terça-feira, 30 de junho de 2009

Pequeno conto que virou lenda...

“Seu” José era um homem rude, sem fé. Morava sozinho à beira do rio desde que sua mulher, Donana, falecera, havia muitos anos. Não tiveram filhos. Vivia daquilo que a Natureza lhe dava. Às vezes caçava uma capivara, outras pescava um surubim na canoa a remo que ele mesmo construíra.
Não tinha luxos em sua casa; nem geladeira ele possuía, pois acreditava que nunca lhe faltaria o que comer... Também não plantava. Não queria ter a responsabilidade de cultivar a terra, plantar, cuidar, colher, estocar... Apesar disso, não era um homem preguiçoso. Com seus quase setenta anos acordava com o nascer do sol e cuidava de seu pequeno rancho, onde tudo funcionava e tinha uma razão de existir, que só mesmo ele conhecia.
Cuidava de suas próprias roupas, costurava, remendava e as mantinha limpas e arrumadas. Nunca passara nenhuma roupa, pois achava perda de tempo. Não se ausentava do rancho senão para pescar ou caçar. Frutos ele colhia das árvores de seu pomar, quando havia.
Nunca recebera ninguém em sua casa e todos dele se afastavam com receio de seu temperamento.
Mas “seu” José também tinha as suas manias, crendices, esquisitices, que só mesmo ele saberia explicar, caso falasse com alguém. Viram-no, certa feita, dependurando as penas de uma garça que abatera e comera, uma por uma, no arame farpado da cerca que instalara defronte ao rio.
Deixou-as lá por alguns dias e depois retirou cada uma delas, cavou vários buracos ao longo da cerca, e as enterrou, como em um ritual.
Dos animais que caçava guardava os ossos, mantendo, sabe-se lá como, o esqueleto perfeito e limpo. Via-se da janela uma prateleira repleta deles. Quando aparecia a lua cheia ele se plantava nu sobre o telhado, e permanecia agachado, olhando atentamente para o céu, até que o astro desaparecesse no horizonte.
Ele vivia tão só que se imaginava que já nem soubesse falar direito. No entanto, ouvia-se noite adentro seus resmungos e lamentos, quase um cântico funesto e triste. Às vezes o viam proferindo palavras incompreensíveis em direção ao rio.
Um dia ele desapareceu; saiu com sua canoa e não voltou mais. Acreditava-se que tinha morrido, ou tenha ido embora para outro lugar.
Passaram-se os dias, semanas, meses, e nada do “seu” José. O rancho estava abandonado, a cerca despencara, o telhado já apresentava buracos das telhas que caíram, o mato se alastrava por toda a parte e temia-se que as cobras e outros bichos tomassem conta do lugar e acabassem por passar para as propriedades vizinhas.
Resolveram, então, os seus vizinhos, ir até à sua casa e tentar compreender o que poderia ter acontecido, tomando alguma providência para limpar aquela imundície.
Em um dos armários todas as gavetas estavam repletas de folhas manuscritas com poemas incompreensíveis: eram palavras desconhecidas, porém com rimas, métrica e ritmo! Não havia como compreendê-las...
Lembraram-se das penas da garça, enterradas no quintal, próximo à cerca. Por curiosidade as desenterraram; estavam todas recortadas, em forma de desenhos estranhos. Parecia terem um código secreto registrado nesses formatos. Junto a elas havia embalagens vazias...
Mas não conseguiram decifrá-lo... e esse mistério só fez aumentar a lenda sobre o velho pescador. Com o passar dos anos, cada esquisitice encontrada no rancho se tornava uma história, incluindo assassinatos, tesouros, rituais satânicos, esquizofrenia...
“Seu” José era um homem simples e não sabia ler nem escrever. Apenas tentava copiar palavras de antigas revistas de poesia que sua mulher colecionara ao longo dos anos. E recortava as penas das garças, imitando os códigos de barras das embalagens encontradas no rio...

Esse texto fará parte do livro "Meu Velho Chico", a ser publicado ao final da expedição.

sábado, 27 de junho de 2009

Natureza Selvagem

Intensas emoções, monótonas belezas... Complexos universos, paisagens imutáveis... Contemplativo campo onde as batalhas nunca terminam; não há vencidos ou vencedores, não há heróis nem coadjuvantes...
Uma garça é qualquer garça... milhares de árvores se confundem em nossa percepção limitada da realidade... tudo igualmente verde; tudo igualmente difuso...
Aqueles patos mandarins teriam sido sempre os mesmos durante toda a viagem? Não importa? A água que flui incessantemente no mesmo lugar seria a mesma água todos os dias, todas as horas, o tempo todo? Aquela que chega à foz, de onde veio, afinal?
Em nossos mundos individuais tudo tem nome, endereço, origem... e nos diferenciamos pelo olhar, pela voz, pelo movimento, pelas palavras... até mesmo pelas roupas!
Seríamos, deveras, diferentes? Mudamos constantemente durante a vida, e aquele que nasceu, no momento seguinte já não mais existe...
Quando partir não serei eu mesmo e, no entanto, aqui não deixarei meus rastros. E nada levarei, senão as recordações, as imagens registradas na memória... ou nas máquinas digitais... talvez algum pensamento ou emoção escape de mim e corra para a selva, sem que eu possa perceber. E passe, então, a viver como os outros animais...
Sentirão eles as minhas emoções?
Talvez alguém, daqui a muitos anos, ao passar por aqui, encontre os meus pensamentos, mas eles também não serão os mesmos, pois se tornaram bichos, embrenharam-se nas matas, circularam pelas mentes de outros seres e também se transformaram...
Fará algum sentido, então, esse antigo pensamento? Talvez não... pode ser até que não haja, sequer os animais... as árvores terão caído ou sido derrubadas... talvez o rio esteja seco... casas, pessoas, concreto, asfalto, poluição talvez estejam aqui, em seu lugar...
E aquele pensamento, aqueles sentimentos anacrônicos se perderão para sempre, assim como minhas recordações e as lembranças que porventura tenham de mim... e eu terei sido levado pelo tempo, pelo vento... assim como meus pensamentos...
E minhas palavras se perderão no deserto que ficou por aqui.
Infinita e monótona beleza, é por isso que não resistirás! Não há utilidade na Beleza! Beleza não se produz... Beleza não se consome... ela apenas está aí, enquanto a querem. Não vale a pena lutar por preservar a Beleza...
Por isso, quando te vi, quando contemplei tua vastidão infinita, quedei-me a teus pés e só fiz chorar... haverá, um dia, um mundo sem luz, sem cor, sem pássaros e seu cantar, sem as águas cristalinas de uma cascata, jorrando, sem cessar, o seu frescor e pureza...
Nesse mundo eu não quero estar...

Esse texto fará parte do livro "Meu Velho Chico", a ser publicado ao final da expedição.

[foto: Closé Limongi]

terça-feira, 23 de junho de 2009

De Iguatama a Três Marias: momento de decisão!

Saí de Iguatama na segunda-feira, dia 15 de junho, pela manhã. As feições do rio desde o encontro com o Samburá se mantiveram de um padrão único, com altos barrancos barrentos, muitas árvores derrubadas pelas últimas chuvas, troncos ocultos sob as águas, e curvas intermináveis, à direita e à esquerda, aumentando as distâncias para quem observa as cartas topográficas sem a qualidade adequada à navegação.

Preocupavam-me o atraso no cronograma original, as distâncias a serem percorridas e a monotonia do cenário, cada vez mais contínuo e sem as belezas naturais verificadas no trecho inicial desde Vargem Bonita. Também os locais de acampamento se tornaram mais difíceis, muitas vezes exigindo superar os barrancos íngremes para encontrar um local plano. Cheguei a acampar sobre um lamaçal seco e craquelado, por detrás de uma árvore despencada, e sob o risco de desabamento do barranco, por falta de alternativas visíveis, pois já passava das 17:00 horas e logo iria escurecer!
Apesar disso, a navegação se tornou fácil e sem grandes imprevistos, com o fim das corredeiras. Isso me permitia observar mais atentamente a rica fauna da região, principalmente a diversidade de pássaros! Um dia cheguei a assistir a uma imensa revoada de patos, garças e outros pássaros, que passaram sobre mim, em grandes grupos, durante vários minutos.
Das margens ouvia-se o canto de milhares de pássaros em lugares que pareciam criadouros de aves, tamanha a algazarra provocada pelos cantos os mais diversos!
Logo na terça-feira, eu me encontrei com um pescador de 70 anos, sr. Roberto Borges, pessoa de grande sensibilidade e consciência ecológica, que me deu várias orientações e gravou um depoimento emocionante sobre a degradação ambiental no São Francisco.
Na quinta-feira me encontrei com um grupo de pescadores que me convidou a almoçar. Aceitei, e eles me alertaram sobre o que estava por vir na entrada da represa de Três Marias. Segundo eles, experientes pescadores, na entrada do lago havia uma grande corredeira, muito forte e difícil de ser vencida. Recomendaram-me que não fizesse esse trajeto, pois meu barco não suportaria. Mesmo com barco a motor eles disseram que era difícil entrar na represa!
Acabei pernoitando no acampamento deles e obtive mais informações e subsídios para a minha decisão. Eles haviam pescado muitas piranhas de 3 a 5 kg, um pintado (surubim) de uns 8 kg e um grande dourado de cerca de 12 kg. Convidaram-me a ir para seu rancho antes de prosseguir.
Na sexta-feira pela manhã saí cedo e cheguei ao rancho perto do meio-dia. Almocei com eles e decidi que não faria a entrada na represa. Segui remando até uma ponte próxima às corredeiras e contratei um pequeno caminhão para levar-me até Três Marias, onde cheguei às 21:00 horas.
Passei a noite meditando sobre tudo o que acontecera desde o início da expedição. Minha maior preocupação tinha sido superar obstáculos! As questões ambientais foram deixadas de lado em função das inúmeras dificuldades encontradas. E, nos últimos dias, minhas atividades se resumiam em remar cada vez com mais vigor para cumprir um cronograma que nada tinha a ver com meus objetivos e propósitos nesta expedição.
Encontrara poucas pessoas, tomara pouquíssimos depoimentos, fotografara poucas cenas, e nenhuma fora do leito do rio, perdi algumas oportunidades de conhecer lagoas de reprodução que estavam a poucos metros das margens... e, para completar, estava consumindo meus recursos financeiros e comprometendo seriamente a expedição.
Além disso, fui informado por um habitante de Três Marias que a uns 10 km da cidade havia uma perigosa corredeira, a Cachoeira Grande. Depois, uns dois dias de navegação, e havia outra, a Cachoeira Criminosa, uma enorme pedra que obstruía a passagem, sem ser percebida por quem desce o rio! Era emoção demais para quem buscava relacionamentos e informações sobre o meio ambiente, como eu!
Por tudo isso, decidi interromper minha viagem, reavaliar meus objetivos, buscar apoios financeiros e retomar a intenção de fazer essa expedição com propósitos preservacionistas.
Portanto, para quem me acompanha, essa é minha decisão: não farei mais corredeiras, não passarei por trechos perigosos, pois não estou fazendo rafting ou canoísmo como esporte, mas sim como meio de locomoção para conhecer o rio São Francisco e as comunidades que vivem em seu entorno, que dependem de suas águas para sobreviver! Creio ser essa a melhor atitude, antes que todos os objetivos da expedição estejam comprometidos...
No início de julho ocorrerá em São Paulo o 4o. Salão do Turismo: Roteiros do Brasil, quando será distribuída a revista "Circuito das Gerais" com uma reportagem de capa sobre minha expedição. Estarei lá para participar desse evento e obter apoio e patrocínio.

Vejam as fotos da expedição no álbum: http://picasaweb.google.com.br/jotadiver/VelhoChico#

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Diretora Lucivane Lamournier Faria e Presidente da Fundação, Marcos Rodrigues mostrando urna funerária indígena encontrada no Municipio de Iguatama


Foto: Closé Limongi
postagem: Monica Yuri (filha)

Almoço em Iguatama com prefeito e convidados


Foto: Closé Limongi
postagem: Monica Yuri (filha)

Primeiras remadas em direção a Lagoa da Prata


Foto: Closé Limongi
postagem: Monica Yuri (filha)

domingo, 14 de junho de 2009

IGUATAMA - PRIMEIRA PARADA

Depois de 15 dias a caminho, cheguei a Iguatama!

Muitas coisas para contar, mas serei breve, pois a jornada continua...

Dia 28 de maio saímos de Ribeirão Preto com destino à Serra da Canastra. Paulo Eduardo e Heitor haviam me reservado uma estraordinária surpresa: não só me acompanhariam na primeira parte da expedição, fazendo a trilha da nascente até a base da Casca Danta, mas chegaram com o Toyota todo grafitado com o emblema da expedição (criado e produzido pelo Heitor), slogan "Meu Velho Chico" estampado na carroceria, de todos os lados! Meus grandes amigos, meus irmãos, muito obrigado!

A segunda surpresa foi o encontro com minha querida filha Mônica na entrada de São Roque de Minas! Minha filhota querida foi especialmente se despedir de mim no início da jornada, um enorme incentivo para meus longos dias de solidão que ali se iniciavam...

A trilha da nascente (que não existe), durou um dia e meio; pernoitamos no meio do mato, sem barraca, à luz das estrelas e o respingo da garoa! Trajeto fantástico, com muitas cenas dignas de uma viagem dessa mgnitude!

Pernoitamos na Pousada Barcelos na noite seguinte e fomos para Vargem Bonita onde, depois dos preparativos, colocamos a canoa no rio São Francisco e dei início à viagem. Eram os primeiros passos da longa extensão do Velho Chico.

Logo à saída, a surpresa! Nem bem havia me adaptado à nova situação e percebi que as corredeiras já tinham começado! Primeiro suaves e brandas, depois foram se tornando cada vez mais agitadas, difíceis e cansativas para quem nunca havia passado por uma corredeira! Lembrei-me dos amigos do Tonhão: "corredeiras no rio São Francisco? Isso não existe!".

Existe sim, com águas brancas e tudo! E logo tive de me adaptar a elas, administrando as curvas do rio, ora à direita, ora à esquerda, uma atrás da outra, em uma sucessão de ziguezagues que se tornariam minha nova rotina de navegação pelos próximos 12 dias!

Cada curva, uma corredeira! Essa era a lei do rio! A princípio, achei divertido, curtia cada manobra e já me achava expert em corredeiras. Remei assim por algum tempo até que chegou o horário combinado de procurar abrigo: 16 horas.

Pernoitei em um pasto, próximo a duas cachoeiras muito bonitas, com águas limpas e cristalinas. À minha frente, o primeiro obstáculo intransponível: uma corredeira que mais se parecia com uma cachoeira, tamanho era o volume de águas e a queda por onde eu deveria passar com a canoa. Olhei para os dois lados, procurando uma saída: não havia! Morros altos e íngremes, de ambos os lados, dificultavam a subida.

Improvisei uma escalada e andei alguns minutos, tentando ver a possibilidade de superar a cachoeira. Nada! O rio que gerou as cachoeiras, na verdade, fizera um profundo canyon na montanha, com mata densa e intransponível, além da dificuldade óbvia de ter que levar a canoa e todas as mochilas lá para cima.

Como estava muito perto da queda dágua, fiquei com receio de manobrar a canoa e cair, involuntariamente, na cachoeira. Coloquei as nadadeiras e atravessei o rio para averiguar a outra margem. Péssima idéia! Foi ainda mais difícil atravessar a nado!

E o pior: não havia passagem pelo outro lado também! Como já entardecia, resolvi montar a barraca, dormir e deixar que o sono me trouxesse alguma resposta.

Ao acordar, decidi levar a canoa pela margem direita, assim como a bagagem, fazendo uma travessia pelo paredão de pedras. Demorei quase o dia todo para levar tudo até a ponta das pedras, quase sobre a corredeira. Foi aí que encontrei um meio de baixar tudo para o outro lado. Fiz isso, com muito esforço, e segui minha viagem, satisfeito com a transposição de meu primeiro sério obstáculo.

Daí em diante, uma sucessão de dezenas de corredeiras me deixaria exausto! A cada dia eu evoluia apenas uns 2 km, no máximo! Dia a pós dia esse se tornou meu processo de avançar... ganhando cada metro de água com um enorme esforço!

E as corredeiras se tornavam mais difíceis e complicadas. De uma feita, a canoa se encheu de água e tive que me jogar para fora, evitando que ela emborcasse. Com enorme esforço eu a puxei para a margem e, com uma canequinha, retirei toda a água ( mais de 100 litros, com certeza!) e prossegui.

Aí a viagem já parecia uma competição de rafting: a velocidade que o barco atingia nas corredeiras era cada vez maior, mas eu estava me saindo bem e comecei a gostar da "brincadeira", até que em uma queda repentina bati com força em uma pedra submersa! Ouvi um estalido, como se o fundo do barco tivesse rachado. Caí novamente na água.

Parei e examinei precariamente os estragos, mas me pareceu que tudo estava bem. Assim se sucederam as corredeiras, às vezes ela me aceitando, outras me derrubando... até que, ao chegar no início de uma delas, percebi que já não havia tempo para voltar ou parar a canoa. Estava diante de uma rampa descendente, longa e muito inclinada, pronto a ser levado, em desabalada carreira, para fazer manobras impossíveis de escape das inúmeras pedras que se espalhavam por todo o caminho. Era um "tobogã cheio de gilletes afiadas", prestes a me "cortar em pedaços"!

Não havia o que fazer, e fui controlando, como pude, o traçado da canoa, às vezes batendo forte em uma pedra, outras levando um banho de água, segurando-me como podia no trajeto, até que, à minha frente, apareceu uma árvore caída sobre a água, sem lugar para me desviar.

Bati em cheio na árvore! Meu capacete foi arrancado, assim como o boné que estava sob ele! O barco se encheu de água e fui lançado para fora. Agarrei-me ao barco e ao remo, conforme a regra, e fui levado, aos "trancos e barrancos" até o final da corredeira, o que, para mim, demorou muitos minutos (eram segundos eternos, na realidade)!

Novamente, com o barco quase afundado, arrastei-me até margem. Dessa vez não havia jeito de tirar a água, senão esvaziando o barco. Desamarrei toda a carga e retirei os sacos. Virei a canoa e tirei a água. De ambos os lados, de fora e de dentro, o estrago era evidente: rachaduras severas tinham sido feitas no casco. Deixei o barco secar e fui montar meu acampamento improvisado, devido ao adiantado da hora.

No dia seguinte coloquei "silver tape" (uma espécie de adesivo muito resistente) em todas as rachaduras. Experimentei o resultado e constatei que não havia vazamentos. Recoloquei a carga e prossegui viagem. Esta não seria a pior corredeira, e decidi que daí em diante só faria as corredeiras mais fáceis, para evitar novos riscos.

Mas as portagens são muito cansativas, pois exigem o transporte da canoa e das cargas por caminhos não convencionais, às vezes tendo de abrir uma picada a facão no mato, e a evolução se tornou ainda mais lenta.

Alguns lugares não permitiam portagem, ou por falta de caminhos para passar, ou pela dificuldade e risco ainda maiores do que enfrentar as corredeiras. E assim, continuei a alternar corredeiras e portagens, me esforçando para não agravar os danos à embarcação.

Em uma dessas "corridas malucas", perdi todas as minhas cartas topográficas do IBGE, que me custaram tão caro, e que foram arrancadas de um saco, que se abriu, projetadas na água e dissolvidas pela correnteza.

Diante dos problemas e da falta de perspectivas de que essas corredeiras terminassem um dia, eu já estava quase decidido a abortar a expedição, assim que chegasse em um lugar onde pudesse ser socorrido. Isso porque, se eu chamasse por socorro àquela hora, não imaginava como alguém chegaria até lá, a não ser por helicóptero! E eu não queria passar por esse vexame: não estava em perigo, apenas exausto!

Quando já estava prestes a desistir, finalmente, em uma curva de rio, encontrei um barco a motor, com pescadores a bordo. Pensei: "se eles estão com esse tipo de embarcação é porque as corredeiras terminaram!". Pois, até então, nenhum barco a motor poderia passar por aquelas corredeiras.

De fato, perguntando aos pescadores, eles me confirmaram a notícia que esperava tão ansiosamente: era o fim das corredeiras! Remei com a maior disposição de minha vida e, depois de algumas horas, cheguei a uma ponte que liga Piunhi a São Roque de Minas, e sobre a qual eu sabia existir um restaurante, o do Beto, minha salvação!

Antes disso eu passei pela confluência do São Francisco com o Samburá. Há uma controvérsia a respeito da nascente do São Framcisco: alguns chamam a parte que passei de "Francisquinho" e ao rio que nasce da junção desses dois de "verdadeiro São Francisco". Isso porque o Samburá tem maior volume de águas do que o "Francisquinho" (com todo o meu respeito!).

Dizem até que existem duas nascentes: uma, histórica, que é a da Serra da Canastra, de onde vim; outra, geográfica, que é a do Samburá. Polêmicas à parte, cheguei, como disse, ao restaurante do Beto, onde jantei com um grupo de pescadores e passei ótimos momentos, conversando e cantando ao som de um violão e, pela primeira vez, consegui falar com a Luciana e com a Mory, que já estavam desesperadas por notícias! Mas não consegui falar com a Mônica...

Daí em diante foram dois dias de remada forte, e cheguei aqui, em Iguatama, onde me encontro agora. Mais uma surpresa: a cidade não chega à margem do rio, ou melhor, não há acesso pelo rio, a não ser subindo pelo barranco íngreme e barrento, uns 12 metros de altura!

A explicação é óbvia: na temporada de chuvas o rio chega a subir mais de 10 metros e cobre tudo, campos e plantações, atingindo a ponte. Tive que deixar a canoa no rio e subir com um mínimo de bagagens: equipamentos eletrônicos, o remo curvo, a sacola de emergência, uma sacola com algumas roupas... o resto ficou no barco, amarrado à beira do rio... disseram-me que ninguém roubaria nada e tive que acreditar...

O dono de um rancho a beira-rio me ajudou e guardou uma parte dos sacolões, além de me indicar um hotel bem próximo, onde me hospedei. Daí começaram as surpresas e alegrias dessa magnífica cidade.

O Bruno Barcelos, de São Roque de Minas, falou com um jornalista amigo seu, sobre minha expedição. Ele, que publica uma revista, "Circuito das Gerais", se interessou pelo assunto e resolveu vir de Belo Horizonte para me entrevistar. Seu nome: Clóvis Fonseca Closé Limongi, grande figura, que já considero meu amigo!

À noite, mais uma surpresa: Marcos, diretor da Faculdade de Ecologia e Estudos do Meio Ambiente, da Fundação Educacional Vale do São Francisco, de Iguatama, veio ao hotel com sua esposa, para me recepcionar, em nome do prefeito em exercício, Leonardo Carvalho Muniz.

Quanta gentileza desse povo hospitaleiro! Hoje passei o dia em visita a duas obras fantásticas da administração local: um centro de excelência em oftalmologia, que atende centenas de pacientes vindos de toda a região, e a Faculdade.

As duas iniciativas são fruto do idealismo político do prefeito Manoel Garcia Bibiano e do esforço, dedicação e abnegação de sua equipe de governo e voluntários que, com muito esforço, conseguiram tornar realidade. Falarei mais dessas pessoas oportunamente.

Amanhã partirei de Iguatama, levando a certeza de que existem pessoas corretas e idealistas, que batalham por seus objetivos e os tornam realidade por competência e zêlo. Ficará aqui meu coração e minha alegria de ter sido recepcionado com tanto carinho! Meu muito obrigado a toda essa gente mineira, generosa e sábia!

Até o próximo encontro, em Três Marias que, se não surgirem contratempos, será daqui a uns 15 a 20 dias!

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