segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Vida Simples ao Extremo!


Durante mais de três meses minha vida se limitou a remar, acampar, fazer comida, escrever e pensar... observei a Natureza ao meu redor, não como um reles expectador, mas como outra das tantas vidas que pulsavam naquele rio de tão diversificadas feições. Estava lá, limitado pelas margens e barrancos, conduzido pelas águas assim como os animais que o habitam há tantos séculos... hoje nem tantos e nem tão diversificados como no passado, quando o rio era selvagem e os povos indígenas não o molestavam com o lixo, as barragens, a pesca predatória, as queimadas, o desmatamento, o esgoto e os produtos químicos jogados em suas águas.


Meditei muito a respeito do supérfluo que nos pressiona ao consumismo e nos encaminha para um futuro assustador, enquanto o mundo discute suas vaidades em não ceder para não parecer fragilizado diante de seus vizinhos dessa aldeia global em que se transformou agora. Não entendi muito bem por que parece tão difícil para a maioria dos homens o que é tão simples para mim, como a vida no rio...


Acordava cedo, à primeira luz do dia ou ao cantar dos pássaros no alvorecer. Em poucos minutos já estava de pé, ajeitando as tralhas do acampamento na canoa, fazendo minha primeira refeição, singela e agradável, sob árvores frondosas, ou diante de um dos incansáveis espetáculos da Natureza, tingindo de cores o céu e as águas...


Logo, a canoa deslizava suavemente pelo rio, abrindo pequenas ondas ao seu redor, quebrando o espelho e perseguindo o Norte ou o Leste, não importava o destino, pois o único caminho que eu tinha me levava ao mar, distante e misterioso como todo meu percurso. Meus olhos registravam cenários efêmeros, que logo se dissipavam, dando lugar a outras pinturas que minha câmera se recusava a preservar. Às vezes eu nem tentava fotografar ou filmar, extasiado pela beleza e encantado pela sonoridade dos cantos dos pássaros...


O ritmo constante das remadas agia como um bálsamo ou um alucinógeno, levando-me a pensares não imaginados, conduzindo minha mente para além da mediocridade humana... em nenhum momento pareceu-me monótona a vida no rio; nada se repetia, ainda que as idéias fossem as mesmas, havia sempre uma transformação que conduzia a novas conclusões.


Nunca almoçava; não havia tempo para interromper a "caminhada", pois "navegar era preciso" e "chegar a algum lugar no mapa" significava cumprir a missão daquele dia. Bebia muita água, mais de quatro litros por dia; comia castanhas e granola, às vezes um doce, e isso me bastava. À tardinha, quando o sol se aproximava do horizonte, era hora de buscar abrigo: uma pequena praia ou um barranco protegido sempre estavam a me esperar e para lá me dirigia.


Sempre sabia que aquele era o lugar escolhido, pois a canoa se dirigia a ele quase espontaneamente; eu mal conduzia o barco e ele parava no lugar apropriado. É curioso como a Natureza provê tudo o que precisamos para sobreviver em segurança. Muitos me disseram: "vai ser roubado!", ou "vai naufragar", ou ainda "cuidado com os bandidos!". Que bandidos?


Montava meu acampamento sem pressa, pois o dia é longo e o tempo passa devagarinho para quem não está na correria das cidades... esse foi o mais longo ano de minha vida... e o mais expressivo, mais belo, mais gratificante, mais produtivo em todos os aspectos. O fogareiro fazia uma comida simples e gostosa, com alguns condimentos que levei... comia devagar, saboreando cada porção de alimento, imaginando que seus nutrientes me fariam recuperar as energias perdidas nas remadas. Bebia um refresco, ou apenas água...


Antes de me recolher lavava as roupas e os materiais de cozinha, e isso também nunca me incomodou. Um pequeno aparelho enviava um sinal para meus amigos e a família, confortando-os com a mensagem de que eu estava bem. Revisava as fotos do dia, as filmagens, olhava os mapas e me situava no globo dos homens, que pouco signficava para mim. Antes de dormir escrevia minhas memórias, meu essencial "diário de bordo".


Pela manhã o ritual era mais simples: desmontar a barraca, colocar a canoa na água, tomar um leite com "ovomaltoddy" ou granola, desfazer as marcas que deixara de minha presença nas areias da praia ou nas folhas do barranco, e seguir viagem novamente. Ah... estava me esquecendo de minhas necessidades fisiológicas! Um pequeno buraco na terra, longe da água, umas folhas, sabão antissético e um banho de rio; escovar os dentes e... pronto!


Assim foi minha vida nesses 99 dias que se passaram desde que saí de São Roque de Minas, exceto os três meses que corri atrás de patrocínio inutilmente... se quero viver assim? não sei... talvez meu espírito inconstante busque novos desafios, novas aventuras, novas experiências antes que eu me acomode em um pequeno esconderijo no meio do mato, no alto da montanha, na escuridão das matas, em algum lugar distante e desabitado, onde possa terminar meus dias... talvez eu não possa escolher o meu destino... mas vocês sabem o que eu quero nesse final e, quem sabe, se compadeçam de mim e deixem-me partir em paz...

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