sábado, 1 de agosto de 2009

Estudo revela diversidade da fauna da bacia do rio São Francisco

A diversidade de animais que compõem a fauna da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco foi apresentada na quarta-feira (4/10/06), em Brasília, durante as comemorações do dia do Rio São Francisco. A Coordenação Geral de Fauna do Ibama, que executa o trabalho, mostrou os resultados do levantamento de fauna silvestre feito no primeiro semestre de 2006. O estudo visa mapear e estudar as espécies e identificar as que estão criticamente ameaçadas de extinção, o que dará suporte às ações estruturantes para a conservação da biodiversidade da bacia.

Segundo a assessora técnica da Secretaria Executiva do Ministério do Meio Ambiente, Marcia Rodrigues, esta é a primeira vez que é feito um diagnóstico geral da fauna de uma bacia hidrográfica. "A bacia do São Francisco tem uma importância nacional, uma vez que abrange quatro biomas. Por isso, as ações estão sendo feitas de forma integrada e auxiliada pelos mapas das áreas prioritárias para conservação", destaca.

Esta é a primeira fase das análises que tem duração de dois anos e previsão orçamentária de cerca de R$ 2 milhões. Os grupos estudados foram: predadores naturais, com ênfase em carnívoros; primatas brasileiros; répteis e anfíbios; aves silvestres.

Para os estudiosos, um dos resultados mais preocupantes é que, aparentemente, a onça pintada está extinta na região da Foz do Rio São Francisco. Por outro lado, a região do futuro Parque Nacional do Boqueirão da Onça (BA) abriga uma população de onça pintada. Os pesquisadores acreditam que o estabelecimento de uma rede de Unidades de Conservação na região poderá garantir a preservação de uma população mínima viável no bioma Caatinga. A principal ameaça à população de mamíferos da ordem Carnívora é a fragmentação e destruição de hábitats.

Com relação aos primatas, foi descoberto o menor fragmento, e único para a Bacia do São Francisco, com ocorrência conjunta de grupos de guigó (C.coimbrai) e de macaco-prego-do-peito-amarelo (C. xanthosternos), ambos considerados criticamente em perigo de extinção. Também foi localizada uma população de C. xanthosternos em manguezais junto à foz, que está sob risco extremo devido ao contínuo avanço do mar sobre o continente, e que deverá ser monitorada.

Na análise dos répteis foram identificados acréscimos de novos registros de duas espécies de crocodilianos citadas para a bacia, o jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris) e o jacaré-ferro (Paleosuchus palpebrosus). O trabalho possibilitou prever a saúde dessas populações e seu potencial de uso como forma de alternativa de renda para as comunidades ribeirinhas do São Francisco. Para isso, o estudo recomenda a conservação das lagoas marginais do Rio São Francisco que são utilizadas como locais de abrigo, reprodução, berçário e alimentação das espécies.

Por fim, as aves da Caatinga. O bioma é um importante centro de endemismos de aves na América do Sul embora o conhecimento ainda seja reduzido. Os levantamentos preliminares mostraram que a região abriga importantes populações de marrecas, sendo inclusive a área onde existe a maior concentração no país da marreca viuvinha (Netta erythrophtalma). Ainda foi verificada a ocorrência de 145 espécies de aves, pertencentes a 43 famílias. Dessas, oito espécies são exclusivas do bioma Caatinga, três são consideradas mundialmente como quase ameaçadas de extinção e três consideradas de alta sensibilidade a distúrbios humanos.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Proteção dos Barrancos


Entre Vargem Bonita, onde comecei minha viagem, e a entrada da represa de Três Marias, onde ela foi interrompida, um dos fenômenos mais significativos e lamentáveis que constatei foi a quantidade de árvores arrastadas pela correnteza na época das cheias, e os barrancos desabados, levando o solo fértil rio abaixo, e provocando o assoreamento do rio, pelo caminho, e do lago de Três Marias.
Como minimizar esse problema, já que não há solução definitiva para ele? Uma das razões da destruição dos barrancos e das árvores é o desmatamento, a destruição das matas ciliares. O limite legal, de 50 metros das margens do rio, não é respeitado, nem é realista, uma vez que, nas cheias, o rio se estende por áreas muito maiores!
Além disso, as pastagens que substituiram as matas se estendem até a margem do rio; o pisoteamento do solo pelo gado transforma as praias naturais em barreiros e lamaçais perigosos até mesmo para o gado que lá bebe água.

Eu presenciei uma situação lastimável: uma vaca holandesa rastreada, atolada à beira do rio, já sem forças para se safar da lama, e que não consegui salvar.
Mas grande parte dos barrancos desaba mesmo sem a intervenção predatória do homem, pela força e volume das águas nas cheias do rio. Presenciei milhares de árvores caídas ao longo do rio, algumas obstruindo quase completamente o leito, dificultando a navegação.
Além disso, as pilastras das pontes ficam cercadas de enorme quantidade de galhos e de lama, reduzindo a área de vazão do rio.
Todos esses problemas podem ser mitigados pela recuperação da mata ciliar e da cobertura vegetal dos barrancos com espécies de gramíneas resistentes à ação das águas. Os limites das matas ciliares precisam ser reavaliados, não se restringindo rigorosamente a números, mas à sua função protetora dos barrancos e da foz dos afluentes.
Também o tipo de ocupação do solo pela ação do homem precisa ser repensado em função dos impactos ambientais que causa. Permitir que o gado invada os rios para beber água, além de ferir os critérios legais, também é uma irresponsabilidade, não apenas pelas fezes que são jogadas no rio, mas principalmente pela produção de lama e enfraquecimento das margens, que acabam levadas pelas águas.
Mais uma vez, a conscientização da população ribeirinha e, em especial, dos agricultores e pecuaristas, será decisiva para perenizar ações efetivas de revitalização da bacia do São Francisco.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Propostas para a revitalização do São Francisco

Sustentabilidade é a "palavra da moda" entre executivos e políticos; até mesmo entre ambientalistas que se confortam com a "destruição controlada!". No entanto, quase todas as reservas naturais estão ameaçadas pela expansão das fronteiras agrícolas e extrativistas. A soja, a cana de açúcar, a pecuária e a mineração são os inimigos viscerais do meio ambiente! Portanto, antes de se estabelecer "economias sustentáveis" em áreas de preservação ambiental, deveria ser feito um inventário dos recursos naturais ameaçados!

Penso em quais providências deveriam ser tomadas para a revitalização do São Francisco. Embora não seja um especialista no assunto, tenho minhas próprias concepções. Não é difícil imaginar alternativas quando se compreende o problema e se está comprometido com a Natureza.

A primeira ação que me ocorre é realizar um inventário atualizado e extensivo dos recursos hídricos e dos remanescentes de matas ciliares do Alto São Francisco, bem como o uso atual do solo, registrando a incidência de contaminação por esgotos domésticos, resíduos industriais e agrotóxicos.

Tendo uma visão correta das reservas hídricas e das fontes poluidoras, o próximo passo seria proteger essas áreas remanescentes através da extensão dos limites do “PARNA Serra da Canastra” até a confluência com o rio Samburá, incluindo sua nascente. Poderia ser denominado “Parque Nacional Nascentes do São Francisco”.

Com base nos levantamentos aerofotogramétricos, deveria ser desenvolvido um sistema geo-referenciado para monitorar, através de sensoriamento remoto e integrações cadastrais, a preservação das áreas protegidas. Esse modelo poderia até ser adotado para todos os parques nacionais.

Minha visão sobre parques nacionais inclui o entendimento das bacias hidrográficas como áreas de preservação integrais, e não segmentadas, como ocorre hoje. Assim, proponho a criação de uma Área de Preservação Ambiental que contemple toda a bacia do São Francisco, seus principais afluentes, suas matas e sua fauna. É importante compreender que o que sustenta os ecossistemas são seus recursos hídricos e não o contrário. As matas só existem devido às águas que possui em seus domínios...

Para assegurar a recuperação das áreas degradadas deveriam ser criados incentivos fiscais de compensação tributária para os proprietários (agricultores, pecuaristas, industriais) que investissem seus próprios recursos na recuperação, preservação e manutenção das reservas naturais: águas, terras, matas, cavernas e animais silvestres.

É de fundamental importância assegurar que a população tenha consciência de seu papel e responsabilidade na preservação do meio ambiente. Para isso, deveriam ser desenvolvidos programas de educação ambiental vinculados à realidade regional, em todos os segmentos sociais, nas escolas públicas e privadas, associações comunitárias e órgãos da administração municipal.

Aos infratores a Justiça deve estar preparada com os instrumentos adequados à imposição de penalidades, desde multas expressivas e convincentes até punições mais rigorosas, que coibissem os abusos e a degradação, o que se faria através da revisão do Código Penal nos artigos que tratam de crimes ambientais, tornando mais rígidas e severas as penas impostas aos que causem, intencionalmente, danos ao meio ambiente nas áreas protegidas.

Em contraposição, àqueles que contribuem para a conservação da Natureza, pessoas físicas ou empresas, entidades não governamentais e associações comunitárias, deveriam ser instituídos prêmios de incentivo e benefícios fiscais.

Também deveriam se tornar criminalmente imputáveis as ações políticas que favoreçam o descumprimento e o desrespeito às leis ambientais nas áreas de preservação. Sabemos que o tráfico de influência funciona de forma deletéria, principalmente em organismos responsáveis pela fiscalização e pela liberação de atividades nas áreas de preservação. Atenção especial às madeireiras e mineradoras, aos pecuaristas e agricultores latifundiários, cuja ambição e ganância não tem limites.

Por fim, é necessário e urgente estimular a criação de RPPN´s – Reservas Privadas de Preservação Ambiental, através de compensações fiscais e outros mecanismos legais, de modo a comprometer empresas e grandes propriedades rurais com os esforços de recuperação e preservação da bacia do São Francisco.

Em resumo, as ações que julgamos essenciais para a revitalização do Velho Chico:

-Proteção dos barrancos para reduzir os impactos das cheias e o assoreamento

-Criação de escadas para piracema nas represas

-Criação de viveiros de mudas para recuperação das matas ciliares

-Criaçao de viveiros de pássaros e peixes para repovoamento dos rios e lagoas

-Proteção das espécies ameaçadas de extinção

-Tratamento dos esgotos urbanos, agrícolas e industriais antes de serem lançados ao rio

-Campanhas permanentes de conscientização ecológica das populações ribeirinhas

-Criação do Parque Nacional Nascentes do São Francisco (extensão do PARNA Canastra)

-Proteção das lagoas de reprodução de animais silvestres nas margens do São Francisco

-Prêmios de incentivo à preservação ambiental para empresas e agro-indústria

-Punição mais rigorosa de crimes ambientais

-Criação de novas APA (Áreas de Preservação Ambiental) e RPPN (Reservas Particulares do -Patrimônio Natural)

-Redução e controle do uso de agrotóxicos nas lavouras

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Lições da Natureza

Quando olhei o rio pela primeira vez pareceu-me estranho e arredio, como se não quizesse minha presença ali. Eu compreendi suas razões, pois aquele não era o meu mundo. Estava ali de passagem, como tantos outros... uns poucos o trataram com respeito e admiração, mas a maioria só estivera ali para levar seus filhos, os peixes, as capivaras, as matas... e nada deixaram em troca!

Aceitei a recusa do rio com humildade e respeito e, a cada novo dia, ele me parecia mais tolerante, compreensivo. Seus filhos já me reconheciam e aceitavam a minha presença; suas águas contavam-me seus segredos; e, aos poucos, fui aprendendo sua linguagem e compreendendo seus mistérios.
Olhava as águas e elas me diziam se havia troncos submersos, se redemoinhos se formavam em seu leito, se uma nova corredeira estava por surgir à minha frente... os pássaros também me falavam sobre seus ninhos, que eles protegiam com determinação; mostravam-me o melhor caminho em uma corredeira; afastavam-me dos perigos.
Assim, fui me afeiçoando ao rio e à sua gente... ao entardecer, quando me preparava para o pernoite, olhava ao meu redor e sabia que não havia perigo em estar ali, cercado de personagens fantásticos em seus mundos individuais. Montava a minha barraca, apreciava os últimos raios de sol, ouvia as melodias de seus animais ocultos pela mata... e adormecia feliz...
Todas as manhãs os pássaros me despertavam antes mesmo do primeiro raio de sol. Ficava ali, deitado, apreciando as vozes de diferentes aves, a recitar seus poemas à vida, à eterna certeza do vir a ser, renovando minhas convicções...
Durante o dia remava tranquilo, horas a fio, pois estava cercado desses seres extraordinários, que se afeiçoaram a mim, como eu a eles. Nada dizíamos uns aos outros, mas estávamos lá, convivendo e compartilhando nossas existências...
Poderia ter ficado ali para sempre, não fora a presença de outros seres humanos, que me contaminaram de suas idéias equivocadas, alertando-me para os perigos... não que eles não existissem, mas eram esses os meus desafios, minha sentença de vida, superação e coragem. Fui envenenado por essas opiniões... e parei... agora estou aqui, desconsolado e só...

sexta-feira, 17 de julho de 2009

A Cachara

Minha mãe estava prenhe de mim quando meu pai morreu. Estava quase pra parir e ainda ia, todas as manhãs, bem cedinho, na barranca do rio, ver as “pindas” que tinha deixado lá no fim da tarde... pegava sempre alguma piranha, às vezes um bom surubim, raramente um dourado... mas dava pra ela dar de comer pra meus seis irmãozinhos; o mais velho tinha nove anos, e ficava tomando conta dos outros enquanto ela estava no rio ou cuidava da horta no fundo do sítio.

Naquele dia que eu nasci, minha mãe estava na beira do rio, tirando uma cachara grandona que se enroscara na rede deixada na corredeira; ela lutava com o peixe, ainda vivo, e tentava arrastar a rede, presa nos entulhos e cheia de galhos quebrados; a única coisa que prestava era aquela cachara!

De repente, com a força que fazia pra puxar a rede, eu nasci! Pois é, não consegui me segurar lá dentro, e caí no barranco, rolei pra dentro do rio, levando a mãe comigo... ela ainda conseguiu se segurar nas raízes de uma árvore e me puxou, pelo cordão, me segurou pela cabeça, e me arrastou pra cima do barranco, como se eu fosse a cachara deixada na rede lá embaixo!

Não me lembro nada disso; foi ela que me contou depois, rindo da minha desgraça de nascer desse jeito desajeitado! Todo mundo me gozava, dizendo que eu nasci de uma cachara! Assim ficou o meu nome: Maria das Dores, a “Cachara”! Nunca me livrei do apelido e hoje sou apenas a Cachara...

Cresci quase sem cuidados, sujinha no meio daquela molecada danada de ruim comigo! Era como se eu fosse uma boneca de pano, levada pra todo lado, que minha mãe não tinha tempo de me cuidar mesmo: estava sempre lidando na horta, limpando seus peixes, fazendo comida, lavando roupa, varrendo a casa... e eu lá, pendurada no colo dos moleques, como um brinquedo velho!

Minha mãe morreu quando eu tinha oito anos. Quase não me lembro dela... só da trabalheira danada que ela tinha pra manter seus sete filhos: seis meninos e eu. Ela nem se dava conta da gente, atarefada de dia, cansada demais de noite pra ter disposição de olhar pra gente... coitada!...

Mesmo assim, sinto falta dela... depois que ela morreu, meus irmãos mais velhos cuidavam de tudo, meio desengonçados, pois ela nunca preparou a gente pra viver sem ela. Ninguém sabia pescar, ninguém sabia nadar, ninguém sabia cozinhar... só o que sabíamos era lavar as louças, as roupas, limpar o quintal e varrer a casa, porque isso minha mãe deixava pra gente cuidar.

Ela morreu afogada, quando um dourado puxou a rede com ela junto, pra dentro daquela lameira toda, que corria com as águas do rio... ela não sabia nadar. Meu pai também morreu no rio, só que de morte matada; um jagunço cismou que ele era o sujeito que tinha contado pra polícia sobre um crime que cometeram lá em Doresópolis. Ele ficou preso dez anos e depois voltou pra matar meu pai. Nunca me disseram se ele tinha mesmo entregado o assassino...

Crescemos juntos até que meu irmão mais velho resolveu ir embora. Ele disse que ia cuidar da vida, que “aquilo não era vida” pra um homem feito! “Aquilo” era a gente: cuidar da gente, pescar e fazer as vezes da mãe que nunca tive... mas isso ele também não fazia. Nunca mais voltou.

A gente aprendeu mesmo a se cuidar depois que ele se foi. Aprendi até a pescar e fiquei boa nisso. Peguei muito peixe naquele rio; era eu também que fazia a comida e lavava as roupas, porque “isso é trabalho de mulher”, eles me diziam, rindo da "Cachara"! Eu só não pescava cachara; quando elas se enroscavam na minha linha eu jogava de volta pro rio, que já bastavam as piadas que eu ouvia...

Meus irmãos também se foram por esse mundão de Deus; cada um, do seu jeito, saiu, assim, de repente, sem se despedir, que a gente não era mesmo de muitos agrados e chamegos. Fui ficando sozinha, ali no meu rancho, envelhecendo sem ninguém do meu lado; nunca soube o que era o amor, que pai não conheci, e minha mãe não encontrou mais ninguém depois que o pai se foi.

Hoje me olho nas águas do Velho Chico e vejo minha mãe, estampada no meu rosto. Sou igualzinha a ela, rosto fino, enrugado dos anos, pele seca e desbotada, olhos tristes e quase se fechando... nem me cuido direito, vivo com meus trapos velhos, perambulando pela plantação abandonada, ou conversando com meus peixes na barranca do rio; às vezes pego um deles e me desculpo antes de cozinhar, porque preciso viver... preciso viver? Não sei o que isso quer dizer...eu sou apenas a "Cachara", preta velha e cansada, sem saber porque nasci...

Esse texto fará parte do livro "Meu Velho Chico", a ser publicado ao final da expedição.

domingo, 12 de julho de 2009

Meu destino em ti...

Não houve tempo de esperar que me aceitasses... entrei em tua intimidade como em um estupro! Violei tuas águas, tuas praias, tuas matas... invadi tuas beiras e me apossei dos espaços roubados de teus filhos, as aves, os peixes, os seres até então ocultos em teus recônditos segredos... nossos caminhos se entrelaçaram, não por tua vontade, mas pela minha, ansioso por desvendar os teus mistérios...

A princípio, nada encontrei que me detivesse a marcha; como um visitante indesejado, percorri teus vales e descobri teus súditos, vassalos teus, tributários de tua grandeza a doar suas vidas para te enriquecer e te encorajar ao grande salto, inevitável, no vazio...

Por instantes segui outros caminhos, como quem oculta as intenções, e vi o momento em que te projetavas sobre as rochas, como quem se atira ao desconhecido, destemido, inconsequente e audaz como qualquer adolescente. Busquei tua calma e em teu colo me deitei, levando-me contigo à revelia, para onde estivesses a ir, não me importava...

Percebi, então, que tu também não conhecias o teu destino, e me encantei por ti... e assim nos tornamos íntimos, cúmplices dos mesmos segredos, que desvendávamos a cada anoitecer... tu me aceitaste assim, em minha fragilidade, mais vulnerável até que as cristalinas águas de tua alma, teu corpo e razão do existir...

Daí, então, seguimos juntos, amantes apaixonados, um ao outro nos levando, sem um propósito qualquer,senão o de seguir adiante. À nossa volta, a presença de outros seres, assim tão íntimos e livres como o ar, as águas, o som, as cores, os inebriantes aromas...

A cada dia, em cada despertar, a ansiedade enlouquecida de nossas contradições: um ser que nasce e morre sem cessar, criança, jovem e velho a um só tempo, e outro ser que morre e envelhece, no inexorável badalar das horas, a me levar daqui... e mesmo neste ser envelhecido, o jovem e a criança permanecem, ao menos nas lembranças; e isso torna a ambos companheiros, ainda que um só, e tão somente, irá permanecer ao fim do longo dia, quase eterno, da jornada...

Porém, os dias às noites sucedendo, de ti surrupiaram a inocência, das águas te roubaram a pureza cristalina, das margens desnudaram tuas vestes... e as aves, tuas amigas, te deixaram, assim como as outras criaturas, tão belas, tão ingênuas... e eu, desiludido, desencantado, a tudo assim presenciava, aturdido, impotente... roubaram-te de mim em pleno dia!

Das praias, em lama, as alvas areias se tornaram; das matas, somente um ralo mato é que restou; dos morros, às águas, o solo fértil se deixou arrastar, turvando as tuas águas, matando pouco a pouco nossos peixes, cobrindo de barro o leito fundo, a se deixar levar contigo a outras plagas.

Uma angústia, um nó entalado na garganta, tristeza inconsolável de mim se apoderou, ao presenciar as árvores, às centenas, arrancadas, ancoradas em teu leito devastado... assim, seguimos juntos e calados, dias e noites a prantear a maldade dos homens, como eu... roubaram-te a beleza, saquearam-te as riquezas... transformaram-te nessa estrada lamacenta, a fluir, incessantemente, em direção ao mar.

Infeliz, como um amante atraiçoado, recusei continuar... e me afastei de ti, ferido mortalmente, cansado, desiludido e só.

Precisarei regressar um dia, e resgatar tua pureza, restaurar tuas vestes, trazer de volta a vida que tiveste... e então renasceremos juntos, e tu me levarás ao meu destino, que é também o teu... repousarei de novo em tuas margens, presenciando a iluminada Via Láctea, a derramar estrelas cintilantes em teu regaço, até o repositório infinito do Oceano... e encontrarei, em ti, a minha Paz!

Esse texto fará parte do livro "Meu Velho Chico", a ser publicado ao final da expedição.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

A História dos Vencedores

Dizem que a história da humanidade é a história dos vencedores. O problema é que sempre há somente um vencedor e milhares de vencidos! E são vencidos aqueles que chegam em segundo lugar, em terceiro... em último lugar! Quem não chega também é um dos vencidos...
Seria, portanto, essa História, apenas o registro de uma elite, uma minoria inexpressiva na realidade dos homens... apenas uns poucos privilegiados seriam lembrados para sempre, eleitos para a glória, erguidos aos altares da fama e do sucesso.
Quem lê a História tem a impressão de que tudo existiu pelos excessos do homem: o Bem, o Mal, o Saber, a Arte, a Violência, a Generosidade, o Heroísmo, a Covardia...
Em nossas mentes ficaram somente alguns nomes, como Jesus, Calígula, Hitler, Einstein, Budha, Beethoven, Lennon, Caxias, Marx, Lincoln... Bin Laden...
Mas foram milhões, bilhões de seres que, através dos tempos, doaram suas vidas, seu suor, suas idéias, suas forças, seu trabalho... para que esses poucos escolhidos se tornassem famosos e ficassem registrados de forma indelével nos anais da História, pelo bem ou pelo mal. Quantos milhões morreram nas guerras? Só na Segunda Guerra Mundial foram mais de 33 milhões de mortos, mas apenas os 6 milhões de judeus continuaram relembrados... e só Hitler ficou para a História... alguns talvez se lembrem de Mussolini, ou de Churchil, De Gaule, ou mesmo Roosevelt... talvez alguém se lembre do Dia D, da bomba de Hiroshima, da invasão da Polônia... mas são apenas fragmentos dessa História.
Quem esteve de fato na guerra, paticipou dos combates, viu seus companheiros caírem feridos, morrerem, ficarem mutilados, quem se aproveitou da guerra para manifestar seus instintos mais primitivos, estuprando, roubando, destruindo apenas por prazer ou oportunismo, esses ficaram no esquecimento, no limbo da História, aquela que ninguém quer recordar.
Quantos deram suas vidas para que uns poucos se tornassem famosos?
Pois assim é a vida... assim ficará sempre registrada a passagem dos homens pela Terra. Quem ficou em segundo lugar na corrida de 100 metros das Olimpíadas da China? Quem "quase" bateu o recorde olímpico de salto em distância? Quem chegou em último lugar na Maratona? Bem, isso também já é demais! Mas alguém saberia o que fez aquele atleta para não vencer, quando todos nele confiavam, para "quase" ficar na história?
O que torna nossa existência possível e tolerável é sonhar, é acreditar que seremos diferenciados da grande massa que povoa esse planeta fantástico, trágico e belo... mas seria assim para todos? E aqueles que apenas sobrevivem nas areias do deserto, sem nunca tomar um banho por absoluta falta de água? E aqueles que foram trucidados nas guerras fratricidas dos árabes, palestinos e judeus, e que nunca souberam o que significa "PAZ"?
Pode ser que alguém pergunte o que isso tem a ver com minha expedição pelo rio São Francisco...
Tem tudo a ver! Quando decidi parar, interromper minha viagem, deixar de remar, abandonar minha canoa em Três Marias, voltar para casa, uma terrível sensação de fracasso, de derrota, de tristeza tomou conta de mim... ainda que eu tenha remado mais de 400 quilômetros (quantos já remaram tanto?), ainda que eu tenha superado meus limites, eu não conseguia conviver com a idéia da derrota... mesmo que não fosse uma decisão definitiva, mesmo que eu pretendesse retornar à minha jornada, essa sensação me deixou um gosto amargo na garganta...
Quando não recebi (quase) nenhuma manifestação de solidariedade, as noites se tornaram longas e tristes para mim. E não adiantava ver as 250 fotos que tirei, ou assistir às mais de 3 horas de vídeo que gravei, ou ainda ler as quase 100 páginas de textos que escrevi em meu diário de bordo... sentia-me mais solitário aqui, no meio da civilização, do que no rio, à beira das matas, sozinho em meu barco, ou em meu acampamento.
Essa é a realidade da História... a história dos vencedores!
Pois não desisti; estou aqui, trabalhando para meu retorno. Quero fazer parte dessa história de vencedores, não por vaidade, nem pela glória de ser reconhecido pelo meu feito, mas pela sensação do dever cumprido, da missão terminada, dos resultados alcançados. Não desisti, pois não desisto nunca!

terça-feira, 30 de junho de 2009

Pequeno conto que virou lenda...

“Seu” José era um homem rude, sem fé. Morava sozinho à beira do rio desde que sua mulher, Donana, falecera, havia muitos anos. Não tiveram filhos. Vivia daquilo que a Natureza lhe dava. Às vezes caçava uma capivara, outras pescava um surubim na canoa a remo que ele mesmo construíra.
Não tinha luxos em sua casa; nem geladeira ele possuía, pois acreditava que nunca lhe faltaria o que comer... Também não plantava. Não queria ter a responsabilidade de cultivar a terra, plantar, cuidar, colher, estocar... Apesar disso, não era um homem preguiçoso. Com seus quase setenta anos acordava com o nascer do sol e cuidava de seu pequeno rancho, onde tudo funcionava e tinha uma razão de existir, que só mesmo ele conhecia.
Cuidava de suas próprias roupas, costurava, remendava e as mantinha limpas e arrumadas. Nunca passara nenhuma roupa, pois achava perda de tempo. Não se ausentava do rancho senão para pescar ou caçar. Frutos ele colhia das árvores de seu pomar, quando havia.
Nunca recebera ninguém em sua casa e todos dele se afastavam com receio de seu temperamento.
Mas “seu” José também tinha as suas manias, crendices, esquisitices, que só mesmo ele saberia explicar, caso falasse com alguém. Viram-no, certa feita, dependurando as penas de uma garça que abatera e comera, uma por uma, no arame farpado da cerca que instalara defronte ao rio.
Deixou-as lá por alguns dias e depois retirou cada uma delas, cavou vários buracos ao longo da cerca, e as enterrou, como em um ritual.
Dos animais que caçava guardava os ossos, mantendo, sabe-se lá como, o esqueleto perfeito e limpo. Via-se da janela uma prateleira repleta deles. Quando aparecia a lua cheia ele se plantava nu sobre o telhado, e permanecia agachado, olhando atentamente para o céu, até que o astro desaparecesse no horizonte.
Ele vivia tão só que se imaginava que já nem soubesse falar direito. No entanto, ouvia-se noite adentro seus resmungos e lamentos, quase um cântico funesto e triste. Às vezes o viam proferindo palavras incompreensíveis em direção ao rio.
Um dia ele desapareceu; saiu com sua canoa e não voltou mais. Acreditava-se que tinha morrido, ou tenha ido embora para outro lugar.
Passaram-se os dias, semanas, meses, e nada do “seu” José. O rancho estava abandonado, a cerca despencara, o telhado já apresentava buracos das telhas que caíram, o mato se alastrava por toda a parte e temia-se que as cobras e outros bichos tomassem conta do lugar e acabassem por passar para as propriedades vizinhas.
Resolveram, então, os seus vizinhos, ir até à sua casa e tentar compreender o que poderia ter acontecido, tomando alguma providência para limpar aquela imundície.
Em um dos armários todas as gavetas estavam repletas de folhas manuscritas com poemas incompreensíveis: eram palavras desconhecidas, porém com rimas, métrica e ritmo! Não havia como compreendê-las...
Lembraram-se das penas da garça, enterradas no quintal, próximo à cerca. Por curiosidade as desenterraram; estavam todas recortadas, em forma de desenhos estranhos. Parecia terem um código secreto registrado nesses formatos. Junto a elas havia embalagens vazias...
Mas não conseguiram decifrá-lo... e esse mistério só fez aumentar a lenda sobre o velho pescador. Com o passar dos anos, cada esquisitice encontrada no rancho se tornava uma história, incluindo assassinatos, tesouros, rituais satânicos, esquizofrenia...
“Seu” José era um homem simples e não sabia ler nem escrever. Apenas tentava copiar palavras de antigas revistas de poesia que sua mulher colecionara ao longo dos anos. E recortava as penas das garças, imitando os códigos de barras das embalagens encontradas no rio...

Esse texto fará parte do livro "Meu Velho Chico", a ser publicado ao final da expedição.

sábado, 27 de junho de 2009

Natureza Selvagem

Intensas emoções, monótonas belezas... Complexos universos, paisagens imutáveis... Contemplativo campo onde as batalhas nunca terminam; não há vencidos ou vencedores, não há heróis nem coadjuvantes...
Uma garça é qualquer garça... milhares de árvores se confundem em nossa percepção limitada da realidade... tudo igualmente verde; tudo igualmente difuso...
Aqueles patos mandarins teriam sido sempre os mesmos durante toda a viagem? Não importa? A água que flui incessantemente no mesmo lugar seria a mesma água todos os dias, todas as horas, o tempo todo? Aquela que chega à foz, de onde veio, afinal?
Em nossos mundos individuais tudo tem nome, endereço, origem... e nos diferenciamos pelo olhar, pela voz, pelo movimento, pelas palavras... até mesmo pelas roupas!
Seríamos, deveras, diferentes? Mudamos constantemente durante a vida, e aquele que nasceu, no momento seguinte já não mais existe...
Quando partir não serei eu mesmo e, no entanto, aqui não deixarei meus rastros. E nada levarei, senão as recordações, as imagens registradas na memória... ou nas máquinas digitais... talvez algum pensamento ou emoção escape de mim e corra para a selva, sem que eu possa perceber. E passe, então, a viver como os outros animais...
Sentirão eles as minhas emoções?
Talvez alguém, daqui a muitos anos, ao passar por aqui, encontre os meus pensamentos, mas eles também não serão os mesmos, pois se tornaram bichos, embrenharam-se nas matas, circularam pelas mentes de outros seres e também se transformaram...
Fará algum sentido, então, esse antigo pensamento? Talvez não... pode ser até que não haja, sequer os animais... as árvores terão caído ou sido derrubadas... talvez o rio esteja seco... casas, pessoas, concreto, asfalto, poluição talvez estejam aqui, em seu lugar...
E aquele pensamento, aqueles sentimentos anacrônicos se perderão para sempre, assim como minhas recordações e as lembranças que porventura tenham de mim... e eu terei sido levado pelo tempo, pelo vento... assim como meus pensamentos...
E minhas palavras se perderão no deserto que ficou por aqui.
Infinita e monótona beleza, é por isso que não resistirás! Não há utilidade na Beleza! Beleza não se produz... Beleza não se consome... ela apenas está aí, enquanto a querem. Não vale a pena lutar por preservar a Beleza...
Por isso, quando te vi, quando contemplei tua vastidão infinita, quedei-me a teus pés e só fiz chorar... haverá, um dia, um mundo sem luz, sem cor, sem pássaros e seu cantar, sem as águas cristalinas de uma cascata, jorrando, sem cessar, o seu frescor e pureza...
Nesse mundo eu não quero estar...

Esse texto fará parte do livro "Meu Velho Chico", a ser publicado ao final da expedição.

[foto: Closé Limongi]

terça-feira, 23 de junho de 2009

De Iguatama a Três Marias: momento de decisão!

Saí de Iguatama na segunda-feira, dia 15 de junho, pela manhã. As feições do rio desde o encontro com o Samburá se mantiveram de um padrão único, com altos barrancos barrentos, muitas árvores derrubadas pelas últimas chuvas, troncos ocultos sob as águas, e curvas intermináveis, à direita e à esquerda, aumentando as distâncias para quem observa as cartas topográficas sem a qualidade adequada à navegação.

Preocupavam-me o atraso no cronograma original, as distâncias a serem percorridas e a monotonia do cenário, cada vez mais contínuo e sem as belezas naturais verificadas no trecho inicial desde Vargem Bonita. Também os locais de acampamento se tornaram mais difíceis, muitas vezes exigindo superar os barrancos íngremes para encontrar um local plano. Cheguei a acampar sobre um lamaçal seco e craquelado, por detrás de uma árvore despencada, e sob o risco de desabamento do barranco, por falta de alternativas visíveis, pois já passava das 17:00 horas e logo iria escurecer!
Apesar disso, a navegação se tornou fácil e sem grandes imprevistos, com o fim das corredeiras. Isso me permitia observar mais atentamente a rica fauna da região, principalmente a diversidade de pássaros! Um dia cheguei a assistir a uma imensa revoada de patos, garças e outros pássaros, que passaram sobre mim, em grandes grupos, durante vários minutos.
Das margens ouvia-se o canto de milhares de pássaros em lugares que pareciam criadouros de aves, tamanha a algazarra provocada pelos cantos os mais diversos!
Logo na terça-feira, eu me encontrei com um pescador de 70 anos, sr. Roberto Borges, pessoa de grande sensibilidade e consciência ecológica, que me deu várias orientações e gravou um depoimento emocionante sobre a degradação ambiental no São Francisco.
Na quinta-feira me encontrei com um grupo de pescadores que me convidou a almoçar. Aceitei, e eles me alertaram sobre o que estava por vir na entrada da represa de Três Marias. Segundo eles, experientes pescadores, na entrada do lago havia uma grande corredeira, muito forte e difícil de ser vencida. Recomendaram-me que não fizesse esse trajeto, pois meu barco não suportaria. Mesmo com barco a motor eles disseram que era difícil entrar na represa!
Acabei pernoitando no acampamento deles e obtive mais informações e subsídios para a minha decisão. Eles haviam pescado muitas piranhas de 3 a 5 kg, um pintado (surubim) de uns 8 kg e um grande dourado de cerca de 12 kg. Convidaram-me a ir para seu rancho antes de prosseguir.
Na sexta-feira pela manhã saí cedo e cheguei ao rancho perto do meio-dia. Almocei com eles e decidi que não faria a entrada na represa. Segui remando até uma ponte próxima às corredeiras e contratei um pequeno caminhão para levar-me até Três Marias, onde cheguei às 21:00 horas.
Passei a noite meditando sobre tudo o que acontecera desde o início da expedição. Minha maior preocupação tinha sido superar obstáculos! As questões ambientais foram deixadas de lado em função das inúmeras dificuldades encontradas. E, nos últimos dias, minhas atividades se resumiam em remar cada vez com mais vigor para cumprir um cronograma que nada tinha a ver com meus objetivos e propósitos nesta expedição.
Encontrara poucas pessoas, tomara pouquíssimos depoimentos, fotografara poucas cenas, e nenhuma fora do leito do rio, perdi algumas oportunidades de conhecer lagoas de reprodução que estavam a poucos metros das margens... e, para completar, estava consumindo meus recursos financeiros e comprometendo seriamente a expedição.
Além disso, fui informado por um habitante de Três Marias que a uns 10 km da cidade havia uma perigosa corredeira, a Cachoeira Grande. Depois, uns dois dias de navegação, e havia outra, a Cachoeira Criminosa, uma enorme pedra que obstruía a passagem, sem ser percebida por quem desce o rio! Era emoção demais para quem buscava relacionamentos e informações sobre o meio ambiente, como eu!
Por tudo isso, decidi interromper minha viagem, reavaliar meus objetivos, buscar apoios financeiros e retomar a intenção de fazer essa expedição com propósitos preservacionistas.
Portanto, para quem me acompanha, essa é minha decisão: não farei mais corredeiras, não passarei por trechos perigosos, pois não estou fazendo rafting ou canoísmo como esporte, mas sim como meio de locomoção para conhecer o rio São Francisco e as comunidades que vivem em seu entorno, que dependem de suas águas para sobreviver! Creio ser essa a melhor atitude, antes que todos os objetivos da expedição estejam comprometidos...
No início de julho ocorrerá em São Paulo o 4o. Salão do Turismo: Roteiros do Brasil, quando será distribuída a revista "Circuito das Gerais" com uma reportagem de capa sobre minha expedição. Estarei lá para participar desse evento e obter apoio e patrocínio.

Vejam as fotos da expedição no álbum: http://picasaweb.google.com.br/jotadiver/VelhoChico#

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Diretora Lucivane Lamournier Faria e Presidente da Fundação, Marcos Rodrigues mostrando urna funerária indígena encontrada no Municipio de Iguatama


Foto: Closé Limongi
postagem: Monica Yuri (filha)

Almoço em Iguatama com prefeito e convidados


Foto: Closé Limongi
postagem: Monica Yuri (filha)

Primeiras remadas em direção a Lagoa da Prata


Foto: Closé Limongi
postagem: Monica Yuri (filha)

domingo, 14 de junho de 2009

IGUATAMA - PRIMEIRA PARADA

Depois de 15 dias a caminho, cheguei a Iguatama!

Muitas coisas para contar, mas serei breve, pois a jornada continua...

Dia 28 de maio saímos de Ribeirão Preto com destino à Serra da Canastra. Paulo Eduardo e Heitor haviam me reservado uma estraordinária surpresa: não só me acompanhariam na primeira parte da expedição, fazendo a trilha da nascente até a base da Casca Danta, mas chegaram com o Toyota todo grafitado com o emblema da expedição (criado e produzido pelo Heitor), slogan "Meu Velho Chico" estampado na carroceria, de todos os lados! Meus grandes amigos, meus irmãos, muito obrigado!

A segunda surpresa foi o encontro com minha querida filha Mônica na entrada de São Roque de Minas! Minha filhota querida foi especialmente se despedir de mim no início da jornada, um enorme incentivo para meus longos dias de solidão que ali se iniciavam...

A trilha da nascente (que não existe), durou um dia e meio; pernoitamos no meio do mato, sem barraca, à luz das estrelas e o respingo da garoa! Trajeto fantástico, com muitas cenas dignas de uma viagem dessa mgnitude!

Pernoitamos na Pousada Barcelos na noite seguinte e fomos para Vargem Bonita onde, depois dos preparativos, colocamos a canoa no rio São Francisco e dei início à viagem. Eram os primeiros passos da longa extensão do Velho Chico.

Logo à saída, a surpresa! Nem bem havia me adaptado à nova situação e percebi que as corredeiras já tinham começado! Primeiro suaves e brandas, depois foram se tornando cada vez mais agitadas, difíceis e cansativas para quem nunca havia passado por uma corredeira! Lembrei-me dos amigos do Tonhão: "corredeiras no rio São Francisco? Isso não existe!".

Existe sim, com águas brancas e tudo! E logo tive de me adaptar a elas, administrando as curvas do rio, ora à direita, ora à esquerda, uma atrás da outra, em uma sucessão de ziguezagues que se tornariam minha nova rotina de navegação pelos próximos 12 dias!

Cada curva, uma corredeira! Essa era a lei do rio! A princípio, achei divertido, curtia cada manobra e já me achava expert em corredeiras. Remei assim por algum tempo até que chegou o horário combinado de procurar abrigo: 16 horas.

Pernoitei em um pasto, próximo a duas cachoeiras muito bonitas, com águas limpas e cristalinas. À minha frente, o primeiro obstáculo intransponível: uma corredeira que mais se parecia com uma cachoeira, tamanho era o volume de águas e a queda por onde eu deveria passar com a canoa. Olhei para os dois lados, procurando uma saída: não havia! Morros altos e íngremes, de ambos os lados, dificultavam a subida.

Improvisei uma escalada e andei alguns minutos, tentando ver a possibilidade de superar a cachoeira. Nada! O rio que gerou as cachoeiras, na verdade, fizera um profundo canyon na montanha, com mata densa e intransponível, além da dificuldade óbvia de ter que levar a canoa e todas as mochilas lá para cima.

Como estava muito perto da queda dágua, fiquei com receio de manobrar a canoa e cair, involuntariamente, na cachoeira. Coloquei as nadadeiras e atravessei o rio para averiguar a outra margem. Péssima idéia! Foi ainda mais difícil atravessar a nado!

E o pior: não havia passagem pelo outro lado também! Como já entardecia, resolvi montar a barraca, dormir e deixar que o sono me trouxesse alguma resposta.

Ao acordar, decidi levar a canoa pela margem direita, assim como a bagagem, fazendo uma travessia pelo paredão de pedras. Demorei quase o dia todo para levar tudo até a ponta das pedras, quase sobre a corredeira. Foi aí que encontrei um meio de baixar tudo para o outro lado. Fiz isso, com muito esforço, e segui minha viagem, satisfeito com a transposição de meu primeiro sério obstáculo.

Daí em diante, uma sucessão de dezenas de corredeiras me deixaria exausto! A cada dia eu evoluia apenas uns 2 km, no máximo! Dia a pós dia esse se tornou meu processo de avançar... ganhando cada metro de água com um enorme esforço!

E as corredeiras se tornavam mais difíceis e complicadas. De uma feita, a canoa se encheu de água e tive que me jogar para fora, evitando que ela emborcasse. Com enorme esforço eu a puxei para a margem e, com uma canequinha, retirei toda a água ( mais de 100 litros, com certeza!) e prossegui.

Aí a viagem já parecia uma competição de rafting: a velocidade que o barco atingia nas corredeiras era cada vez maior, mas eu estava me saindo bem e comecei a gostar da "brincadeira", até que em uma queda repentina bati com força em uma pedra submersa! Ouvi um estalido, como se o fundo do barco tivesse rachado. Caí novamente na água.

Parei e examinei precariamente os estragos, mas me pareceu que tudo estava bem. Assim se sucederam as corredeiras, às vezes ela me aceitando, outras me derrubando... até que, ao chegar no início de uma delas, percebi que já não havia tempo para voltar ou parar a canoa. Estava diante de uma rampa descendente, longa e muito inclinada, pronto a ser levado, em desabalada carreira, para fazer manobras impossíveis de escape das inúmeras pedras que se espalhavam por todo o caminho. Era um "tobogã cheio de gilletes afiadas", prestes a me "cortar em pedaços"!

Não havia o que fazer, e fui controlando, como pude, o traçado da canoa, às vezes batendo forte em uma pedra, outras levando um banho de água, segurando-me como podia no trajeto, até que, à minha frente, apareceu uma árvore caída sobre a água, sem lugar para me desviar.

Bati em cheio na árvore! Meu capacete foi arrancado, assim como o boné que estava sob ele! O barco se encheu de água e fui lançado para fora. Agarrei-me ao barco e ao remo, conforme a regra, e fui levado, aos "trancos e barrancos" até o final da corredeira, o que, para mim, demorou muitos minutos (eram segundos eternos, na realidade)!

Novamente, com o barco quase afundado, arrastei-me até margem. Dessa vez não havia jeito de tirar a água, senão esvaziando o barco. Desamarrei toda a carga e retirei os sacos. Virei a canoa e tirei a água. De ambos os lados, de fora e de dentro, o estrago era evidente: rachaduras severas tinham sido feitas no casco. Deixei o barco secar e fui montar meu acampamento improvisado, devido ao adiantado da hora.

No dia seguinte coloquei "silver tape" (uma espécie de adesivo muito resistente) em todas as rachaduras. Experimentei o resultado e constatei que não havia vazamentos. Recoloquei a carga e prossegui viagem. Esta não seria a pior corredeira, e decidi que daí em diante só faria as corredeiras mais fáceis, para evitar novos riscos.

Mas as portagens são muito cansativas, pois exigem o transporte da canoa e das cargas por caminhos não convencionais, às vezes tendo de abrir uma picada a facão no mato, e a evolução se tornou ainda mais lenta.

Alguns lugares não permitiam portagem, ou por falta de caminhos para passar, ou pela dificuldade e risco ainda maiores do que enfrentar as corredeiras. E assim, continuei a alternar corredeiras e portagens, me esforçando para não agravar os danos à embarcação.

Em uma dessas "corridas malucas", perdi todas as minhas cartas topográficas do IBGE, que me custaram tão caro, e que foram arrancadas de um saco, que se abriu, projetadas na água e dissolvidas pela correnteza.

Diante dos problemas e da falta de perspectivas de que essas corredeiras terminassem um dia, eu já estava quase decidido a abortar a expedição, assim que chegasse em um lugar onde pudesse ser socorrido. Isso porque, se eu chamasse por socorro àquela hora, não imaginava como alguém chegaria até lá, a não ser por helicóptero! E eu não queria passar por esse vexame: não estava em perigo, apenas exausto!

Quando já estava prestes a desistir, finalmente, em uma curva de rio, encontrei um barco a motor, com pescadores a bordo. Pensei: "se eles estão com esse tipo de embarcação é porque as corredeiras terminaram!". Pois, até então, nenhum barco a motor poderia passar por aquelas corredeiras.

De fato, perguntando aos pescadores, eles me confirmaram a notícia que esperava tão ansiosamente: era o fim das corredeiras! Remei com a maior disposição de minha vida e, depois de algumas horas, cheguei a uma ponte que liga Piunhi a São Roque de Minas, e sobre a qual eu sabia existir um restaurante, o do Beto, minha salvação!

Antes disso eu passei pela confluência do São Francisco com o Samburá. Há uma controvérsia a respeito da nascente do São Framcisco: alguns chamam a parte que passei de "Francisquinho" e ao rio que nasce da junção desses dois de "verdadeiro São Francisco". Isso porque o Samburá tem maior volume de águas do que o "Francisquinho" (com todo o meu respeito!).

Dizem até que existem duas nascentes: uma, histórica, que é a da Serra da Canastra, de onde vim; outra, geográfica, que é a do Samburá. Polêmicas à parte, cheguei, como disse, ao restaurante do Beto, onde jantei com um grupo de pescadores e passei ótimos momentos, conversando e cantando ao som de um violão e, pela primeira vez, consegui falar com a Luciana e com a Mory, que já estavam desesperadas por notícias! Mas não consegui falar com a Mônica...

Daí em diante foram dois dias de remada forte, e cheguei aqui, em Iguatama, onde me encontro agora. Mais uma surpresa: a cidade não chega à margem do rio, ou melhor, não há acesso pelo rio, a não ser subindo pelo barranco íngreme e barrento, uns 12 metros de altura!

A explicação é óbvia: na temporada de chuvas o rio chega a subir mais de 10 metros e cobre tudo, campos e plantações, atingindo a ponte. Tive que deixar a canoa no rio e subir com um mínimo de bagagens: equipamentos eletrônicos, o remo curvo, a sacola de emergência, uma sacola com algumas roupas... o resto ficou no barco, amarrado à beira do rio... disseram-me que ninguém roubaria nada e tive que acreditar...

O dono de um rancho a beira-rio me ajudou e guardou uma parte dos sacolões, além de me indicar um hotel bem próximo, onde me hospedei. Daí começaram as surpresas e alegrias dessa magnífica cidade.

O Bruno Barcelos, de São Roque de Minas, falou com um jornalista amigo seu, sobre minha expedição. Ele, que publica uma revista, "Circuito das Gerais", se interessou pelo assunto e resolveu vir de Belo Horizonte para me entrevistar. Seu nome: Clóvis Fonseca Closé Limongi, grande figura, que já considero meu amigo!

À noite, mais uma surpresa: Marcos, diretor da Faculdade de Ecologia e Estudos do Meio Ambiente, da Fundação Educacional Vale do São Francisco, de Iguatama, veio ao hotel com sua esposa, para me recepcionar, em nome do prefeito em exercício, Leonardo Carvalho Muniz.

Quanta gentileza desse povo hospitaleiro! Hoje passei o dia em visita a duas obras fantásticas da administração local: um centro de excelência em oftalmologia, que atende centenas de pacientes vindos de toda a região, e a Faculdade.

As duas iniciativas são fruto do idealismo político do prefeito Manoel Garcia Bibiano e do esforço, dedicação e abnegação de sua equipe de governo e voluntários que, com muito esforço, conseguiram tornar realidade. Falarei mais dessas pessoas oportunamente.

Amanhã partirei de Iguatama, levando a certeza de que existem pessoas corretas e idealistas, que batalham por seus objetivos e os tornam realidade por competência e zêlo. Ficará aqui meu coração e minha alegria de ter sido recepcionado com tanto carinho! Meu muito obrigado a toda essa gente mineira, generosa e sábia!

Até o próximo encontro, em Três Marias que, se não surgirem contratempos, será daqui a uns 15 a 20 dias!

domingo, 17 de maio de 2009

Preparativos Finais

A dez dias de minha partida, os itens da bagagem já estão prontos e embalados. Cerca de 120 kg, incluindo alimentação para toda a jornada, vestuário, prevendo os diferentes climas do percurso, equipamentos essenciais, kit de emergência...

Terei que restringir alguns objetivos da expedição devido ao descaso e desinteresse de universidades e centros de pesquisa (no caso da coleta de amostras de água ao longo do rio São Francisco), e das autoridades, de quem não recebi nenhuma resposta à elaboração do manifesto "Protocolo do São Francisco", nem para minhas solicitações de apoio logístico às portagens nas barragens da CHESF e da CEMIG.

Apesar dessas limitações, a expedição está assegurada. Farei todo o trajeto, conforme planejado. Ainda não sei qual será a solução para navegação em mar aberto no trecho entre a foz e Aracaju; pretendo analisar as alternativas quando chegar em Penedo.

Abandonei a idéia de gravar a minha passagem pelas corredeiras com câmera de aventura fixada no capacete, por falta de patrocínio, mas farei várias tomadas de vídeo ao longo do percurso. Pretendo obter depoimentos e relatos de histórias desse povo valente que mora há séculos à beira de nosso rio mais famoso e importante!

Dia 29 de maio irei para São Roque de Minas, na Serra da Canastra. De lá pretendo fazer a trilha da nascente até a cachoeira Casca D´Anta e até sua base. Lá ficarei hospedado no abrigo do parque de onde, no dia seguinte farei o percurso a pé, a partir desse ponto até o local onde devo embarcar, em Vargem Bonita. Essas trilhas já foram autorizadas pela gerência do parque. Nesse percurso terei a companhia de meus grandes amigos Paulo Eduardo Chagas e Heitor Luiz Arrais, cujo apoio e incentivo farão minha partida se tornar única e inesquecível.

Uma pendência ainda não solucionada é a visita ao Parque Nacional Cavernas de Peruaçu; embora tenha sido membro da Sociedade Brasileira de Espeleologia e da Redespeleo durante muitos anos, não recebi nenhuma resposta dessas entidades ou do IBAMA aos inúmeros pedidos de apoio que fiz para essa visitação. Agora, dependo da aprovação das autoridades locais.

Assim como os políticos, a imprensa também me ignorou: uma chegou até a publicar um artigo, que mais me atrapalhou que ajudou, pois referiu-se a meu projeto como o de um "paulista" que faria a travessia do São Francisco, criando-me constrangimentos com a população ribeirinha e esquecendo-se de que, antes de ser Paulista, sou Brasileiro como todos os moradores da bacia do Velho Chico. Outra revista me afirmou que, ao voltar, se eu for bem sucedido, publicará a reportagem! Oras, se eu tiver sucesso, e estou certo de que terei, não precisarei mais de nenhum apoio...

A despeito dos problemas (e serão muitos, ainda, até o final da expedição), sigo adiante com muita disposição e vontade de realizar meu projeto. Tenho certeza de que as organizações não governamentais que atuam no São Francisco me darão o apoio negado pelas autoridades! E estou disposto e determinado a dar também minha contribuição para o resgate dos valores sociais e ecológicos a esse bioma nacional.

Aguardem notícias minhas! Agradeço a todos que acreditaram em meu projeto! Foram poucos, mas são aqueles de quem preciso para não esmorecer! Farei atualizações neste blog durante as passagens pelas cidades ribeirinhas...

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