens e áreas degradadas, bem como a recuperação e controle de processos erosivos na bacia enquadram-se no tipo de ação considerada estratégica para a revitalização, sendo a degradação da vegetação e os processos erosivos já instalados um problema crônico que repercute negativamente, de diversas maneiras, na qualidade dos recursos hídricos.

Foram implantados viveiros de referência nas sub-bacias para produção de 1,5 milhão/ano; recuperação ambiental de projetos de assentamentos ; plano de desenvolvimento florestal da bacia; Recuperação da Cobertura Vegetal de Nascentes BHSF

Os projetos de reflorestamento de nascentes, margens na região do Submédio São Francisco, garantiram na Bacia dos rios Pontal, Brígida e Pajeú em Pernambuco a recuperação de cerca de 370 há.

Assim, estudos e projetos que se destinam à recuperação de áreas já degradadas ou que tenham caráter preventivo para a conservação e preservação de áreas não degradadas, também integram a lista das ações do Ministério da Integração Nacional/CODEVASF, em parceria com diversas instituições.

Podem ser citados o convênio com o Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais para reflorestamento de margens e áreas degradadas na região norte do Estado, os convênios com a Universidade Estadual da Bahia e Embrapa/Funder para a recuperação da cobertura vegetal de nascentes da região do Submédio São Francisco.

Projetos de reflorestamento de matas ciliares em assentamentos de reforma agrária, ao longo de toda a bacia, o Plano de Desenvolvimento Florestal da Bacia, para Minas Gerais e Bahia, e o apoio ao Programa Nacional de Florestas, foram alocados na recomposição da cobertura vegetal, aí incluídas parcelas destinadas à constituição de viveiros de mudas nativas em cinco regiões da Bahia.

Estudos de Viabilidade de implantação de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e Estudo sobre acesso ao Mercado de Carbono - O emergente mercado de carbono representa um dos mais disputados contextos no qual o pagamento por serviços ambientais está sendo debatido. A oferta de projetos de carbono no setor florestal visam reduzir emissões globais de gases de efeito estufa, mediante a troca de créditos, negociadas através de bolsa de valores.

Este estudo beneficiará todos os empreendimentos que comprovadamente conseguem demonstrar através de suas práticas metodológicas diminuir efeitos de gás estufa. Além do setor florestal poder se beneficiar, os projetos na área de tratamento de resíduos sólidos e de alternativa de energia limpa, como de matriz eólica (conforme o Parque Eólico no Submédio proposto para 2006) e de produção de biocombustíveis, podem se beneficiar destes estudos.

Além desses projetos, há também repasse para os editais do Fundo Nacional do Meio Ambiente que se destina à proteção e recuperação de nascentes e margens degradadas. As obras de contenção do Dique Cotinguiba/Pindoba, em Sergipe, é outra importante ação em curso incidente junto às margens do rio na região do Baixo São Francisco. Tal região também foi contemplada com projetos de revitalização de pequenas várzeas, em convênio com a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Alagoas.

O Projeto Demonstrativo de Gestão e Recuperação de Áreas Degradas pela Mineração, que mescla os temas recuperação de áreas degradadas, conservação do solo e monitoramento ambiental, foram alocados.

Fonte: Ministério da Integração Regional - Projeto de Revitalização da Bacia do São Francisco

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Malhada / BA

Hidrelétrica de Xingó - AL / SE

Carinhanha / BA

Propriá / SE

Bom Jesus da Lapa / BA

Penedo / AL

Paratinga / BA

Piaçabuçu / AL

Depoimento de Dom Frei Luiz Cappio, Bispo de Barra, BA

Principais Afluentes

Rio Abaeté

Rio Pandeira

Rio Borrachudo

Rio Pará

Rio Carinhanha

Rio Paracatu

Rio Corrente

Rio Paramirim

Rio das Velhas

Rio Paraopeba

Rio Grande

Rio Pardo

Rio Indaiá

Rio São Pedro

Rio Jacaré

Rio Urucuia

Rio Pajeú

Rio Verde Grande

Entrevista à TV Sergipe, Aracaju

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