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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Nascente do Rio São Francisco secou, afirma diretor de Parque

Pela primeira vez na história, a nascente do rio São Francisco, situada no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, está completamente seca. O acontecimento é simbólico, mas não significa, necessariamente, que o curso do rio será interrompido mais adiante.

"Não afeta todo o rio porque ele é muito grande, tem outros tributários que vão ajudando a mantê-lo. A gravidade maior é a seca. É uma questão simbólica", diz o diretor do parque, Luiz Arthur Castanheira.

Segundo Castanheira, a falta de água na nascente do rio, que tem 2.700 km de extensão e atravessa seis Estados e o Distrito Federal, foi detectada por funcionários da unidade, que visitam o local diariamente. "O pessoal mais antigo aqui do parque está assustado [com a seca]", diz. O rio nasce a cerca de 1.200 metros de altitude, em um dos pontos mais altos do parque, que tem 200 mil hectares de área.

A água brota de diversos "olhos d'água" e pequenos riachos que formam a nascente do Velho Chico, como o rio é afetuosamente chamado. "Se a nascente seca, [o rio] vai ficar com pouca água até o primeiro desaguar de outro rio [no São Francisco]", explica o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Ele não soube dizer em que ponto isso ocorre.

A estiagem rigorosa não afeta somente a nascente. A represa de Três Marias (a 224 km de Belo Horizonte), a primeira do São Francisco, está com a vazão crítica. Segundo Soares, a vazão atual é de cerca de 60 m³/s, quando o esperado mesmo para épocas de estiagem é de 300 a 350 m³/s.

"Não choveu a quantidade esperada, mas há a necessidade de manter a vazão para a energia elétrica, o que diminui o reservatório", explica Soares. "Precisamos trabalhar com as pessoas e com as empresas para que seja feito o uso racional da água."

De acordo com o comitê, a previsão é que a situação seja normalizada com aumento no volume de chuva em meados de outubro. O Ministério Público Federal de Sete Lagoas (a 50 km de Belo Horizonte) investiga a situação do São Francisco e da represa. De acordo com a Promotoria, a estiagem está acima da média histórica, o que tem reduzido a quantidade de água liberada pela represa.

A principal nascente vem no rio Samburá, no município de Medeiros, na região Centro-Oeste de Minas. “Mesmo não sendo a maior, secar a nascente da Serra da Canastra é gravíssimo. É resultado da estiagem que começou em março do ano passado. E o pior é que essa águas não se recuperam apenas em um ano e ainda podemos ter uma surpresa em 2015, com a continuidade da estiagem. E aí, vamos fazer o quê?”, destaca o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda.

Na avaliação dele, a escassez de água no Velho Chico é fruto da política de monopolização do rio para a geração de energia. “A redução da vazão do reservatório de Três Marias para atender à geração elétrica está afetando os outros usos da água. O São Francisco é um rio de muita demanda, que pega 58% do polígono da seca, ou seja, a agricultura depende dele. É preciso ter coragem para mudar o modelo da matriz energética do país”, questiona.

“As autoridades precisam tirar do papel a política de revitalização do São Francisco. Foi prometido que, para cada centavo investido na transposição, o mesmo seria aplicado na recuperação do rio”, cobra Miranda.

Na beira do rio
Antônia das Graças Silva Santos, de 65 anos, é nascida e criada na região e é aposentada como funcionária do Parque Nacional. "Sempre visitei essa nascente, o escritório em que eu trabalhava fica bem perto dela. Sei que a água do rio diminuiu, mas secar a nascente não fiquei sabendo, isso nem pode acontecer. A gente fica com medo ao ver uma coisa desta, pois um rio tão importante não pode secar assim. Mas isso não vai acontecer não, a chuva virá, tenho esperança", disse. Ainda segundo ela, a falta de água está crítica para todo mundo.

Incêndio
O tempo seco também vem aumentando o número de focos de incêndio no parque - desde 20 de agosto, já foram registrados oito. O mais recente e mais grave ocorreu na sexta-feira (19), durou 48 horas e atingiu 10 mil hectares. Os campos próximos da nascente do São Francisco também foram afetados pelo fogo, segundo Castanheira.

"Isso é o que é o mais triste. [A nascente] está tão seca que não conseguimos nem pegar água para apagar o incêndio", relata o diretor, segundo quem há fazendeiros ateando fogo na vizinhança do parque em plena época de seca.

Três Marias
Apesar de a situação ser alarmante, muitos acreditam que tudo voltará ao normal após o período de chuvas. Essa é a opinião de Norberto Antônio dos Santos, vice-presidente da Organização Não Governamental (ONG) SOS São Francisco, localizada na cidade de Três Marias, na região Central do Estado, onde se encontra uma das represas do Velho Chico. "A Casca D'Anta (primeira cachoeira do rio) deve estar com um fiapo de água, mas não acredito que a nascente vá secar assim, não. Lá para o dia 10 de outubro já começa a normalizar a situação", acredita Norberto.

De acordo com ele, o nível da barragem está bem baixo, sendo que a entrada de água é de 50 m³ por segundo e a vazão é de 150 m³. "Se não fosse a barragem estaríamos recebendo só os 50m³, o que seria muito pouco", explicou.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

As enganosas promessas da Transposição

A recente visita de Dilma Rousseff aos canteiros de obras da Transposição reacendeu as promessas e esperanças da população nordestina, principalmente aqueles que, acreditando nas possibilidades de redenção da economia no polígono da seca, investem suas expectativas nesse megaprojeto secular, que já passou por tantas modificações. O que nem Lula nem Dilma disseram é que essa versão atual e bilionária terá apenas 2% de suas águas destinadas ao consumo doméstico; o restante será oferecido ao Agronegócio e a outros megaempreendimentos da região. Os estados beneficiários serão o Ceará, o Rio Grande do Norte, a Paraíba e Pernambuco.

Observem as placas indicativas das empresas habilitadas para as obras da Transposição na cidade de Cabrobó, PE. É curioso observar que o Consórcio Construtor "Águas do São Francisco" é constituído de uma empresa PAULISTA (Serveng),  uma empresa CARIOCA (Christiani-Nielsen), outra  empresa  PAULISTA (SA Paulista de Construções e Comércio), além do Exército Brasileiro... ou seja, nenhuma empresa nordestina investe nesse projeto, e os empregos gerados são transitórios. Assim que terminar a obra, mais de 10.000 trabalhadores estarão sem emprego, agravando os problemas sociais dessas cidades que os acolheram.

Já se produziram centenas de peças publicitárias para tentar resgatar a imagem pública desse gigantesco investimento em infraestrutura, que poderá trazer consequências catastróficas para os destinos da Bacia do São Francisco. Exemplo disso está na página do UOL: "Tão necessária, tão problemática"! Quem inadvertidamente lê essa reportagem não percebe a mensagem subliminar que enaltece a "grande obra do PAC", pois seu conteúdo é deliberadamente ambíguo, ora criticando, ora elogiando o projeto.

O que não se diz é que o "Projeto de Revitalização", inventado por Lula para se contrapor à Transposição, é um "apanhado" de obras isoladas, que não levam em consideração a Bacia Hidrográfica do rio São Francisco como um todo indissolúvel, e que seria, de fato, a única obra justificável para essa região. Não há como reativar a economia do Polígono das Secas sem resgatar a integridade da Bacia do São Francisco. Os mais de seis bilhões de reais que estão sendo investidos na Transposição teriam resultados muito mais efetivos se fossem destinados à Revitalização. Nenhuma obra desses "projetos isolados" do Governo Federal é destinada à recuperação da vazão dos rios que compõem a Bacia do São Francisco. E essa obra faraônica da Transposição só terá consequências negativas sobre a vazão do rio, que hoje atinge, no máximo, 3.500 m3 por segundo (na foz) e já foi, segundo estudos científicos, cerca de 16.000 m3 por segundo!

Os governos petistas iniciaram uma nova era de demagogia que eu, nos meus longos anos de luta revolucionária, nunca imaginei presenciar. O Partido dos Trabalhadores, que foi a esperança de redenção da Nação Brasileira, se envolveu em todos os tipos de escândalos que tanto criticou enquanto oposição; depois aliou-se aos partidos mais corruptos do país, como o PMDB e o PR. Enganou o povo com alianças espúrias como aquela com a famigerada Bancada Ruralista (preconizada e conduzida pelo ex-comunista Aldo Rabelo, do PC do B), com quem desenvolve os projetos do agronegócio, em detrimento dos pequenos e médios agricultores, e com ações e obras radicalmente contrárias aos propósitos ambientalistas que declarou internacionalmente, como as mega-hidrelétricas de Tucuruí, Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, que fazem parte do processo de destruição da Floresta Amazônica.

O projeto de Transposição é mais uma dessas mentiras, pois não resolverá o problema da distribuição de água para a população carente, e favorecerá novos empreendimentos que só aumentarão a concentração de renda em nosso país. Segundo especialistas em hidrologia, como João Suassuna(1)Aziz Ab´Saber (2) e Manoel Bonfim Ribeiro (3), a quantidade de água armazenada em reservatórios, açudes, barragens e lagos na região do polígono da seca já seria suficiente para abastecer todos os lares e suprir as indústrias nordestinas, bastando para isso que se desenvolvesse um projeto de integração desses reservatórios, que custaria infinitamente menos que a transposição, e teria resultados muito mais efetivos para a economia regional.

O paradoxo desse projeto de Transposição é que, nas regiões onde a água será retirada, a seca é muito mais perversa do que nas regiões para onde a água será transferida. Dentro mesmo do município de Cabrobó, origem do eixo norte da transposição, é comum ver-se caminhões-pipa entregarem água nas residências pobres da periferia da cidade; pior ainda são as pequenas propriedades a menos de 5 km das margens do rio São Francisco, que padecem da seca e são atravessadas pelos canais da transposição, cercado com arame farpado para impedir que esses agricultores familiares façam uso da água que lhes pertence e que será levada para mais de 400 km de distância da bacia do São Francisco.

Vale lembrar que o projeto original previa a recomposição das águas do São Francisco por um canal de 150 km ligando a Bacia do Tocantins através da Lagoa do Varedão. Essa proposta foi esquecida no projeto atual para não onerar seus custos, embora fosse muito menos dispendiosa que a Transposição do Velho Chico, uma vez que não necessitaria de estações elevatórias. Vejam análise técnica do pesquisador Luiz Carlos Baldicero Molion(4) no link http://www.sfrancisco.bio.br/arquivos/Molion%20LCB001.pdf

São muitos os questionamentos em relação a essa obra bilionária, mas nenhuma resposta convincente é oferecida aos antagonistas do projeto, que não é do povo, mas de Lula, de Ciro Gomes, de Dilma Rousseff e dos megaempresários que dele se beneficiarão. Que democracia é essa, que usa forças militares para garantir a execução das obras e faz ouvidos moucos aos protestos da população?
____________________________
(1) João Suassuna - Engenheiro Agrônomo, formado pela Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Planejamento Florestal pela Fundação Getúlio Vargas
(2) Aziz Nacib Ab'Saber - geógrafo, geólogo, ecólogo, professor universitário e Presidente de Honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
(3) Eng. Manoel Bonfim Ribeiro - mestre em hidrologia e ex-diretor do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS)
(4) Luiz Carlos Baldicero Molion - Pesquisador do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

TRANSPOSIÇÃO DO RIO SÃO FRANCISCO

Fonte: SOS RIOS DO BRASIL



Projeto bilionário que nasceu polêmico, obra de desvio de parte das águas do São Francisco deveria ficar pronta este ano. Em vez disso, está com vários trechos paralisados.
Edição do Jornal do Commercio - Recife, 05 de fevereiro de 2012
Uma promessa de bilhões de reais, milhões de sonhos, décadas de história e inúmeros interesses políticos. O enredo da transposição do Rio São Francisco é cheio de personagens, dramas e lendas. O assunto traz debates sobre projetos faraônicos, demagogia, preconceitos regionais e o sonho de redenção social e econômica no Nordeste. Após rodar 2.600 km em três Estados, levantar dados e bastidores da obra, na semana da primeira visita oficial da presidente Dilma Rousseff à transposição o JC publica em partes, até sábado, este especial.

TÃO NECESSÁRIA, TÃO PROBLEMÁTICA

  • Por Giovanni Sandes

    A transposição do São Francisco tomaria água do rio e distribuiria no Nordeste a partir deste ano – prometeu várias vezes, do início até os últimos dias de seu governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Apesar disso, até a presidente Dilma Rousseff, em sua atual gestão, não conseguirá concluir a obra secular, pensada pela primeira vez no Brasil de Dom Pedro II, em 1847. Foram 160 anos de espera até as obras, em 2007, início da contagem regressiva para a água do chamado Rio da Integração Nacional correr pelo Semiárido, para consumo humano e nos negócios. Cinco anos após o novo começo, o clima de abandono é visível em vários trechos da transposição. O controverso projeto virou unânime, mesmo entre críticos: a obra, irreversível, tem que sair, com qualidade e o menor prejuízo possível aos cofres públicos.

    Até virar a transposição em sua versão atual, de canais, túneis e estações elevatórias, o projeto mudou muito, assim como o Nordeste. No século 19, a literatura romântica de José de Alencar, em O Sertanejo, de 1875, descrevia uma região isolada e rude, distante e sem avanços futuros como eletrificação rural. De qualquer cidade sertaneja, era possível contemplar “as noites do sertão, recamadas de estrelas rutilantes”.

    A luz artificial hoje atrapalha a romântica vista do céu noturno nas cidades do interior, onde ainda há povoados miseráveis, com torneiras que passam mais de 15 dias sem água. A transposição sempre foi vista como a solução desse problema.
    Mas o nordestino, cantava Luiz Gonzaga em 1972, em United States of Piauí, já havia trocado a garapa pela Coca-Cola e a calça de couro pelo jeans da marca Lee. A transposição também trocou de roupa.
    Até o governo do ex-presidente Itamar Franco, o projeto era de um só grande canal, de Cabrobó, em Pernambuco, a Jati, no Ceará, com a água seguindo para bacias de rios e dali principalmente para o Rio Grande do Norte. Fernando Henrique Cardoso virou presidente, em 1994, prometendo fazer a transposição. Foi seu governo que ampliou o projeto para dois canais, o Eixo Norte, o original, mais o Leste, para beneficiar Pernambuco e Paraíba.

    Secretário Estadual de Recursos Hídricos e Energéticos, José Almir Cirilo era secretário-adjunto de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente em 1997, na gestão do governador Miguel Arraes. Ele acompanhou as negociações com o time de FHC. “Fomos contra a proposta que estava apresentada porque ela não beneficiava em nada ou quase nada Pernambuco, que tem uma situação crítica de abastecimento. Não se podia aceitar uma proposta que não resolvesse essa questão. Nos perguntaram o que queríamos e apontamos a região do Agreste e alguns sistemas hídricos do sertão que poderiam ser beneficiados. Daí surgiu o Eixo Leste”, lembra.

    O então ministro da Integração Nacional, o potiguar Fernando Bezerra (não confundir com o homônimo hoje na mesma pasta), era um entusiasta. Prometia licitação em 2000 e, em três anos, a secular obra pronta. Nada saiu. A oposição política era forte mesmo no Nordeste, em Sergipe, Alagoas e Bahia, Estados que, em tese, perderiam com a transposição. No dia 11 de outubro de 2001, em Uberaba (MG), FHC alegou razões ambientais e desistiu publicamente: disse que o rio deveria ser preservado e não transposto.

    O que parecia um fim melancólico do projeto virou uma pausa. Sucessor de FHC, Lula resgatou a ideia com força. Negociou, usou a popularidade e peitou opositores: políticos, artistas ou ambientalistas. Na Bahia, o bispo do município de Barra, dom Luiz Flávio Cappio, fez duas greves de fome contra a obra, em 2005 e em 2007. Ganhou holofotes internacionais, mas perdeu a parada.

    Lula criou um projeto para revitalizar o rio e sanear as mais de 400 cidades e povoados às suas margens. Também apresentou números diferentes. Manteve o teto de retirada de água de FHC,de 127 metros cúbicos por segundo (m³/s), 3% da vazão do rio, quando houvesse excesso no Reservatório de Sobradinho (BA). Mas propôs captar continuamente 26,4 m³/s, 1,42% da vazão. Diante da promessa técnica de haver limite na tomada de água, a resistência foi vencida. O ex-ministro Ciro Gomes, grande escudeiro de Lula na transposição, convocou o Exército para tirar o projeto do papel, em 2007, início do segundo governo Lula.

    A obra foi dividida em 14 lotes. Mas algumas empreiteiras pediram aumento antes de começar. Três consórcios até desistiram.
    Mesmo assim, Lula mantinha os prazos. Entregaria o Eixo Leste em 2010 e o Norte, em 2012. Assim, o governo que deu um enredo novo a um projeto tão antigo também deu início aos problemas da transposição no mundo real. Os bastidores dessa história recente foram marcados pela pressa diante eleitoral, o que atrapalhou do planejamento à execução do projeto. Os prejuízos estão a céu aberto: trechos de canais deteriorados antes mesmo de receberam água.

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