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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

A Crise Energética e a Seca mais Cruel dos Últimos 100 anos

Local de captação de água para as turbinas de Três Marias: imagem da desolação!

Temos falado insistentemente sobre a questão da água, inserida no descaso pela gestão do Meio Ambiente, e as Mudanças Climáticas. A situação atual é dramática, e revela a gravidade da crise que afeta nossos recursos hídricos. O rio São Francisco, com suas oito hidrelétricas, reflete o desinteresse das autoridades responsáveis pelas políticas públicas no que concerne à preservação da Natureza, principalmente nos biomas Cerrado e Amazônia.

A situação se agrava ainda mais se considerarmos que nossa matriz energética sempre privilegiou a construção de grandes hidrelétricas. Hoje, a produção de eletricidade depende quase que exclusivamente das usinas hidrelétricas, termelétricas (movidas a óleo diesel) e da biomassa da cana de açúcar. A energia eólica e solar ainda é insignificante nesse contexto atual. Uma crise no abastecimento de água à população evidencia também a escassez de água nos reservatórios das hidrelétricas. Se essa estiagem perdurar por mais alguns meses, certamente, em meados do próximo ano, as grandes metrópoles, como São Paulo e Rio de Janeiro, estarão desprovidas de água e eletricidade.

Se essa estiagem está relacionada como o fenômeno sazonal do "El Niño", como afirmam as autoridades, isso não significa que a decisão por essa matriz energética esteja correta, e a culpa seja apenas de São Pedro, que não é petista. A cidade de São Paulo, há muitos anos vem buscando água para seus reservatórios em lugares cada vez mais distantes, onerando outras regiões do interior paulista, como vem ocorrendo em várias cidades da região.

Os reservatórios da Cantareira estão seriamente comprometidos, assim como aqueles do Alto Tietê, e também do Paraíba do Sul, que abastece o município do Rio de Janeiro e a Baixada Fluminense. Como se não bastasse, a água entregue nas residências está com coloração ocre, sedimentação do barro do leito dos reservatórios, e potencialmente contaminada por resíduos depositados no leito desses reservatórios cada vez mais secos.

A população dos grandes centros, vivendo essa situação dramática, apela para a abertura de poços artesianos, quando moram em casas térreas, comprometendo ainda mais o lençol freático e os aquíferos subterrâneos. A longo prazo, também essas águas profundas estarão comprometidas. Não querendo ser arauto de catástrofes, mas, ao mesmo tempo, constatando que a realidade é bem mais crítica do que as previsões mais pessimistas, devemos nos perguntar o que faremos quando nossas imensas reservas de água potável se extinguirem. Como afirmei diversas vezes nos últimos anos, somos (ou éramos) um país privilegiado pela Natureza, tendo, dentro de nossas fronteiras, cerca de 12% de toda água potável do mundo! Mas isso está se deteriorando...

O rio São Francisco é a imagem mais trágica da morte de nossos rios. A destruição das nascentes, a canalização dos ribeirões dentro das grandes cidades, a contaminação dos afluentes do Velho Chico pelos esgotos lançados em suas águas, o desmatamento das margens dos rios, o despejo de milhões de toneladas de agrotóxicos, escorridos pelas plantações de milho, soja, cana de açúcar, outras mega-lavouras e das pastagens para o gado, o descaso com resíduos industriais, despejados em lagoas de contenção às margens dos rios, a morte das lagoas de reprodução, que já não são mais alimentadas pelas cheias, tudo isso leva o Velho Chico à lenta agonia e à morte trágica, afetando uma população de mais de vinte milhões de brasileiros.

Os latifúndios não se interessam pelo Meio Ambiente, mas precisam das águas para irrigar suas terras. Porém, contraditoriamente, são eles, os fazendeiros, que estão matando os rios! E quando essa água se acabar? Certamente, as lavouras e os pastos também se acabarão! Hoje, o agronegócio garante parcela expressiva do PIB nacional, graças a essa política predatória e à expansão ininterrupta das fronteiras agrícolas para dentro do Cerrado e da Amazônia.

Nossas matas, florestas, águas subterrâneas, tudo está ameaçado por essa política cretina de terra arrasada: produção acelerada, incentivada pelos países que, ou já acabaram com suas florestas, ou não querem destruir o que restou, e importam carne, soja, milho, algodão, açúcar, álcool e tudo que o Brasil produz, caminhando célere para a exaustão de nosso riquíssimo território. A longo prazo (longo?) o que será legado aos nossos descendentes é uma imensa savana seca, e imensas áreas desertificadas pela devastação do agronegócio.

A Crise Energética e a Seca mais Cruel dos Últimos 100 anos não ocorre por acaso, nem por um capricho das chuvas que não chegam. Esses fenômenos acontecem pela irresponsabilidade de um governo que não tem capacidade de gerir nossos recursos naturais. Minas Gerais, vista de cima, já parece um imenso terreno devastado pelo garimpo das mineradoras, que sangram a terra para extrair os minérios para exportação. Cerca de 20% da Amazônia já desapareceu e se transformou em áreas urbanas, estradas e travessões de assentamentos do INCRA, ou em fazendas de soja e de gado. Metade do Cerrado já virou campos de soja, algodão e gado. O que ainda falta destruir?

Se este ainda não é o derradeiro período de seca, se as águas voltarem a encher os reservatórios, a mover as turbinas das hidrelétricas, a serem sugadas para aspergir sobre as "plantations" contemporâneas, é, pelo menos, um último aviso, uma mensagem explícita de que alguma coisa muito grave está a acontecer. Se as autoridades incompetentes não escutam essa mensagem, padeceremos a seca e a fome, a decadência de um país que, no ato do Descobrimento, foi declarado o maná do mundo, lugar onde "em se plantando, tudo dá", como dizia Pero Vaz de Caminha em sua carta ao Rei de Portugal.

Não desejo a desgraça, pois amo minhas filhas e meus netos, e quero deixar a eles um legado de riquezas e belezas naturais. Infelizmente, não depende de mim, apenas. Deixo, frequentemente, insistentemente, as minhas palavras de alerta, esperando que alguém as ouça e, ao menos, reflita sobre a possibilidade de tudo isso vir a ser um tremendo pesadelo. Espero estar errado...

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Seca do São Francisco reduz vazão da represa de Três Marias


Represa de Três Marias tem o pior nível na história: proposta de reduzir a vazão gera reações rio abaixo

Proposta, que será votada nesta terça-feira, quer a redução dos atuais 160 metros cúbicos por segundo para 140m3/s a partir do início de outubro e para 120m3/s a partir de novembro

O Rio São Francisco chegou a um nível tão crítico – o pior da história –, que estão sendo adotadas medidas para garantir uma vazão mínima do curso d’água também em 2015. A movimentação indica que autoridades e ambientalistas já trabalham com a probabilidade de que a próxima estação chuvosa não será suficiente para normalizar a vazão. Como parte desse conjunto de providências, a Câmara Consultiva do Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto São Francisco se reúne hoje com o objetivo de aprovar proposta para que a quantidade liberada pala represa de Três Marias seja reduzida de 160 metros cúbicos por segundo para 140m3/s a partir do início de outubro e para 120m3/s a partir de novembro. A sugestão já provoca reações de populações atingidas.

A secretária do comitê, Silvia Freedman, assegura que a proposta – que ainda será encaminhada ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) –, tem como objetivo garantir uma vazão mínima para o rio, além de manter água no reservatório de Três Marias, que está com apenas 5,3% de sua capacidade. “Se isso não for feito, o lago da usina vai secar e o rio, também. Estamos tomando essa decisão para evitar um colapso total”, justifica.

A ação defendida pelo comitê atende diretamente ao entorno do lago da usina de Três Marias, que abrange diretamente oito municípios. Por outro lado, provoca temor em comunidades rio abaixo, como ocorre no projeto de irrigação do Jaíba. O produtor Mario Borborema, que trabalha na área, afirma que, se a liberação da usina de Três Marias baixar a menos de 150m3/s, o nível do rio vai diminuir tanto que a captação de água pelo sistema de bombas do perímetro irrigado pode tornar-se inviável. “Isso pode levar a interrupção do projeto de irrigação”, alerta o produtor, acrescentando que, além de prejudicar a atividade de cerca de 2 mil agricultores, a situação atingiria cerca de 20 mil moradores do perímetro irrigado.

“Entendemos a preocupação do comitê em garantir a vazão do rio. Mas o lago de Três Marias ainda tem 5% de capacidade e estamos na iminência do início do período chuvoso”, disse. Ele lembrou que, por causa da estiagem, desde junho os irrigantes do Jaíba não iniciam novos plantios. “Já estamos dando a nossa cota de sacrifício e não podemos ser ainda mais prejudicados”, comenta.

O assessor jurídico da Prefeitura de Pirapora, Fidelies Morais, também questiona a proposta de reduzir a vazão de Três Marias. “Estudos do próprio ONS mostram que, se a fluência do rio ficar abaixo de 150m3/s, haverá danos ambientais ao rio”, argumentou, sem, no entanto, detalhar que ameaças seriam essas. Lembrando que a legislação estabelece prioridade de recursos hídricos para uso humano e animal, ele aponta falhas de planejamento na manutenção da hidrelétrica. “Infelizmente, nos anos anteriores só olharam a produção de energia, mantendo as seis turbinas funcionando ao máximo”, denuncia.

Já a secretária do Comitê do Alto São Francisco explica que as propostas da entidade consideram somente a necessidade de manter uma vazão mínima do Velho Chico, para que o abastecimento humano seja garantido no futuro. “Mesmo se ocorrerem bons índices de chuva de novembro a março, o problema da seca pode se repetir em 2015. Temos que adotar medidas preventivas.”

Procurados, a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) informaram que vão aguardar a chegada oficial das propostas do comitê de bacia para se manifestar. O Estado de Minas tentou, sem sucesso, ouvir representantes do ONS sobre o assunto.

Pior que o apagão


Com 1,1 bilhão de metros cúbicos de água, da capacidade total de 21 bilhões, o volume de Três Marias é o menor da história, segundo a Cemig, da operadora da usina. A companhia informou que amanhã enviará técnicos para reunião da ANA com integrantes do ONS, na qual pode ser decidida a redução da vazão das turbinas.

Ontem, a vazão de água da represa era de 160m3/s, mas o reservatório só recebia 40m3/s. Desde sábado o volume de água é de 5,3%. Em 2001, o ano do apagão no Brasil, o nível mínimo de armazenamento chegou a 8%. Na reunião de amanhã será discutida a redução gradativa da vazão. As turbinas podem funcionar até com o volume diário que chega à represa, mas as populações rio abaixo seriam prejudicadas.

Fonte: Correio Braziliense
Luiz Ribeiro / Landercy Hemerson

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Morte Anunciada: a tragédia do Velho Chico

A nascente do Velho Chico secou completamente, e sua vegetação desapareceu
Há mais de 10 anos fala-se sobre a morte do rio São Francisco. O bispo de Barra, na Bahia, Dom Frei Luiz Cappio, chegou a percorrer toda extensão do Velho Chico, alertando a população e as autoridades a respeito dos fatores que vinham destruindo, lentamente, as condições de sobrevivência do nosso grande "rio da integração nacional". Em duas ocasiões, Frei Cappio fez greve de fome contra a Transposição do rio, pretendida pelo Lula, ressuscitando um antigo projeto, ainda do tempo do Império, para levar as águas do Velho Chico para a Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, com promessas infundadas de que isso resolveria a seca do semiárido nordestino. 

Triste visão do rio São Francisco em Pirapora, Minas Gerais
Em 2004, Frei Cappio permaneceu em greve em uma capela próxima a Cabrobó, em Pernambuco, até que Lula prometesse rever o projeto e ouvir outras opiniões mais abalizadas de especialistas em Hidrologia, como Aldo da Cunha Rebouças, Aziz Ab'Saber e Milton Almeida dos Santos. A promessa foi quebrada e, com o início das obras em 2006, Frei Luiz Cappio entrou em nova greve de fome, desta vez na cidade de Sobradinho, na Bahia, às margens da represa, ficando 22 dias sem comer, e saindo de lá para um hospital, por determinação de seus amigos e seguidores.

Em 2009 percorri toda extensão do rio São Francisco, 2.700 km, remando sozinho desde sua nascente, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, até a sua foz, em Piaçabuçu, Alagoas, conhecendo a realidade do rio através de suas cidades e comunidades ribeirinhas. Passei 99 dias dentro das águas do Velho Chico, fiz palestras em todos os lugarejos e comunidades que visitei, alertando a população para os gravíssimos problemas que destruíam esse grande rio, como a poluição por agrotóxicos, resíduos industriais e esgotos domésticos sem tratamento, o desmatamento de suas margens e a destruição das nascentes de seus tributários, seja pelo desmatamento, ou pelo pisoteamento do gado, entre tantas outras causas de degradação.

Imagem da seca do rio São Francisco em Xique-Xique, na Bahia
Assim como Frei Luiz Cappio, minha voz também não foi ouvida. Nem sequer consegui publicar meu livro, que se encontra em meu site: "Expedição Velho Chico", que já teve quase 100.000 visitantes, mas nenhum editor. Vejo, às vezes, pessoas que passaram por algumas cidades do Velho Chico, e falam como se fossem especialistas em seu conhecimento, ganhando notoriedade gratuita nos meios de comunicação, e fico triste por não ter sido valorizado e reconhecido pela mídia, nem ter conseguido divulgar meu depoimento.

Agora, depois de tantas manifestações, o Velho Chico está, de fato, morrendo. Pela primeira vez em sua história, o rio São Francisco secou em sua nascente, e mostra sua terrível desolação em quase toda extensão de 2.700 quilômetros, a maior bacia hidrográfica brasileira, situada por inteiro em território nacional. É o rio mais importante do semiárido nordestino, única fonte de água doce perene em toda sua região de 640.000 quilômetros quadrados, do tamanho do estado da Bahia ou de Minas Gerais, maior do que a maioria dos países da Europa.

A maior seca da história do nordeste, prova definitiva das mudanças climáticas
Porém, não é apenas o rio São Francisco que está morrendo! Metade da Caatinga e do Cerrado brasileiros já foram transformados em latifúndios do agronegócio. Nesses dois biomas se encontra grande parte da flora medicinal do Brasil, que poderia ser uma importante fonte de recursos para o país, seja na possibilidade de geração de "royalties" para a indústria farmacêutica, seja pela utilização de medicamentos naturais, frutos da cultura popular regional.

A devastação de nossos biomas mais importantes está se acelerando, apesar das mentiras pregadas pelos políticos, que afirmam que o desmatamento estaria controlado. A Mata Atlântica já perdeu mais de 90% de toda sua riqueza natural, e a Amazônia, maior floresta tropical do mundo, segue no mesmo caminho, tendo perdido cerca de 25% de sua riquíssima flora e de sua fauna. E essa perda ocorre por várias causas: desmatamento para se transformar em pasto para o gado e em gigantescas plantações de soja, construção de hidrelétricas e estradas em plena selva, e assentamentos do INCRA.

A morte anunciada do rio São Francisco demonstra o descaso e o crime ambiental praticado pelo agronegócio e pelo governo federal, em sua infinita ambição de enriquecimento às custas de nossos incomparáveis recursos naturais. Essa tragédia anunciada será seguida de sucessivas novas tragédias nacionais, afetando o clima e as condições de sobrevivência de toda população brasileira, tanto pelo aquecimento dramático de nosso clima, como pela perda irreversível de nossos recursos hídricos, que ainda representam cerca de 12% de todas as fontes de água potável do mundo! É o maior crime ambiental, praticado por um único país, contra sua própria população. Uma estupidez!

Enquanto isso, o povo, iludido, ainda vota em massa em seus piores candidatos, perpetuando uma política colonialista que nos relegou um destino trágico e estúpido: de sermos os provedores de matérias primas e de produtos primários para um mundo em transformação e em processos de industrialização. Fornecemos carne de boi, soja, cana de açúcar, ferro, alumínio, em troca de produtos de alta tecnologia, como equipamentos eletrônicos.

Estamos chegando, rapidamente, no limite de resiliência (capacidade de recuperação) de nosso Meio Ambiente. Passado esse limite, o Brasil, gradualmente, se transformará em uma gigantesca savana seca e estéril. Regiões desérticas substituirão as florestas e as nossas gigantescas bacias hidrográficas. E até mesmo os ignorantes donos do agronegócio verão seus latifúndios se transformarem em terra seca e inútil para a lavoura.

Será esse o nosso destino final?

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Nascente do Rio São Francisco secou, afirma diretor de Parque

Pela primeira vez na história, a nascente do rio São Francisco, situada no Parque Nacional da Serra da Canastra, em Minas Gerais, está completamente seca. O acontecimento é simbólico, mas não significa, necessariamente, que o curso do rio será interrompido mais adiante.

"Não afeta todo o rio porque ele é muito grande, tem outros tributários que vão ajudando a mantê-lo. A gravidade maior é a seca. É uma questão simbólica", diz o diretor do parque, Luiz Arthur Castanheira.

Segundo Castanheira, a falta de água na nascente do rio, que tem 2.700 km de extensão e atravessa seis Estados e o Distrito Federal, foi detectada por funcionários da unidade, que visitam o local diariamente. "O pessoal mais antigo aqui do parque está assustado [com a seca]", diz. O rio nasce a cerca de 1.200 metros de altitude, em um dos pontos mais altos do parque, que tem 200 mil hectares de área.

A água brota de diversos "olhos d'água" e pequenos riachos que formam a nascente do Velho Chico, como o rio é afetuosamente chamado. "Se a nascente seca, [o rio] vai ficar com pouca água até o primeiro desaguar de outro rio [no São Francisco]", explica o vice-presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Ele não soube dizer em que ponto isso ocorre.

A estiagem rigorosa não afeta somente a nascente. A represa de Três Marias (a 224 km de Belo Horizonte), a primeira do São Francisco, está com a vazão crítica. Segundo Soares, a vazão atual é de cerca de 60 m³/s, quando o esperado mesmo para épocas de estiagem é de 300 a 350 m³/s.

"Não choveu a quantidade esperada, mas há a necessidade de manter a vazão para a energia elétrica, o que diminui o reservatório", explica Soares. "Precisamos trabalhar com as pessoas e com as empresas para que seja feito o uso racional da água."

De acordo com o comitê, a previsão é que a situação seja normalizada com aumento no volume de chuva em meados de outubro. O Ministério Público Federal de Sete Lagoas (a 50 km de Belo Horizonte) investiga a situação do São Francisco e da represa. De acordo com a Promotoria, a estiagem está acima da média histórica, o que tem reduzido a quantidade de água liberada pela represa.

A principal nascente vem no rio Samburá, no município de Medeiros, na região Centro-Oeste de Minas. “Mesmo não sendo a maior, secar a nascente da Serra da Canastra é gravíssimo. É resultado da estiagem que começou em março do ano passado. E o pior é que essa águas não se recuperam apenas em um ano e ainda podemos ter uma surpresa em 2015, com a continuidade da estiagem. E aí, vamos fazer o quê?”, destaca o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda.

Na avaliação dele, a escassez de água no Velho Chico é fruto da política de monopolização do rio para a geração de energia. “A redução da vazão do reservatório de Três Marias para atender à geração elétrica está afetando os outros usos da água. O São Francisco é um rio de muita demanda, que pega 58% do polígono da seca, ou seja, a agricultura depende dele. É preciso ter coragem para mudar o modelo da matriz energética do país”, questiona.

“As autoridades precisam tirar do papel a política de revitalização do São Francisco. Foi prometido que, para cada centavo investido na transposição, o mesmo seria aplicado na recuperação do rio”, cobra Miranda.

Na beira do rio
Antônia das Graças Silva Santos, de 65 anos, é nascida e criada na região e é aposentada como funcionária do Parque Nacional. "Sempre visitei essa nascente, o escritório em que eu trabalhava fica bem perto dela. Sei que a água do rio diminuiu, mas secar a nascente não fiquei sabendo, isso nem pode acontecer. A gente fica com medo ao ver uma coisa desta, pois um rio tão importante não pode secar assim. Mas isso não vai acontecer não, a chuva virá, tenho esperança", disse. Ainda segundo ela, a falta de água está crítica para todo mundo.

Incêndio
O tempo seco também vem aumentando o número de focos de incêndio no parque - desde 20 de agosto, já foram registrados oito. O mais recente e mais grave ocorreu na sexta-feira (19), durou 48 horas e atingiu 10 mil hectares. Os campos próximos da nascente do São Francisco também foram afetados pelo fogo, segundo Castanheira.

"Isso é o que é o mais triste. [A nascente] está tão seca que não conseguimos nem pegar água para apagar o incêndio", relata o diretor, segundo quem há fazendeiros ateando fogo na vizinhança do parque em plena época de seca.

Três Marias
Apesar de a situação ser alarmante, muitos acreditam que tudo voltará ao normal após o período de chuvas. Essa é a opinião de Norberto Antônio dos Santos, vice-presidente da Organização Não Governamental (ONG) SOS São Francisco, localizada na cidade de Três Marias, na região Central do Estado, onde se encontra uma das represas do Velho Chico. "A Casca D'Anta (primeira cachoeira do rio) deve estar com um fiapo de água, mas não acredito que a nascente vá secar assim, não. Lá para o dia 10 de outubro já começa a normalizar a situação", acredita Norberto.

De acordo com ele, o nível da barragem está bem baixo, sendo que a entrada de água é de 50 m³ por segundo e a vazão é de 150 m³. "Se não fosse a barragem estaríamos recebendo só os 50m³, o que seria muito pouco", explicou.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O destino do planeta na Rio + 20


O que nos parece óbvio pode ser incompreensível para a maioria dos brasileiros, que não estão comprometidos com as questões ambientais: o planeta está em crise e o tempo para tomada de decisões poderá estar se esgotando. No entanto, os líderes mundiais também não se importam com o futuro, nem se sentem ameaçados por essa enorme transformação em curso, e o resultado final desse encontro que acontece no Rio de Janeiro poderá ser irrelevante para os destinos do planeta.

Muito se discute sobre os temas a serem abordados no documento final da Conferência; criou-se até um modelo de discussões baseado em três pilares: Economia, Sociedade e Meio Ambiente. Mas a questão fundamental não é acadêmica e muito menos se enquadra nos padrões de palestras empresariais, arenas em que as aparências têm mais importância do que os resultados almejados. Por isso, as conclusões da Rio + 20 poderão ser frustrantes! Já não se debate, como acontecia há 20 anos, se existe ou não um "aquecimento global" e se esse fenômeno está ou não relacionado com as ações humanas e com o modelo de produção e de consumo da sociedade contemporânea. Essa conclusão é óbvia e fundamentada em estudos, pesquisas e dados consistentes e irrefutáveis, ainda que as ações humanas não sejam as únicas a mudar o curso da História, ameaçando a vida na Terra.

Nas últimas quatro décadas, desde que surgiu a discussão sobre sustentabilidade e se iniciou a busca por novos modelos de produção, de consumo, e de reutilização de produtos descartados, as transformações sociais, políticas e econômicas foram profundas e impactantes para o Meio Ambiente. Em 1.972 a maioria dos países subdesenvolvidos estava imersa em violentas ditaduras militares e as grandes potências travavam disputas ideológicas entre o Capitalismo e o Comunismo. Desde então, essas ditaduras deixaram de causar vítimas inocentes, o Comunismo foi derrotado e o Capitalismo se tornou mais selvagem do que nunca, alimentando o excesso de consumo e o desperdício desenfreado.

Na sequência, crises sucessivas da Economia mundial evidenciaram a falência do modelo capitalista globalizado, e expuseram a falácia das antigas e desgastadas teses do Welfare State e do American Way of Life. A Europa imergiu na pior crise de sua história de pós-guerra, e os Estados Unidos conheceram a fragilidade de sua Economia, deixando metade da população mundial exposta à falência do modelo baseado no Império do Dollar como moeda internacional. Paralelamente às crises, a China cresceu e superou quase todas as economias mundiais, inclusive europeias e asiáticas, tornando-se a segunda potência econômica, somente atrás dos norte-americanos.

Tudo isso teve um custo insustentável para o Meio Ambiente: a exploração dos recursos naturais superou a capacidade da Natureza de repor seus estoques, até então considerados inesgotáveis e seguros. O Brasil, mais uma vez, escolheu o caminho errado e investiu pesado na exploração e comercialização de Commodities e de Matérias Primas (grãos e minérios). Essa escolha evidenciou-se trágica: em cerca de 40 anos os governos militares e os governos liberais que se seguiram destruíram metade do bioma Cerrado e 25% da Amazônia. Estados como o Mato Grosso, Rondônia e o Pará causaram mais de 50% de devastação na Floresta Amazônica, e a Mata Atlântica foi vítima da pior exploração imobiliária de sua história, fragmentando ainda mais o que restou da exploração colonialista da cana de açúcar, do algodão e do café, do início do século XVI ao final do século XIX.

Nossos recursos hídricos foram os mais desgastados por essa febre desenvolvimentista, seja pela construção de gigantescas hidrelétricas, como Itaipu, Sobradinho, Santo Antônio, Jirau, Belo Monte, Tucuruí, Ilha Solteira e Xingó, seja pela poluição dos cursos dágua por esgotos urbanos, contaminação por agrotóxicos e resíduos industriais e exploração descontrolada dos aquíferos subterrâneos, comprometendo definitivamente quase todas as bacias hidrográficas do país.

Os processos industriais não se preocuparam em otimizar recursos, mas em incentivar o desperdício, criando produtos descartáveis e bens pouco duráveis. Se, no passado, a indústria automobilística e eletro-eletrônica produziam bens para durar uma vida inteira, nos dias de hoje a vida útil desses bens não passa de cinco anos, quando muito. Quanto menos durar um produto, mais se consome: esse é o princípio que norteia a Nova Economia; e a sucata decorrente é descartada no Meio Ambiente, sem nenhuma preocupação com a reciclagem.

Pois é nesse contexto que se insere a discussão sobre o destino de nosso planeta. No entanto, grandes líderes mundiais estarão ausentes, como o presidente norte-americano, que não quer se indispor, em um ano eleitoral, com seus financiadores de campanha, e repete o comportamento irresponsável de seus antecessores. Essa ausência é emblemática, considerando-se que esse país é responsável por 25% da liberação de carbono na atmosfera, que causa o efeito estufa e o aquecimento global. No Brasil também, a posição do governo Dilma é dúbia, irresponsável e contraditória: de um lado, afirma, retoricamente, seu compromisso com o Meio Ambiente; de outro, afaga os criminosos ambientais, como mineradoras, pecuaristas e latifundiários da soja, dispensando-os, inclusive, das multas e da recomposição das áreas degradadas. Ninguém, em sã consciência, se arriscaria a afirmar que Dilma honrará seus compromissos com a preservação ambiental.

No Congresso, outra farsa se desenrola na CPI de Cachoeira (que nada tem a ver com a Natureza), para despistar os ambientalistas e deixar passar a comoção da Rio + 20, para depois trazer à tona a questão do Código Florestal (ou melhor, do Código Ruralista do Desflorestamento e da Impunidade dos Crimes Ambientais). As perdas para o Meio Ambiente, ainda que a proposta de Dilma fosse aprovada na íntegra, já representariam o pior retrocesso da legislação ambiental de nosso país, com perdas irreparáveis de áreas de preservação permanente degradadas, reservas legais devastadas e não recuperadas, invasões e "legalização"de terras públicas ocupadas pelos ruralistas, e ameaças e invasões de terras indígenas, inclusive as já demarcadas.

As piores previsões de cientistas alertam para o risco de um aumento de mais de 8º C na temperatura média da Amazônia antes do final do século, o que, de per si, já significaria o fim da Floresta e a maior desertificação do planeta em tempos modernos. O impacto desse desastre ecológico repercutirá em todo o território nacional, causando quebras definitivas na capacidade produtiva da agricultura e da pecuária nacional, e o consequente desastre econômico para um país que tem, na produção rural e na exploração de minérios, a base de sua Economia. Esse modelo é tão estúpido e insustentável quanto a exploração de petróleo. No entanto, apostamos no Pré-Sal  nossas expectativas de redenção...

É claro que o debate que se desenvolve na Rio + 20 tem um valor inestimável para a transformação do pensamento político brasileiro e mundial, e suas consequências irão, certamente, muito além desses poucos dias de discussões no âmago da Conferência. No entanto, é importante destacar que talvez não haja tempo hábil para uma mudança de consciência e de comportamento político e econômico para evitar a catástrofe que se anuncia. Quanto tempo nos resta para evitar as tragédias? Qual será o ponto de inflexão dessa curva, aquele em que, mesmo que se mudem as decisões, o resultado já terá sido irreversível para nosso país e para a Humanidade? Talvez a resposta para essas indagações seja a própria tragédia que se anuncia para o gênero humano...

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Dominada por ruralistas, comissão da MP do Código Florestal é instalada






O Congresso Nacional instalou nesta terça-feira, 5, a comissão mista da Medida Provisória que trata do Novo Código Florestal com uma composição fortemente ruralista. Apesar da instalação, a expectativa é de que o relatório da proposta só seja apresentado pelo senador Luiz Henrique (PMDB-SC) depois da Rio+20, conferência da Organização das Nações Unidas que debaterá o desenvolvimento sustentável. O evento acontece no Rio de Janeiro de 13 a 22 de junho. A proposta recebeu 620 emendas.

Deputados da bancada ruralista mostraram força na instalação dos trabalhos. Eles atrasaram por quase uma hora o início da reunião até obter do relator o compromisso de só começar a discutir o cronograma de votação na próxima terça-feira, dia 12. O objetivo é justamente fazer o debate sobre o tema polêmico sem a pressão do evento internacional.

“Esse grande número de emendas mostra o tamanho da discussão que vamos ter aqui e isso só vai ser feito depois da Rio+20, isso já está claro”, disse o deputado Lira Maia (DEM-PA), um dos que só assinou a lista de presença depois da negociação.

Um dos raros ambientalistas da comissão, o deputado Sarney Filho (PV-MA) criticou a composição. Ele destacou que a bancada ruralista apresentou diversas emendas para retomar partes do texto vetado pela presidente Dilma Rousseff. Ele responsabilizou os líderes pela prevalência ruralista na comissão e disse que somente uma atuação forte do governo pode evitar que o Congresso piore o projeto.

 

“Pela representatividade numérica que temos aqui o projeto pode piorar. A responsabilidade é dos líderes partidários que não tiveram a capacidade de indicar pessoas moderadas. Agora o governo vai ter que assumir sua posição, caso contrário o retrocesso está garantido”, disse o deputado do PV.

Dos 13 deputados titulares na comissão, 10 votaram para derrubar o texto do Senado sobre o código, que é basicamente o que a presidente reintroduziu por MP. No Senado, pelo menos 7 dos 13 membros são membros formais da Frente Parlamentar Agropecuária. “Dentro do Congresso o meio ambiente é minoria, falta voto”, admite o senador Jorge Viana (PT-AC). Com essa correlação de forças, a comissão vai virar uma tentativa de ruralistas das duas casas fecharem um acordo.

O relator, senador Luiz Henrique (PMDB-SC), destacou que apesar das centenas de emendas a maioria dos parlamentares tem defendido “ajustes” e não mudanças completas na MP. Indicado como revisor e para relatar o projeto na Câmara, o deputado Edinho Araújo (PMDB-SP) destaca que com a comissão mista as duas Casas estão obrigadas a buscar um consenso. “O Brasil amadureceu muito nessa discussão e agora temos um tema antigo com uma dinâmica e um procedimento novo. Temos agora de buscar um equilíbrio e deixar fora daqui os radicalismos.”

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Perfídia contra o Código Florestal


Autor(es): José Eli da Veiga
Valor Econômico - 15/05/2012
 Fonte: Clipping do MPOG
Qual será o limite de desfaçatez dos que sonham com uma lei que legitime os desmatamentos criminosos dos últimos 12 anos e ainda torne desprotegidas as áreas úmidas, os manguezais, as margens dos rios, as encostas e os topos de morro?
Agora se valem de reles blefe para chantagear a presidente Dilma: aumento dos preços alimentares decorrente de diminuição da área cultivada, caso não seja sancionado o projeto da Câmara que revoga o Código Florestal. Essa é a síntese da ameaça publicada na "Folha de São Paulo" de 12/05 pela presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu (PSD/TO).
Bazófia cabalmente desmentida pelas projeções do próprio agronegócio: o "Outlook Brasil 2022", feito em parceria do Departamento de Agronegócio da FIESP (Deagro) com o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Ícone).
A área necessária para expandir a produção de grãos até 2022 não chega a 3% do espaço coberto por capim
Até 2022 a produção de grãos terá crescido quase 30%, com aumento da área plantada de quase 16%. Isso significa que será necessário acrescentar uns 6,2 milhões de hectares aos atuais 39,2 milhões, para que nos próximos dez anos a produção de grãos seja 30% maior que a atual.
Segundo a senadora, seria a obtenção desses 6,2 milhões de hectares que impediria a observância de boas normas de conservação. Como se por aqui houvesse um impasse que obrigaria a nação a sacrificar seu meio ambiente em razão da incontornável necessidade de produzir comida barata.
Falando sério: qualquer vestibulando sabe que a expansão da agricultura se faz por incorporação de terras antes destinadas a pastagens. E esses 6,2 milhões de hectares não chegam a 3% da imensa área coberta por capim, que já ultrapassa 211 milhões de hectares.
É intrigante que se recorra a tão pífio estratagema para tentar defender o indefensável: o "maluco" projeto aprovado na Câmara em 25 de abril. O que mais interessa, contudo, é a real motivação da sanha da CNA contra as áreas de preservação permanente (APP), já que em nada dificultam a expansão agrícola.
A ocupação territorial deste país vem sendo feita por um esquema de desmatamento, queimada e capim que atropela todas as precauções intrínsecas ao cuidado de se manter as APP. Se passar o projeto da Câmara, essas terras terão imediato salto de valorização patrimonial, apesar de todos os riscos de erosão dos solos e assoreamento de rios. Se, ao contrário, a sociedade brasileira exigir a reversão de tão trágico malfeito, os valores desses domínios terão que embutir os custos da indispensável recomposição da vegetação nativa em APP. Principalmente no Centro-Oeste e no Norte, mas também no oeste da Bahia e no sul do Maranhão e do Piauí.
Como esses grandes interesses especulativos são menos confessáveis, foi montada uma campanha política para tentar vender a ideia de que "o grande prejudicado é quem se esforça para produzir "alimentos melhores e mais baratos". E como também não faltam exemplos de verdadeiros agricultores que, por outras razões, enfrentam dificuldades com a legislação em vigor, são eles que servem de biombo para uma gigantesca operação no mercado imobiliário rural.
É isso que permite entender a geografia da votação de 25 de abril. Aprovado com 100% dos votos das bancadas de Tocantins e de Mato Grosso, ou com mais de 85% dos votos das de Rondônia, Goiás e Roraima, o relatório dos especuladores foi rejeitado pelas bancadas de São Paulo (41 a 26) e do Rio de Janeiro (25 a 15).
Apesar de ter sido cavalo da batalha intragovernamental do PMDB contra o PT, o projeto só obteve 274 votos favoráveis, pouco mais de 50%. E menos de 50% pelo critério do número de eleitores que botaram os atuais deputados na Câmara. Pior: essa é a casa com maior déficit democrático, como demonstrou ontem (14/05) Renato Janine Ribeiro em sua coluna no Valor (A10).
Caso típico, portanto, em que a democracia requer veto presidencial. E como ele tende a ser integral (ou quase), multiplicam-se as iniciativas para preencher o vazio. Algumas certamente tentarão corrigir três sérios deslizes cometidos pelo Senado.
Não é possível ignorar que a Lei de Crimes Ambientais (9.605, de 12/02/1998) está regulamentada desde 1999. Posteriores desmatamentos de APP foram crimes dolosos que, se perdoados, configurariam mais indulto que anistia. A escolha de julho de 2008 para demarcar o passivo é uma mesquinha vingança contra a regulamentação específica do governo Lula.
Se houver excepcionalidade para os chamados "pequenos produtores", não se deve usar a figura do imóvel rural (com área de até tantos módulos), porque não há qualquer correspondência entre propriedade (imóvel) e empreendimento (estabelecimento). Deve prevalecer a Lei da Agricultura Familiar (11.326, de 24/07/2006), cujos critérios impedem que imóvel voltado à especulação fundiária seja tomado como se fosse dedicado à agricultura de pequena escala.
Terceiro, mas não menos importante: é preciso banir pastagem em APP, pois não há pior atentado ao beabá do conhecimento agronômico.
José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ)

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Código Florestal do Piau


O relator Deputado Paulo Piau do PMDB de Minas Gerais (principal partido da base do governo Dilma) escreve com destaque em seu parecer que se orgulha do trabalho na Câmara dos Deputados (relatório do Deputado Aldo Rebelo). Essa sincera opinião de deputado reflete-se concretamente nas alterações por ele propostas em seu parecer no texto do Senado.

O relatório do Deputado Piau nos leva a concluir duas coisas (não excludentes). Ou a bancada ruralista perdeu totalmente a noção dos limites (o céu é o limite) e está se sentindo muito a vontade, jogando no seu próprio campo, e pretende impor uma derrota antológica ao governo (do PT) com vitória do governo do PMDB; ou, o que é mais provável, trata-se de um jogo de cena perfeitamente combinado (como disse Marina Silva, um perfeito telequete) entre a bancada ruralista e o Palácio do Planalto. Tal jogo de cena se materializará em uma disputa de cartas marcadas no Plenário na Câmara entre apoiadores do (suposto) acordo do Senado versus a bancada ruralista da Câmara. Ou ainda pior, as duas hipóteses, jogo de cena, no seu próprio campo. Na peleja encenada, o Governo derruba (p.ex.) 80% dos absurdos propostos pelo deputado Piau e a Presidenta Dilma vetaria um ou outro absurdo que eventualmente passar no Plenário da Câmara.

O governo tentará, com isso, minimizar o risco de um grande constrangimento para a presidenta na Rio+20, ao sancionar o texto do Senado piorado, sob a alegação, já vocalizada por líderes do governo depois da votação no Senado, de que foi o possível considerando a correlação de forças no parlamento.

O relatório do Deputado Paulo Piau, membro da base de apoio do Governo Dilma, consegue a façanha de unir o que tem de pior das duas versões já aprovadas, pela Câmara e pelo Senado, inclusive suprimindo os poucos e insuficientes avanços ambientais introduzidos quase a fórceps no texto do Senado.

Cabe-nos denunciar esse evidente jogo de cena (cujo roteiro e atores principais podem variar no dia do ato) e trabalhar pela rejeição in totum do relatório do Deputado Piau na próxima 3ª feira (24) se realmente for a votação. Infelizmente, com esse telequete do código florestal, o Brasil põe em risco sua condição de líder destacado nas negociações relevantes em torno da agenda socioambiental global.

No mérito seguem abaixo os principais problemas do relatório do Piau que reforçam a idéia do jogo de cena em campo “alheio”:
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Análise / parecer do Relator Deputado Federal Paulo Piau para o código florestal

1. O relator rejeita o artigo primeiro do texto aprovado pelo Senado que apesar de ser apenas principiológico (não estabelece obrigações), define uma série de princípios que caracterizam o código florestal como uma lei ambiental. Ao rejeitar esse dispositivo, o relator reforça a tese de que o Congresso está transformando o código florestal em uma lei de consolidação de atividades agropecuárias ilegais, ou uma lei de anistia.

2. O relator resgata o conceito original, incerto e genérico (da versão da Câmara) de pousio (art.3º XI). Na prática essa alteração significa a consolidação de desmatamentos ilegais posteriores a 2008 que serão caracterizados como áreas em pousio e vai permitir ainda novos desmatamentos legais em propriedades com áreas abandonadas, o que hoje é vedado pela Lei vigente.

3. O novo relatório propõe, ainda, - o que é coerente com a alteração referida no item 2-, a exclusão do conceito de áreas abandonadas ou sub-utilizadas previsto no artigo 3º,  inciso XX, do texto do Senado. Isso pode comprometer o próprio Programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono), cujo objetivo é criar incentivos à redução de emissões do setor agropecuário mediante o resgate dessas áreas para a produção. Cai um instrumento legal de pressão por recuperação e otimização produtiva de áreas hoje sub-utilizadas ou abandonadas na medida em que poderão ser abertas novas áreas de vegetação nativa nessas propriedades.

4. O relatório dispensa a proteção de 50 metros no entorno de veredas o que significa não somente a consolidação de ocupações feitas nessas áreas como inclusive novos desmatamentos, pois deixa de existir uma faixa de proteção das veredas, sendo somente as veredas consideradas área de preservação. É como se o relator definisse somente a nascente como área de preservação e dispensasse a faixa no entorno dessa nascente como de preservação permanente. Para o bioma Cerrado, o mais ameaçado hoje pela expansão indiscriminada da agricultura, essa exclusão dos 50 metros de faixa de proteção significa a condenação das veredas.

Esta lista de problemas analisa apenas as novidades contidas no relatório do Deputado Piau. P/ os principais problemas do relatório do Senado, que foram recepcionados pelo relatório do dep. Piau veja link na nota de roda-pé anterior.

5 . O relator suprime APP de reservatório natural com menos de 1 ha (art. 4º, §4º). Retoma a redação da Câmara o que significa acabar com APP nesses reservatórios (altamente vulneráveis) sob o argumento de que muitos deixam de existir em função das longas estiagens.

6. O Dep. Piau aumenta as possibilidades legais de novos desmatamentos em APP ao excluir (§6º do artigo 4º) a restrição para novos desmatamentos nos casos de aqüicultura em imóveis com até 15 Módulos fiscais (na Amazônia, propriedades com até 1500ha).

7. O relatório amplia de forma indiscriminada a possibilidade de ocupação nos manguezais ao manter a separação dos Apicuns e Salgados e delegar o poder de ampliar as áreas de uso aos Zoneamentos, sem qualquer restrição e manter somente os §§ 5º e 6º do art. 12.

8. No art. 16, o relatório retoma o § 3º do texto da Câmara para deixar claro que no cômputo das Áreas de Preservação Permanente no cálculo do percentual de Reserva Legal todas as modalidades de cumprimento são válidas: além da regeneração e da recomposição, também a compensação que poderá ser feita em outros estados.

9. O relatório exclui critérios técnicos para manejo florestal facilitando a “supressão de árvores” em propriedades rurais. Isso significa estímulo à degradação florestal em RL (com a alteração do artigo 23).

10. Ao suprimir o parágrafo 10 do artigo 42 o relator propõe que incentivos inclusive econômicos inclusive com recursos públicos possam ser investidos para proprietário que desmatou ilegalmente depois de julho de 2008. Instituição da corrupção ambiental. O crime passa a compensar de fato com estimulo de governo.  

11. Ao suprimir o artigo 43 do Senado o relatório elimina um dos poucos dispositivos que vincula recursos à recomposição de APPs.

12. O Deputado Piau ressuscita a emenda 164 (de sua autoria na Câmara) que delega aos Estados a definição do que será consolidado em APP (supressão dos §§ 4º, 5º e 7º do art. 62) remetendo aos PRAs a regularização das propriedades e posses rurais. É o dispositivo da institucionalização da anistia. Sequer os 15 metros mínimos do Senado foram acatados pelo Dep. Piau.

13. O relatório do Piau exclui também os §§ 13 e 14 do artigo 62 que tratam da possibilidade de exigências superiores às constantes na Lei, nas bacias hidrográficas consideradas críticas e das propriedades localizadas em área alcançada pela criação de unidade de conservação de proteção integral. A supressão do §13 condena mais de 70% das bacias hidrográficas da Mata Atlântica que já tem mais de 85% de sua vegetação nativa desmatada.

14. No art. 64, o relator Piau consolida pecuária improdutiva em encostas, bordas de chapadas, topos de morros e áreas em altitude acima de 1800 metros. 15. Suprime o art. 78, que veda o acesso ao crédito rural aos proprietários de imóveis rurais não inscritos no CAR após 5 anos da publicação da Lei. Com isso elimina um dos dispositivos de pressão para o cadastramento ambiental rural dos móveis e para que os estados de fato regulamentem e implementem os cadastros em no máximo 5 anos. Retira a eficácia do CAR.

AUTOR: André Lima, advogado (OAB-DF 17878), mestre em gestão e política ambiental pela UnB, Consultor Jurídico da Fundação SOS Mata Atlântica, Consultor de Políticas Públicas do IPAM, Sócio-fundador do Instituto Democracia e Sustentabilidade e membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil-DF.
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Infelizmente, não era "Jogo de Cena" e a aberração jurídica foi aprovada, para desencanto de todo cidadão consciente, digno e honesto dessa Nação Brasileira.

Carta aberta à Presidente Dilma Rousseff


Publicado em Política por João Carlos Figueiredo em 11 de fev de 2012 às 12:36

Assim que as eleições de 2010 encerraram sua apuração e Dilma Roussef foi declarada Presidente do Brasil, publiquei esse manifesto em meu blog bocaferina.com, tentando sensibilizá-la e a todos os brasileiros para que percebessem que um presidente não tem compromissos com as poderosas forças que o elegeram, mas tem, sim, um compromisso irrevogável com o POVO BRASILEIRO. Hoje, passados pouco mais de 12 meses, constatamos que o que mudou foi o autoritarismo de Dilma Rousseff, atrelada ao que existe de pior nas forças políticas brasileiras: a Bancada Ruralista, o PMDB e o Capitalismo que ela combateu na Ditadura.

Por isso, transcrevo aqui minha Carta Aberta como manifestação de protesto contra a corrupção, o poder ilícito e predatório e a arrogância desse mesmo Capitalismo que corrompeu até mesmo Fernando Henrique Cardoso, "O Príncipe" de Maquiavel, "O Déspota Esclarecido" de Thomas Hobbes.Publico-a novamente, neste dia de Luto Nacional em Defesa do Meio Ambiente.

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domingo, 31 de outubro de 2010

Carta aberta à Presidente Dilma Rousseff

Sra. Presidente Dilma Rousseff,

Falo como quem não votou em seu nome, e nunca votaria em José Serra. Fui defensor de Marina Silva como uma alternativa de governo que nunca foi tentada neste país, mas que deveria ser considerada por quem ama a terra em que nasceu e acredita no ser humano como uma criatura possível no concerto geral deste universo atribulado por tanta miséria e desgoverno.

Até hoje a humanidade sempre procurou alternativas para conceder o poder e as riquezas para poucos em detrimento da maioria. À senhora que, como eu, lutou contra a ditadura militar, mesmo sabendo que na relação de forças não tínhamos a menor possibilidade de vitória, e que, por idealismo e convicção, mesmo assim perseverou na defesa de seus ideais, peço-lhe apenas um minuto de sua atenção, antes que sucumba de vez nos labirintos do poder.

Nas barganhas dos cargos e dos Ministérios, guarde uma vaga para o bom-senso, e destine, pela primeira vez na história, a Agricultura para os pequenos agricultores, esses que representam mais de 95% de todos os trabalhadores rurais desse país imenso. Não entregue o poder para os ruralistas, esses que querem apenas se enriquecer, produzindo soja, gado e cana de açúcar para abastecer os celeiros do mundo, deixando a mesa dos pobres vazia.

Reserve o Meio Ambiente para quem luta por preservar as belezas desse planeta, suas águas e as florestas, seus animais e as paisagens para que nossos filhos, nossos netos, seus netos, tenham algo para se maravilhar e viver. Deixe um pouco do que resta para as futuras gerações e não para aqueles que ambicionam os domínios intermináveis dos latifúndios vazios.

Leve consigo, para as outras pastas, a Educação, a Saúde, os Transportes, Minas e Energia, pessoas que sonham com um mundo melhor e menos consumista, onde todos (todos mesmo) possam ter suas vidas dignas e não consumidas no desperdício e no desprezo pelos pobres.

Senhora Presidente, seja, antes de tudo, humilde; visite todos os rincões desse país e não apenas aqueles que lhe deram os votos da vitória, mesmo que sejam tão vazios e distantes que apenas os indígenas os estejam habitando. Veja com seus olhos a imensidão de nossas florestas, de nossos rios, a riqueza que eles guardam para um futuro que só acontecerá se alguém cuidar para que isso aconteça. E apenas a senhora poderá fazê-lo.

Não espere que as alianças espúrias que fez lhe garantam a tal "governabilidade". Tenha a coragem e a ousadia de decidir pelas gentes de nossa Nação, a despeito dos partidos políticos, cada vez mais corruptos, cada vez mais distantes dos nossos anseios populares.

Senão, para que terá valido sua luta revolucionária? Lembre-se de seu idealismo como estudante, que enfrentou as armas dos exércitos, os porões da ditadura, apenas para viabilizar um mundo melhor, mais solidário, mais justo e honesto. Traga de volta seus sonhos estudantis, ainda não contaminados pelas ambições políticas, e pense em seu povo, pois foi este quem a elegeu com seus milhões de votos! Rompa essas alianças estúpidas e acredite em seu poder.

Senhora Dilma Rousseff, não repita a hipocrisia do passado! Leve consigo poucas propostas, mas apenas as efetivas, importantes de fato, que possam modificar para sempre a fisionomia deste imenso país, de recursos (quase) inesgotáveis. Não deixe que eles se acabem!

Ainda existem pessoas do bem, preocupadas e solidárias, aquelas que votaram em Marina Silva apenas pelo que ela representou para todos nós, uma via diferente, não baseada no Capitalismo Selvagem em que vivemos, mas na busca de alternativas Sustentáveis, que possam preservar a Vida, a Beleza e a Permanência do Homem sobre a Terra.

Este é o meu pedido sincero, senhora Presidente!

Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/artefacto_artefoto/2012/02/carta-aberta-a-presidente-dilma-rousseff.html#ixzz1t9mOcZGq

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

As enganosas promessas da Transposição

A recente visita de Dilma Rousseff aos canteiros de obras da Transposição reacendeu as promessas e esperanças da população nordestina, principalmente aqueles que, acreditando nas possibilidades de redenção da economia no polígono da seca, investem suas expectativas nesse megaprojeto secular, que já passou por tantas modificações. O que nem Lula nem Dilma disseram é que essa versão atual e bilionária terá apenas 2% de suas águas destinadas ao consumo doméstico; o restante será oferecido ao Agronegócio e a outros megaempreendimentos da região. Os estados beneficiários serão o Ceará, o Rio Grande do Norte, a Paraíba e Pernambuco.

Observem as placas indicativas das empresas habilitadas para as obras da Transposição na cidade de Cabrobó, PE. É curioso observar que o Consórcio Construtor "Águas do São Francisco" é constituído de uma empresa PAULISTA (Serveng),  uma empresa CARIOCA (Christiani-Nielsen), outra  empresa  PAULISTA (SA Paulista de Construções e Comércio), além do Exército Brasileiro... ou seja, nenhuma empresa nordestina investe nesse projeto, e os empregos gerados são transitórios. Assim que terminar a obra, mais de 10.000 trabalhadores estarão sem emprego, agravando os problemas sociais dessas cidades que os acolheram.

Já se produziram centenas de peças publicitárias para tentar resgatar a imagem pública desse gigantesco investimento em infraestrutura, que poderá trazer consequências catastróficas para os destinos da Bacia do São Francisco. Exemplo disso está na página do UOL: "Tão necessária, tão problemática"! Quem inadvertidamente lê essa reportagem não percebe a mensagem subliminar que enaltece a "grande obra do PAC", pois seu conteúdo é deliberadamente ambíguo, ora criticando, ora elogiando o projeto.

O que não se diz é que o "Projeto de Revitalização", inventado por Lula para se contrapor à Transposição, é um "apanhado" de obras isoladas, que não levam em consideração a Bacia Hidrográfica do rio São Francisco como um todo indissolúvel, e que seria, de fato, a única obra justificável para essa região. Não há como reativar a economia do Polígono das Secas sem resgatar a integridade da Bacia do São Francisco. Os mais de seis bilhões de reais que estão sendo investidos na Transposição teriam resultados muito mais efetivos se fossem destinados à Revitalização. Nenhuma obra desses "projetos isolados" do Governo Federal é destinada à recuperação da vazão dos rios que compõem a Bacia do São Francisco. E essa obra faraônica da Transposição só terá consequências negativas sobre a vazão do rio, que hoje atinge, no máximo, 3.500 m3 por segundo (na foz) e já foi, segundo estudos científicos, cerca de 16.000 m3 por segundo!

Os governos petistas iniciaram uma nova era de demagogia que eu, nos meus longos anos de luta revolucionária, nunca imaginei presenciar. O Partido dos Trabalhadores, que foi a esperança de redenção da Nação Brasileira, se envolveu em todos os tipos de escândalos que tanto criticou enquanto oposição; depois aliou-se aos partidos mais corruptos do país, como o PMDB e o PR. Enganou o povo com alianças espúrias como aquela com a famigerada Bancada Ruralista (preconizada e conduzida pelo ex-comunista Aldo Rabelo, do PC do B), com quem desenvolve os projetos do agronegócio, em detrimento dos pequenos e médios agricultores, e com ações e obras radicalmente contrárias aos propósitos ambientalistas que declarou internacionalmente, como as mega-hidrelétricas de Tucuruí, Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, que fazem parte do processo de destruição da Floresta Amazônica.

O projeto de Transposição é mais uma dessas mentiras, pois não resolverá o problema da distribuição de água para a população carente, e favorecerá novos empreendimentos que só aumentarão a concentração de renda em nosso país. Segundo especialistas em hidrologia, como João Suassuna(1)Aziz Ab´Saber (2) e Manoel Bonfim Ribeiro (3), a quantidade de água armazenada em reservatórios, açudes, barragens e lagos na região do polígono da seca já seria suficiente para abastecer todos os lares e suprir as indústrias nordestinas, bastando para isso que se desenvolvesse um projeto de integração desses reservatórios, que custaria infinitamente menos que a transposição, e teria resultados muito mais efetivos para a economia regional.

O paradoxo desse projeto de Transposição é que, nas regiões onde a água será retirada, a seca é muito mais perversa do que nas regiões para onde a água será transferida. Dentro mesmo do município de Cabrobó, origem do eixo norte da transposição, é comum ver-se caminhões-pipa entregarem água nas residências pobres da periferia da cidade; pior ainda são as pequenas propriedades a menos de 5 km das margens do rio São Francisco, que padecem da seca e são atravessadas pelos canais da transposição, cercado com arame farpado para impedir que esses agricultores familiares façam uso da água que lhes pertence e que será levada para mais de 400 km de distância da bacia do São Francisco.

Vale lembrar que o projeto original previa a recomposição das águas do São Francisco por um canal de 150 km ligando a Bacia do Tocantins através da Lagoa do Varedão. Essa proposta foi esquecida no projeto atual para não onerar seus custos, embora fosse muito menos dispendiosa que a Transposição do Velho Chico, uma vez que não necessitaria de estações elevatórias. Vejam análise técnica do pesquisador Luiz Carlos Baldicero Molion(4) no link http://www.sfrancisco.bio.br/arquivos/Molion%20LCB001.pdf

São muitos os questionamentos em relação a essa obra bilionária, mas nenhuma resposta convincente é oferecida aos antagonistas do projeto, que não é do povo, mas de Lula, de Ciro Gomes, de Dilma Rousseff e dos megaempresários que dele se beneficiarão. Que democracia é essa, que usa forças militares para garantir a execução das obras e faz ouvidos moucos aos protestos da população?
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(1) João Suassuna - Engenheiro Agrônomo, formado pela Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Planejamento Florestal pela Fundação Getúlio Vargas
(2) Aziz Nacib Ab'Saber - geógrafo, geólogo, ecólogo, professor universitário e Presidente de Honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
(3) Eng. Manoel Bonfim Ribeiro - mestre em hidrologia e ex-diretor do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS)
(4) Luiz Carlos Baldicero Molion - Pesquisador do Departamento de Meteorologia da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

O insustentável peso do "desenvolvimento humano"

É lamentável constatar que as forças reacionárias ganham terreno na luta pelo poder, seja no Brasil ou no Mundo. A cada dia mais percebemos que o discurso desenvolvimentista ganha adeptos até mesmo entre "intelectuais", que veem nas promessas de "evolução" tecnológica, científica e econômica, a solução para a miséria e a estagnação social.

Porém, essas promessas são falsas e enganosas; a opção "desenvolvimentista" não considera a justiça social um objetivo a ser alcançado, pois o motor que conduz essa opção econômica é alimentado pelo combustível dos interesses de grandes corporações, pelo agronegócio e pelas grandes mineradoras, todos eles empenhados em crescer através do consumo descontrolado dos recursos naturais, renováveis ou não.

Aliás, essa é outra falácia do Capitalismo: não existem "recursos renováveis" quando, para sua produção, são devastadas cada vez maiores áreas de preservação ambiental. Nossas florestas, as maiores do mundo, sofrem uma pressão insustentável, movida pelo agronegócio e pela exploração dos recursos minerais. Nem mesmo as terras indígenas são poupadas, e suas lideranças já "encampam" a ideia de que não existe alternativa para o desenvolvimento desses povos originários, senão explorando exaustivamente a mineração em suas terras.

O próprio debate da crise econômica atual conduz o pensamento a supor que tudo é permitido para "salvar" o Capitalismo! Mas quem disse que esse modelo econômico é a única alternativa para a Humanidade? Com o desaparecimento da opção socialista na década de 1990 o mundo se viu diante de uma via única de pensamento econômico, ideológico e social: o Capital como força motriz da Sociedade, não importam os custos dessa via, não importa o destino do Homem na Terra a longo prazo.

Talvez nunca houve tamanha alienação intelectual como existe agora. E isso é devido à perda do principal instrumento de evolução do pensamento humano: a Dialética, a diversidade cultural, o antagonismo ideológico! Sim, pois somente através da divergência das ideias a Filosofia como Ciência maior evoluiu ao longo de nossa História.

Bem, mas o que tem isso a ver com o Velho Chico? Tudo a ver! Basta observar a condução de nossa política econômica, focada no agronegócio e na redução de nossos espaços naturais preservados. E o rio São Francisco é um dessas vítimas, na medida em que Dilma dá força total à continuidade do projeto de Transposição de suas águas e relega a segundo plano a Revitalização da sua Bacia Hidrográfica; na medida em que observamos a construção de centenas de PCH (Pequenas Centrais Hidrelétricas) nos seus afluentes.

E não é apenas o nosso Velho Chico que está ameaçado, mas também grandes rios do complexo hídrico amazônico, pela construção de hidrelétricas como Balbina, Tucuruí, Belo Monte, Santo Antônio e Jirau. Isso evidencia que não há limites para o "projeto" capitalista e tudo é permitido, desde que o Brasil cresça, nem que seja apenas em números!

O grande engodo por detrás desse pensamento é que a Humanidade só pode ser feliz se houver enriquecimento material e, mesmo assim, apenas dos poderosos, aqueles que conduzem os destinos do mundo. Ocorre que hoje as pessoas não são felizes, mesmo tendo muito dinheiro, pois perderam a sensibilidade e a capacidade de compartilhar suas vidas. Hoje acredita-se que "compartilhar" e "curtir" são apenas botões do FaceBook!

Para onde caminhamos? Qual será o destino desse mundo humano? Como será o mundo de nossos descendentes? Será que toda essa ganância e ambição compensam a perda da Beleza do Mundo Natural? Ainda que a Humanidade encontre artifícios para alimentar uma população de 10 ou 20 bilhões de homínidas, ainda que as lavouras e os pastos sejam os únicos vestígios finais da vegetação na face da Terra, para que terá valido tudo isso?

Creio que ninguém quer saber a resposta a essas indagações...

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

CPT BAHIA OUVE O GRITO DO CERRADO

Carta Do Conselho Regional Da CPT Bahia em Correntina - BA


A CPT Bahia partilha o que viu e sentiu durante o Conselho Regional, em Correntina, no Cerrado baiano, hóspede da equipe da CPT Centro-Oeste e da igreja local (diocese de Bom Jesus da Lapa). Junto com os camponeses e camponesas e representantes dos movimentos e entidades sociais, éramos 42 pessoas, entre encantadas e preocupadas com aquele lugar.

No Cerrado de Correntina, nos deparamos com uma realidade conflitiva e chocante. Um poder, cego e tenebroso, vem há decênios corporificando-se no Oeste Baiano. Atrás da propaganda de “desenvolvimento” trazido pelo agronegócio de exportação, está sendo demolido um bioma – o mais antigo e fundamental – e se oculta um crime que se perpetua: a usurpação das terras públicas, a grilagem, o desmatamento, a morte dos rios e das nascentes, a degradação dos solos, a contaminação por agrotóxicos, a superexploração do trabalho e o trabalho escravo, o desmantelamento das comunidades tradicionais, a desagregação social – a extinção da vida.

Estas realidades, sem nenhum exagero, apresentam o triste espetáculo de uma chaga exposta, sangrando. Ela é mais preocupante e dolorida pela consciência de que o Cerrado brasileiro, e o Oeste baiano nele, concentram em si o “santuário sagrado das águas”. Daqui – uma grande caixa d’água natural – a água se derrama em vida, por inúmeros veios “correntes”, na direção do nascer do sol, para o rio São Francisco e o Oceano. Com a destruição do Cerrado todos eles estão ameaçados de morte, alguns já foram extintos.

Com uma programação intensa, os participantes do Conselho, na manhã do dia 29 de novembro, pudemos ver com os nossos olhos e nos indignar com as seguintes situações:

• Em 1945, terceiros adquiriram, não se sabe como, 40 hectares de terra, na localidade de Itamarana, em Correntina. Por força de uma retificação de área, homologada por um juiz de Santa Maria da Vitória, em 1987, esses 40 se transformaram em 217 mil hectares. Além de mudar o local do imóvel em mais de 150 km, três erros elementares foram acintosamente cometidos: não foram ouvidos, como manda a lei, o Ministério Público e os limitantes, nem o órgão de terras do Estado foi consultado. Um caso clássico e escancarado da velha grilagem de terras públicas. Para piorar, foi cercada a comunidade geraizeira do Couro de Porco, formada por posseiros que ali habitam desde tempos imemoriais. O “empresário” é o Sr. Nelson Tricanato, que nesta área implantou 11 mil hectares de mandioca para etanol. Entretanto, diz ele publicamente “que não se importa muito com as batatas”.

• Durante a visita, pudemos com facilidade associar o agronegócio à lavagem de dinheiro público, algo que foi amplamente divulgado durante o escândalo do “mensalão”. Três dias depois da visita, o Sr. Marcos Valério foi preso em BH, em razão de crimes de “agrobanditismo” praticados na região.

• Numa relação de causa e efeito, à instalação do agronegócio segue uma mortandade, em série, de nascentes, riachos e rios. Vimos com os nossos olhos: o braço de rio, afluente do rio Correntina, na área da REBRAS (Reflorestadora Brasil SA), totalmente exterminado.

• Para dar suporte à expansão do agronegócio, primeiro se constrói um posto de gasolina, em torno dele empresas vão se acomodando, depois se pleiteia a criação de um município ali. Primeiro foi o posto Mimoso do Oeste, que virou o município de Luiz Eduardo Magalhães, hoje com 60 mil habitantes. Na mesma direção projetam-se novas cidades no Oeste baiano: Alto Paraíso, Novo Paraná, Placas, Panambi, Nova Roda Velha, Posto Rosário, Vereda do Oeste, Cidade Trevoso... Para concluir, o agronegócio pretende transformar o Oeste baiano em “Estado do São Francisco”.

• O Estado joga neste processo papel decisivo: atrai, financia, cria infra-estrutura (rodovia, ferrovia, porto, energia etc.), facilita a grilagem e flexibiliza a legislação ambiental.

• Tudo isto, porém, não resulta em benefício para o povo do lugar. Pesquisa da Universidade Estadual da Bahia – UNEB constatou um “falso eldorado” na Região Oeste: a riqueza cresceu 245,6%, entre 1991 e 2000, mas 71,78% dos 800 mil habitantes têm renda inferior a meio salário mínimo (jornal A Tarde, 29/07/04). O município de São Desidério tem a maior renda agrícola do País e uma das piores distribuições de renda. A riqueza produzida na região não fica nela, vai para fora, de onde vem a quase totalidade dos empresários.

• O povo do Oeste baiano, porém, não se conforma. Têm comunidades geraizeiras tendo que brigar por seus territórios da Serra Geral do Tocantins ao Grande Sertão Veredas (MG), da Muriçoca em Barreiras aos Brejos da Barra, da sede da Empresa REBRAS às Cachoeiras do Formoso, do Salto ao Jacurutu... O caso da comunidade do Salto é dos mais absurdos. Como não questionar a ocupação de sem-terras liderados pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia – FETAG-BA no território desta comunidade tradicional, existente há pelo menos 200 anos? Em meio a tantos latifúndios e terras griladas, justo esta comunidade foi visada?

À luz do Espírito de Javé que, como nos contam as primeiras palavras da Bíblia, “pairava sobre as águas” (Genesis 1,2), afirmamos que sobre o que vimos em Correntina não podemos nos calar e pactuar. Como Pastoral da Terra, não nos é permitido perder a lucidez evangélica. O “êxodo” – saída e travessia – para qual convidamos movimentos sociais, comunidades, igrejas, é conhecer, não aceitar e resistir a esta realidade fechada em morte, sem minimizar desafios e complexidades nela inerentes.

Neste final de 2011, luzes clarearam perspectivas do serviço pastoral da CPT na Bahia. Em Correntina, como na memória dos 35 anos da CPT celebrados em Juazeiro, dez dias antes, os camponeses e camponesas e as realidades que ecoavam por eles, nos disseram que o serviço da Pastoral da Terra continua irrenunciável e urgente. E este serviço, hoje, deve cuidar cotidianamente para desconstruir o “canto das sereias” do capitalismo que seduz, coopta, desvirtua e corrompe. Nossa crônica fragilidade de recursos financeiros não deve nos preocupar mais do que a tentação de largar a coerência evangélica. Num diálogo humilde e firme, devemos buscar apoio para uma “Co-Missão Pastoral da Terra” que se sinta organicamente enviada com interesse e apoio pelas igrejas, servindo aos pobres da terra e a seus movimentos e lutas por acesso a terra e posse de seus territórios. Assim beneficiando também a toda a sociedade com a produção de alimentos saudáveis e a defesa dos bens comuns da terra.

A celebração dos 35 anos da CPT em Juazeiro e este Conselho Regional em Correntina marcam a conclusão de um ano e se transformam em pedras angulares para o futuro da CPT Bahia. Nisto nos sentimos unidos a tantos quantos nos outros biomas nacionais se mantêm na defesa dos povos dos campos, matas e rios que ainda restam e precisam viver.

Das comunidades de Areia Grande, em Casa Nova, e Salto, em Correntina, sentimos que os pobres nos encorajam com sua silenciosa resistência e iniciativas, a permanecermos com eles, na firmeza de quem existe, persiste e insiste fazendo pulsar tradição, cultura, religião, autonomia, solidariedade e ecologia, a despeito de sofrimentos, a partir da história e das etnias, com seus mártires.

Nesta travessia, ressoam com sentido de força sagrada, direção, compromisso e esperança, as palavras que o povo proclama no Natal: “Já raiou a barra do dia, por detrás da escuridão! Mais que o sol brilha Jesus Cristo, dentro no nosso coração!” (Canto dos romeiros e romeiras no Natal).

Conselho Regional da CPT BahiaCorrentina - BA, dezembro de 2011.

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