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quinta-feira, 26 de abril de 2012

Código florestal em roleta russa

Artigo do professor José Eli da Veiga * para o Valor Econômico

Há três motivos para que o jogo da roleta russa seja ótima metáfora para caracterizar a revogação do quase-cinquentão “Novo Código Florestal”: um precedente, o processo decisório, e, sobretudo, as consequências, que em grande parte sobrarão para os agricultores.

O precedente não deveria ser tão desconhecido. Há cinco anos os legisladores da Rússia ignoraram os pareceres científicos contrários ao relaxamento das regras de conservação que até então haviam garantido a proteção das florestas de seus imensos biomas. Lá como aqui, o presidencialismo de coalizão não deu bola para a séria advertência dos pesquisadores: reduzir a cobertura florestal iria perturbar o ciclo hidrológico, aumentando secas drásticas e a frequência de outros eventos climáticos extremos.

A imprudente nova lei foi promulgada sem vetos pelo presidente Vladimir Putin. Então, por incrível que pareça, bastaram cinco anos para que o país fosse assolado por inédita onda de incêndios, que tornou o ar de Moscou quase irrespirável, gerando pânico sobre a possibilidade de imenso incêndio metropolitano. Simultaneamente foram afetadas as colheitas, com perda de um quinto na de trigo.

Será catastrófico o indulto aos desmatamentos de APP de beira-rio em imóveis rurais de até 15 módulos.

Tão ou mais importante é registrar que não foram necessários mais do que esses cinco anos para que a mídia russa passasse a tratar de “profetas” os cientistas que haviam alertado para os riscos de retrocessos na preservação florestal. Narrativa mais detalhada sobre tão arrepiante presságio fecha o ótimo ensaio do jornalista Leão Serva para o livreto Análise, publicado em março pelo WWF-Brasil: “Congresso brasileiro vai anistiar redução de florestas em pleno século XXI?”

Em quanto tempo também serão consideradas proféticas as manifestações conjuntas da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) sobre os temerários retrocessos aprovados pela Câmara em 24 de maio, e pelo Senado em 6 de dezembro? Quanto tempo será exigido para que se tornem profecias os conteúdos do livro “Código Florestal e a Ciência; Contribuições para o Diálogo” e de sua brochura complementar “O que nossos legisladores ainda precisam saber”?

Ou será que, para o bem de todos e felicidade geral da nação, essa sombra do exemplo russo poderia ajudar a presidente Dilma Rousseff a evitar erro tão grave e primário quanto o de Putin?

O segundo motivo para a metáfora da roleta russa está nos procedimentos do processo decisório que levará à revogação do Código. Com realce para o principal expediente anti-democrático que está sendo usado por representantes da especulação fundiária na Câmara contra seus pares, que ofende a opinião pública: só apresentar o relatório a ser votado às vésperas da decisão. Existirá algum outro parlamento que aceite ser constrangido a se pronunciar sobre matéria tão complexa sem que tenha havido tempo para cuidadoso exame do texto que será submetido à votação?

Foi exatamente o que ocorreu na Câmara em 24 de maio, quando muitos deputados votaram a favor de projeto que agora chamam de “monstrengo”. E não foi diferente no Senado em 6 de dezembro, quando um equivocado rolo compressor impediu que se desse a devida atenção a três preocupações básicas e de bom-senso: a) não consolidar invasões de áreas de preservação permanente (APP) por simulacros de pastagens; b) não passar por cima da Lei de Crimes Ambientais (9.605 de 12/02/1998), c) nem ignorar a Lei da Agricultura Familiar (11.326 de 24/07/2006).

Catastrófico agravante será a confirmação do furo da “Folha de S. Paulo” de sábado (14 de abril): o indulto aos desmatamentos de APP de beira-rio poderia abranger todos os imóveis rurais de até 15 módulos. Como eles ocupam cerca de metade da área total dos imóveis rurais, seriam uns 280 milhões de hectares, dos quais apenas 80 milhões estão com agricultores familiares.

O terceiro e mais dramático motivo para se evocar a roleta russa tem a ver com as consequências práticas da revogação do “Novo Código Florestal de 1965″ por lei cujo principal efeito será um amplo e irrestrito respaldo aos especuladores fundiários. Se o grosso dos produtores agrícolas está dando entusiástico apoio à demagogia de pretensas lideranças ruralistas é porque considera os fiscais do Ibama muito piores que satanás. Esses incautos agricultores estão supondo que a aprovação do novo monstrengo os livrará das dores de cabeça sobre o que fazer em APP, ou sobre o respeito à reserva legal (RL). Ledo engano. Se conhecessem o substitutivo do Senado, assim como algumas das emendas que serão propostas pelo misterioso relatório à Câmara, perceberiam que não haverá advogados suficientes para que tentem se defender de sanções por eventuais suspeitas de irregularidades.

Em suma: a incrível ironia da história é que os verdadeiros agricultores já deveriam estar torcendo para que seja bem arguida junto ao STF a inconstitucionalidade desse novo mostrengo que os deputados federais estão prestes a aprovar, mais uma vez de olhos vendados. Alguns de nariz tapado.

José Eli da Veiga: professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas - IPÊ

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Reflexões insólitas

Dizem que o Universo tem 15 bilhões de anos, o Sistema Solar 4 bilhões de anos e a Terra só surgiu há um bilhão de anos. Na verdade, esses números são apenas referências abstratas de quão longa é a existência do Universo, já que ninguém poderá contestá-los. O homem se diferenciou dos primatas há cerca de um milhão de anos e o Homo Sapiens surgiu há cerca de 300 mil anos. O homem "moderno", tal qual o conhecemos hoje, só apareceu há 50.000 anos e a história da civilização remonta a 10.000 anos atrás.

Ou seja, nós só começamos a transformar o mundo em que vivemos a partir das antigas civilizações, dos Sumérios, dos Babilônios, dos Fenícios, dos Persas, dos Chineses, dos Egípcios, dos Gregos e dos Romanos... de 5.000 anos antes de Cristo para cá. Desde então, a evolução do conhecimento humano ocorre em velocidade exponencial.

No entanto, nem todo o conhecimento humano é suficiente para atender às nossas expectativas e responder às questões elementares de todo ser humano: de onde vim, o que sou, para onde vou. As religiões surgiram e continuam a existir para preencher as lacunas do nosso conhecimento.

No início dos tempos, as aldeias onde se assentavam os seres humanos estavam cercadas por demônios e divindades, que simbolizavam o terror sentido por aqueles indivíduos diante dos fenômenos incompreensíveis que dominavam suas existências. Para eles não existiam opções, e a vida era um tormento marcado pela necessidade de sobreviver, de procriar e de dominar seus semelhantes.

As religiões surgiram para explicar o inexplicável, criando uma entidade abstrata que justificaria tudo o que fosse incompreensível: Deus, a fonte da Sabedoria, o Criador de todas as coisas, o Ser Supremo que tudo pode. O Deus único substituiu as antigas divindades e consolidou o domínio de todas em um só Ser Todo Poderoso e Eterno.

Ao longo dos tempos desenvolveram-se três tipos de religião. Para a primeira, a vida é uma só, única e irreversível; e conforme nosso desempenho e conduta nessa vida, teríamos como destino o Céu, o Inferno ou o Purgatório. As contradições desse tipo de religião são evidentes, a começar pela injustiça latente na origem de cada ser humano e suas possibilidades de sucesso ou fracasso nesta vida, e na duração da própria vida, que poderia abortar uma possibilidade de sucesso antes mesmo que o indivíduo provasse seus méritos para a vida eterna.

A segunda hipótese é a das reencarnações, uma sucessão de vidas ao longo das quais o ser humano se aperfeiçoaria até que não precisasse mais retornar à vida terrena e estaria libertado desse ciclo do renascer. O paradoxo não explicado é o crescimento contínuo da população terrestre e a motivação desse processo evolutivo, uma vez que Deus seria um ser perfeito e suficiente em si mesmo. Então, para que o ser humano?

A terceira hipótese é uma variação da anterior; só que, atingindo a perfeição neste mundo, o espírito passaria para mundos sucessivamente mais sutis, onde continuaria seu processo evolutivo. Quantos níveis evolutivos existiriam? Quem teria voltado da Eternidade para explicar a existência desses outros mundos sutis? Por que os mundos sutis reproduziriam as mesmas condições terrenas de nosso mundo grotesco?

Enquanto a Ciência trabalha para destruir esses simplórios dogmas religiosos, as crenças humanas permanecem intactas, uma vez que o homem não sabe praticamente nada a respeito desse complexo Universo. A religião é necessária para que os homens possam viver em sociedade. Sim, pois se não houvesse um parâmetro de controle, por que as pessoas viveriam em relativa paz? Por que lutariam pela ética, pela justiça, pela dignidade, pela solidariedade?

Nenhum código de vida seria aceito e respeitado se soubéssemos que, com nossa morte, tudo se acabaria, que não existem recompensas pelo bom comportamento, assim como não existem punições para o "pecado". E o mundo se tornaria um caos, e a barbárie nos levaria de volta aos tempos primitivos, onde a única lei era a do mais forte e desleal.

A Terra terá seu fim, seja porque o Sol se acabará um dia, seja porque o próprio Homem conseguirá antecipar a destruição do planeta pelos seus atos predatórios contra o meio ambiente, e toda fonte de água, de alimentos e de energia se extinguirá em pouco tempo.

Então, todo o conhecimento acumulado pelos homens será perdido para sempre. Talvez existam sobreviventes; talvez o homem encontre outros mundos, outros planetas para ocupar e destruir depois da Terra; mas são meras conjecturas... afinal, o Homo Sapiens é apenas uma aberração genética, uma mutação acidental da vida em suas infinitas manifestações.

Seja como for, assim como ocorreu com todas as civilizações que nos precederam, nossa sociedade contemporânea também chegará a seu ocaso e declínio, desaparecendo em função dos abusos cometidos e da extinção de suas fontes de suprimento. A única diferença é que agora vivemos em escala global, todas as sociedades interligadas em uma única rede de produção e de consumo, sujeitas às mesmas regras que nos destruirão a todos. Curiosamente, se isso acontecer, as sociedades que têm maior probabilidade de sobreviver são as mais remotas, as mais pobres, as mais esquecidas, as mais injustiçadas e humilhadas...

E se esse Universo que concebemos for apenas o interior de uma pequena célula de um Universo muito maior que o contém? E se esse pensamento recursivo se propagar ao infinito, evidenciando nossa total irrelevância no concerto universal das coisas, que jamais caberia em nossa limitada compreensão? E se muito além de nossa imaginação não passarmos de pensamentos nas mentes de outros seres muito mais poderosos e eternos?

Meras reflexões de um passeio pelo bosque...

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